Sorri com essa lembrança.
– Eu só estava no primeiro ano da faculdade, era um calouro naquela época, mas eu tinha certeza de que eles tinham razão. Eu sabia que seria rico um dia, e assim também pensavam meus amigos. Mesmo quando eu trabalhava na praia, sempre ganhei o dobro de qualquer outro vendedor. E nem estou computando aqui os pães com manteiga ou os colares de conchinhas. O que acontecia era apenas que eu trabalhava mais duro e por mais tempo que qualquer outra pessoa, até mesmo que Elliot, que também era um trabalhador incansável. Mas no final do dia, quando ele e eu nos sentávamos para fazer as contas, eu sempre o superava em pelo menos 50%.
Fiz uma pausa para recuperar o fôlego e dediquei alguns momentos para avaliar a temperatura de meus captores. O que eles estariam pensando? Eu me perguntei: será que eles poderiam ter algum tipo de conexão com uma pessoa como eu? Eu era de uma raça à parte. No caso da Bruxa, éramos de uma espécie diferente. De qualquer maneira, todos pareciam perplexos. Estavam apenas lá, sentados, olhando para mim, como se eu tivesse um parafuso solto ou coisa parecida.
Pulei para meus primeiros anos de vida adulta.
– Então, depois que terminei a faculdade, decidi estudar odontologia, porque queria ganhar muito dinheiro. É engraçado como isso parece ridículo agora, o fato de eu achar que a odontologia seria um caminho para fazer fortuna, mas acho que toda a falação de minha mãe em meus ouvidos enquanto eu estava crescendo acabou exercendo grande impacto sobre mim – dei de ombros. – Na verdade, eu achava que minha única alternativa era fazer medicina, mas me tornar um médico me pareceu uma insanidade a longo prazo. Somando-se o estágio, a residência, o mestrado, tudo me parecia muito fora de alcance. Então eu perdi o MCAT* por dormir demais, o que praticamente acabou com tal possibilidade. Como eu poderia dizer à minha mãe que tinha perdido os exames que ela vinha esperando que eu fizesse praticamente desde o dia em que saí do ventre dela? Ela ficaria de coração partido! Então concluí que, sendo o bom filho que eu era, o melhor seria mentir para minha mãe; disse a ela que tinha decidido não fazer a prova porque achava que ser médico não era o melhor para mim. Afirmei e garanti que ser dentista era meu futuro – balancei a cabeça lentamente, impressionado pela maneira como tinha selado meu destino tantos anos antes. – Agora chegamos à parte da história em que toda a verdadeira loucura começa: meu primeiro dia na faculdade de odontologia – sorri cinicamente. – Vocês já ouviram a velha expressão de que todas as estradas levam a Roma?
Todos assentiram, concordando.
– Certo… Bem, em meu caso, todas as estradas levavam à Stratton, e eu pisei nessa estrada logo no primeiro dia, que era o de orientação. Estávamos todos sentadinhos no auditório da faculdade, 110 estudantes, esperando para ouvir as primeiras palavras de sabedoria do reitor. Eu me lembro desse dia como se fosse ontem. Estava correndo os olhos em volta do auditório, tentando avaliar meus competidores, tentando descobrir se todos eles também eram esfomeados por dinheiro como eu ou se alguns deles estavam lá apenas pelo amor à odontologia. Tipo servir à humanidade e coisas assim – balancei a cabeça, como se minhas últimas palavras desafiassem a lógica.
