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– Isso é terrível – exclamou a Bruxa. – Ela deve ter ficado arrasada!

A Bruxa comprimiu os lábios finos e me encarou ameaçadoramente.

Ora, ora, ora, pensei. A Bruxa sentia pena de minha mãe, afinal! Aparentemente, a bondade da minha mãe era irresistível.

Eu disse:

– Sim, Michele, minha mãe teria ficado muito chateada se eu tivesse contado a ela, o que, é claro, não fiz – e dei de ombros, como o bom filho que era. – Eu a amava demais para ser honesto com ela. Além disso, ela era minha mãe, e eu estava mentindo para ela desde que tinha cinco anos – olhei para a Bruxa com um sorriso travesso. – Então, por que diria a verdade a ela naquele momento, certo, Michele?

A Bruxa respondeu sem palavras, apenas com dois espasmos de seu nariz.

Caramba! Balancei a cabeça rapidamente, tentando me livrar de seu feitiço.

– De qualquer forma – disse eu, com certo tremor em meu tom de voz –, contei a ela que a faculdade de odontologia estava ótima e, então, me escondi em Maryland por quatro meses, onde me exercitava o dia todo e ficava tomando sol. Baltimore é um lugar muito bonito nessa época do ano, de forma que o tempo passou rapidamente. Como ainda sobrava dinheiro de meus sorvetes na praia, vivi bastante bem nesse tempo. No final, fiz um leilão de meus equipamentos de dentista para suplementar as coisas. Todas as brocas, cinzéis, almofadas de gaze, eles nos fizeram comprar toda essa merda antes de começarmos as aulas, então eu estava com toda essa tralha.

Coçando a cabeça, o TOC perguntou:

– Você realmente fez um leilão de seus equipamentos odontológicos? Sério?

Eu balancei a cabeça, concordando.

– Pode apostar que sim! Na verdade, espalhei cartazes por todo o campus e consegui até um bom público – sorri, orgulhoso. – Veja, Greg, eu já estava bem consciente da importância da oferta e da demanda então. Eu sabia que, se quisesse ter um leilão bem-sucedido, precisaria ter muitos interessados. Então, fiz propaganda – dei de ombros, agora de forma capitalista. – Você devia ter visto o leilão, foi mesmo de arrebentar. Ele aconteceu no laboratório, em meio a bicos de Bunsen e pipetas, e uns 50 ou 60 alunos compareceram, a maioria usando avental branco. Eu usava uma daquelas viseiras de plástico azuis, parecia um agente de apostas. De início, eles ficaram um pouco tímidos, então usei um pouco de teatralidade. Comecei falando bem depressa, como um leiloeiro de verdade faria, e em seguida as coisas começaram a rolar. “O.k., o.k.”, eu disse rapidamente, “tenho aqui uma máquina realmente rápida, de alta velocidade, fabricada pelos nossos bons amigos lá da Star Dental Labs. Ela é de aço inoxidável, resfria sozinha e gira em 20 mil rpm. Ela vem na caixa, com garantia vitalícia. Basta olhar para ela, é de fato uma beleza!” E levantei a broca para inspeção pública. “Ela é uma necessidade absoluta”, disse. “Um item obrigatório para qualquer dentista que leve a sério um tratamento dentário de primeira a seus pacientes. Nova em folha, ela lhe custaria 950 dólares. Será que eu teria uma oferta inicial de 200 dólares? Tenho 200? Estou esperando 200 dólares!”

E continuei:

– Então, um garoto com cabelo vermelho e óculos de aro de tartaruga levantou a mão e disse: “Eu vou levá-la por 200!”, ao que eu disse, “Excelente! Temos uma oferta inicial de 200 dólares de um rapaz muito esperto de avental branco e óculos de aro de tartaruga. Eu teria uma oferta de 250? Alguém tem 250? Caramba! Vamos, pessoal, é uma pechincha! Lembrem-se, essa broca tem autorrefrigeração e lança jatos de água para evitar o acúmulo de calor. É a mais avançada que existe…” Aí uma garota asiática de pele impecável e corpo parecendo um hidrante ergueu a mão e disse com uma voz ansiosa: “Eu pago os 250!”, e eu respondi: “Ahhh, temos um lance de 250 daquela linda mocinha de branco, que sabe muito bem aproveitar uma pechincha! Parabéns, senhorita!”. E fui seguindo desse jeito até que toda a sala estivesse em transe.

Fiz uma pausa para retomar o fôlego de minha narrativa. E então, cheio de orgulho, continuei:

– Arrecadei mais de 3 mil dólares naquele dia. Foi o primeiro dia em toda minha vida em que me senti como um vendedor de verdade. Eu era bom naquilo. Meu rap de leiloeiro saía fácil da minha boca, como se não houvesse amanhã – sorri com a lembrança. – Perto do fim do leilão, o reitor entrou na sala, veio andando até mim e ficou ali, olhando. Depois de um minuto, ele balançou a cabeça e caminhou para longe, muito aturdido para comentar qualquer coisa. Tenho certeza de que foi o primeiro leilão feito nas dependências da faculdade de cirurgia dentária de Baltimore e também estou certo de que foi o último. E foi um grande sucesso, devo acrescentar.

Naquela altura da narrativa, todo mundo na sala estava rindo, até mesmo a Bruxa e o Canalha. Era um bom sinal, pensei, então decidi saltar direto para a insanidade do negócio de carne e frutos do mar em que me meti.

– O que eu esqueci de mencionar, porém, foi o que me inspirou a realizar o leilão naquele dia.

– Você disse que estava ficando sem fundos para se manter em Baltimore – disse o TOC.

Dei de ombros sem me comprometer.

– Isso teve a ver com a história, sim, mas não era o que realmente estava me motivando. O que aconteceu foi que, alguns dias antes, eu tinha recebido um telefonema de Elliot, o Pinguim. Eu estava em casa, no momento em que ele ligou, deitado na cama e olhando para o teto, perguntando o que diabos eu ia fazer com o resto da minha vida. Na época eu morava em um pequeno apartamento nos arredores de Baltimore e tinha duas peças de mobiliário: a cama e um sofá cujo tecido de revestimento estava meio apodrecido. O Pinguim tinha ido morar no Queens e, quando ele me telefonou, estava muito agitado, quase sem fôlego. Ele disse: “Acabo de descobrir um meio de ganhar dinheiro na praia durante o ano inteiro. Estou trabalhando como vendedor de uma empresa que distribui carne e frutos do mar e faturo 250 por dia, em dinheiro. Eles até me deram um veículo da empresa”. Acho que foi a última parte da frase que mais me chocou. “Sério?”, respondi, “eles lhe deram um carro? Nossa, mas isso é incrível.” E o Pinguim respondeu: “Pois é, posso lhe arranjar um emprego lá, se você quiser”.

Fiquei pensando naquela época e nas palavras do Pinguim.

– Refletindo sobre isso, eu deveria ter percebido que alguma coisa não estava muito correta. Lembrem-se, Elliot não chegou a me dizer que eles tinham dado um carro da empresa, ele disse “veículo da empresa”, o que é uma forma bastante esquisita de mencionar esse benefício, não acham? O que quero dizer é que, se você for trabalhar na IBM e receber um carro da empresa, você não vai se referir a ele como “veículo”, vai dizer “A IBM me deu um carro da empresa”, oras! Ainda assim, o pensamento de ganhar dinheiro na praia durante todo o ano era tão atraente que eu decidi não me angustiar com esse tipo de coisa. Antes de desligar, ainda perguntei a Elliot: “Tem certeza de que eles vão me contratar, Elliot? Eu não tenho uma experiência real em vendas!”.