– Qual era sua idade então? – perguntou o Canalha.
– Quase 17 – pensei por um momento, lembrando meus dias na praia. – O que eu fazia era andar pela praia com minha geladeira de isopor, vendendo sorvetes de barraca em barraca. Eu andava por lá anunciando “Sorvetes italianos, Chipwiches, Fudgsicles, picolés de fruta, Milky Ways e Snickers”, e andava, andava, o dia inteiro. Foi o melhor trabalho de todos, absolutamente o melhor! Todos os dias pela manhã, às 6 da matina, eu ia até o distribuidor grego aonde iam todos os caminhões das sorveterias, em Howard Beach, no Queens, e enchia meu isopor de sorvetes. Então enchia as geladeiras de gelo seco e ia direto para a praia – fiz outra pausa, saboreando a lembrança. – Fiz uma fortuna vendendo sorvetes na praia. Num dia bom, rentável, ganhava mais de 500 dólares limpos. Mesmo num dia devagar, dava para fazer 250, que era dez vezes mais o que meus amigos recebiam.
E continuei:
– Foi lá que conheci Elliot Loewenstern; nós vendíamos sorvetes juntos – fiz um gesto para minha lista de vilões, ladrões e pilantras. – Tenho certeza de que vocês todos estão familiarizados com Elliot. Ele está aí em algum lugar, muito perto do topo – dei de ombros, nem um pouco preocupado em dizer algo que implicasse Elliot Loewenstern.
Afinal, eu sabia que Elliot, cujo apelido era Pinguim, devido ao nariz longo e fino, à barriguinha compacta e às pernas ligeiramente arqueadas que o faziam andar desengonçadamente como um pinguim, iria cooperar rapidamente se precisasse enfrentar a possibilidade de passar mais que algumas horas na cadeia. Na verdade, eu já o tinha visto se abrindo durante um interrogatório da polícia, quando o que estava em jogo era pouca coisa. Durante nossa operação de venda de sorvetes, ele foi multado em 50 dólares por fazer vendas sem licença. Em vez de pagar a multa e ficar de bico calado, ele dedurou todos os outros vendedores na praia, inclusive eu. Então, sim: se o TOC e o Canalha garantissem uma acusação contra o Pinguim, ele cantaria na Court Street com prazer digno de uma Celine Dion.
Eu estava pronto para continuar minhas histórias, quando o Canalha disse:
– Acho um pouco estranho que, depois de tudo o que você fez, ainda pense que vender sorvetes é infringir a lei – ele encolheu os ombros. – Muitas pessoas achariam que isso é uma forma honesta de um garoto ganhar um dinheirinho.
Que interessante, pensei. O Canalha tinha levantado uma questão muito profunda: o que constitui de fato uma violação da lei? Voltando àqueles dias, praticamente todo mundo que eu conhecia (tanto meus colegas quanto os adultos) tinham considerado que minha venda ilegal de sorvetes era uma coisa totalmente justa. Para falar a verdade, eu tinha até recebido muitos elogios. Ainda assim, o fato é que era uma atividade ilegal, porque eu estava vendendo sem licença.
Mas aquilo era de fato ilegal? Será que algumas dessas leis não eram feitas para não serem cumpridas? No fim das contas, o que nós estávamos tentando fazer era conseguir algum dinheiro de forma honesta, não é verdade? Por outro lado, estávamos também ajudando a melhorar a experiência de ir à praia para milhares de nova-iorquinos, que de outra forma teriam que andar muito até o calçadão (que estava cheio de lascas e farpas) e ficar esperando na fila da barraca de sorvete, que era tocada por um jovem de cara amarrada que provavelmente cuspia no lanche no momento em que as pessoas viravam as costas. Portanto, qualquer um poderia argumentar que Elliot e eu estávamos praticando uma “boa ação”, apesar do fato de que, tecnicamente falando, estávamos infringindo a lei.