– A sala estava lotada, metade de homens e metade de mulheres. O reitor estava de pé na frente, atrás de um pódio barato de madeira. Ele parecia um cara bem decente, na faixa de seus 50 anos, e razoavelmente bem-vestido. Tinha cabelos grisalhos, que o faziam parecer um homem bem-sucedido, respeitável e muito odontológico, pelo menos na minha maneira de pensar. Mas ele tinha um tipo de expressão sombria no rosto, como se fizesse hora extra à noite, como um diretor de penitenciária estadual… – Como você, Joel, seu sarnento! – Mas, apesar disso, ele ainda parecia um cara basicamente legal. Então, quando ele pegou o microfone que estava no pódio, me inclinei para a frente na cadeira para ouvir. Em uma voz surpreendentemente profunda, ele disse: “Quero acolher todos vocês aqui na Faculdade de Cirurgia Dentária de Baltimore. Vocês todos merecem ficar muito orgulhosos hoje, porque foram aceitos em uma das melhores escolas de odontologia do país”. E ele fez uma pausa, deixando suas palavras pairando no ar. Até agora, tudo bem, pensei. Então, o reitor voltou a falar: “O que vocês vão aprender ao longo dos próximos quatro anos vai lhes garantir um lugar de destaque na sociedade, assim como uma vida de razoável conforto. Então, por favor, deem a si mesmos uma calorosa salva de palmas, porque com certeza merecem. Bem-vindos! Bem-vindos!”. Ele levantou seu microfone e todo mundo começou a aplaudir, na hora certa. Todos, exceto eu, porque me senti arrasado, sabendo exatamente naquela hora que tinha cometido um erro terrível – girei o pescoço para um lado e para o outro, tentando fazer com que aquela lembrança não me chateasse demais. – Foi a maneira como ele tinha usado a palavra razoável. Era uma palavra forte para caralho, pelo amor de Deus! Aquele cretino sabia, ele sabia, porra, que a idade de ouro da odontologia já tinha acabado, por isso ele não conseguiu dizer que a gente iria ter conforto total. Aquele puto se esquivou e disse “razoável conforto”, o que é uma coisa completamente diferente. No entanto, para minha surpresa total, quando olhei ao redor da sala, ninguém mais parecia preocupado com isso. Todo mundo estava muito bem e feliz, batendo palmas alegremente, lá lá lá, e todos com uma expressão de expectativa no rosto. Os dentistas de amanhã! Eu nunca vou me esquecer disso, pelo menos nunca vou esquecer a ironia disso, porque, enquanto eles estavam ocupados batendo palmas, eu estava a ponto de cortar meus pulsos.
Fiz uma pausa e soltei um suspiro profundo. Com uma pitada de tristeza em meu tom de voz, disse:
– A verdade é que eu sabia que tinha cometido um erro bem antes disso, eu sabia desde que era criança. O que eu quero dizer é: quem eu achava que estava enganando? Eu não tinha paciência para ficar tanto tempo estudando – balancei a cabeça em resignação. – Tinha nascido com apenas a metade da equação: era esperto como um chicote e tinha o dom da palavra, mas não tinha paciência. Eu queria ficar rico rapidamente, queria tudo na hora. Essa foi minha ruína. E depois de ganhar tanto dinheiro na praia durante todas aquelas férias de verão, estava com gosto de sangue na boca. Eu era como um acidente esperando para acontecer. Como um carro de corrida de alto desempenho zunindo pela estrada a 200 quilômetros por hora: ou eu ganhava a corrida ou queimava como o ônibus espacial. Aquilo poderia acontecer de um jeito ou de outro.
Apertei os lábios e balancei a cabeça gravemente.
– Bem, infelizmente, meus instintos tinham acertado bem no alvo. Assim que os aplausos terminaram, o reitor levou o microfone à boca e disse: “Eu quero que todos vocês ouçam um pequeno segredo: a idade de ouro da odontologia já terminou”. Ele assentiu com a cabeça uma única vez. “Se você está aqui simplesmente porque quer ganhar um monte de dinheiro, está no lugar errado. Então, siga meu conselho, saia agora e nunca mais volte. Há maneiras melhores no mundo para ficar rico; evite essa dor de cabeça”. Então, ele disse algumas coisas mais, que entraram e saíram por meus ouvidos, porque eu estava muito ocupado procurando uma saída de incêndio. Então, ele enfiou a faca mais profundamente. “Lembre-se, seu objetivo é praticar a odontologia preventiva. Então, se você praticar sua profissão direito, verá seus pacientes cada vez menos.” E começou a assentir com a cabeça várias vezes, como se tivesse acabado de soltar uma grande pérola de sabedoria. O reitor começou a falar de novo, embora eu não estivesse mais ouvindo. Na verdade, o que eu fazia era pedir passagem nesse momento. “Com licença, desculpe, licença…”, enquanto caminhava para fora do auditório, bem no meio do discurso. Lembro-me de receber alguns olhares curiosos no meio do caminho e também me lembro de não dar a mínima para eles – fiz uma pausa na minha história para causar mais efeito. – Foi assim que desisti da faculdade de odontologia em meu primeiro dia, e foi tudo culpa do reitor. A única questão era como dar a notícia à minha mãe.