– Bem, a resposta mais curta aqui é que – disse eu ao Canalha – nós estávamos realmente infringindo a lei. Era uma venda sem licença, o que, para melhor ou pior, era uma contravenção classe B no Estado de Nova York. Para ir mais adiante, também éramos culpados de evasão de imposto de renda, porque estávamos faturando 20 mil pratas no verão sem declarar um centavo disso. Avançando ainda mais um pouco, quando fiz 18 anos comecei a vender também colares de conchinhas. Pensei o seguinte: já que eu estava andando pela praia toda oferecendo sorvetes, por que não tirar vantagem do mercado mal servido das bijuterias? – disse e dei de ombros de um modo bem capitalista. – Então fui até o distrito das joalherias em Chelsea, comprei mais de mil colares de conchinhas e contratei alguns garotos do ginásio para andar pela praia comigo. Eu tinha três moleques como meus empregados, e eles cobravam 4 dólares em cada colar. Meu custo era de apenas 50 centavos cada peça, de forma que, mesmo depois de pagar 50 pratas por dia para cada um dos meninos, eu ainda tinha um lucro de 200 dólares. Era muito mais dinheiro que eu ganhava com meus sorvetes!
Continuei:
– Mas é claro que os moleques não eram registrados, e eu não estava pagando impostos por aquilo que eles vendiam. Sem mencionar o fato de que eu os tinha vendido pela praia também sem licença. Então não era mais só eu que estava infringindo a lei, eu estava corrompendo um monte de jovens inocentes também. A certa altura, coloquei minha mãe no negócio. Fazia com ela acordasse às 5 da manhã para fazer bagels na manteiga, os quais eu vendia entre 9 e 11 horas da manhã, antes que o sol estivesse alto o suficiente para estimular a venda dos sorvetes. Havia todas as leis da Vigilância Sanitária que eu estava violando, por preparar alimentos em um local que não tinha sido inspecionado, apesar de minha mãe manter uma cozinha de fato impecável, pois ela era kosher. Por isso, acho que ninguém nunca ficou doente. Mas, ei, tudo aquilo foi em nome do capitalismo à moda antiga, então eu realmente não estava infringindo a lei, estava? Foi tudo muito inofensivo, tudo muito louvável. – Olhei para o Canalha e sorri. – Como você disse, Joel, aquela era uma forma muito honesta para um garoto ganhar seu dinheiro – fiz uma pausa, para deixar minhas palavras ecoarem nas pessoas. – De qualquer forma, eu poderia continuar por muito tempo nisso, mas acredito que vocês tenham compreendido meu ponto de vista: todo mundo, incluindo meus pais, cumpridores das leis, achou que vender sorvetes era a melhor coisa na face da Terra. Era a iniciativa de um empreendedor! Mas a questão é, existe mesmo essa coisa de crime justo? Quando foi que eu cruzei a linha com os sorvetes? Bem no comecinho, quando decidi vender sem obter a licença apropriada? Ou quando recrutei aqueles garotos do ginásio? Ou quando envolvi minha mãe? Ou quando escolhi não pagar os impostos…
Respirei fundo e disse:
– Quero que vocês entendam uma coisa: você não começa no lado negro da força, a menos, evidentemente, que seja um sociopata, e espero que todos saibam que eu não sou um – todos assentiram em concordância. Em um tom mais sério, acrescentei: – O problema é que você se torna insensível com as coisas, você cruza a linha um pouquinho e nada de ruim lhe acontece, então você acha que tudo bem dar um passo além, só que então é um passo maior. É da natureza humana fazer isso, seja um cara viciado em adrenalina, seja um drogado ou mesmo se não for viciado em coisa nenhuma; você está simplesmente mergulhando o pé em uma banheira de água fervente. No começo você nem consegue manter o dedão lá dentro, porque a água está quente demais. Mas depois de um ou dois minutos todo o corpo está mergulhado lá dentro e a água está gostosa.
Continuei:
– Quando fui para a Universidade Americana, todas essas coisas acabaram sendo reforçadas. Comecei a namorar uma garota de família muito rica, cujo pai estava no ramo de encadernação. Seu nome era David Russell e ele valia milhões. Não surpreendentemente, ele achou que aquilo que eu andava fazendo na praia era a melhor coisa de todos os tempos. Na verdade, um dia ele deu uma grande festa na casa dele e me fez desfilar por todos os lados dizendo: “Este é o rapaz de quem eu estava falando!”. E me fez contar a todo mundo a história de como eu acordava de madrugada, ia às 6 da manhã no tal distribuidor grego para encher minhas geladeiras de isopor com sorvetes italianos e depois ficava caminhando pela praia de barraca em barraca oferecendo meus produtos, fugindo dos guardas que corriam atrás de mim por vender sem licença. E, é claro, até o último de seus convidados achou que aquilo era a melhor coisa que eles já tinham ouvido. E faziam brindes para mim. “Para o milionário de amanhã!”, diziam eles.