Respirei fundo e disse, em tom de brincadeira:
–Vamos, Duquesa, estou muito chateado agora e preciso de um pouquinho de compaixão. Por favor?
Então ela virou os olhos para mim. Seus olhos azuis brilharam sobre as maçãs salientes de seu rosto.
– Não me chame mais assim, porra! – rosnou e, então, virou a cabeça de novo para olhar pela janela do carro, retomando sua pose de escultura de gelo.
– Caralho! – murmurei. – Mas que diabos deu em você?
Ainda olhando pela janela, ela disse:
– Não posso mais ficar com você. Não estou mais apaixonada por você – e, então, enfiando a faca mais fundo, completou –, e isso já faz muito tempo.
Mas que palavras desprezíveis! Que audácia daquela vaca! No entanto, por alguma razão que não compreendia, essas palavras me faziam querê-la ainda mais.
– Você está sendo ridícula, Nae. Tudo vai ficar bem – minha garganta estava tão seca que eu mal conseguia pronunciar as palavras. – Nós temos dinheiro mais que suficiente, então você pode relaxar. Por favor, não faça isso agora.
Ainda olhando para fora, ela disse:
– É tarde demais.
Enquanto a limusine se dirigia para a Expressway Brooklyn-Queens, um misto de medo, amor, desespero e traição tomou conta de mim de uma só vez. Eu estava com uma sensação de perda que nunca havia experimentado antes. Sentia-me completamente vazio, totalmente oco. Não conseguia ficar apenas sentado lá, em frente a ela, daquele jeito; aquilo era uma absoluta tortura! Eu precisava beijá-la ou fazer amor com ela ou estrangulá-la até a morte. Era hora da estratégia número dois: a hora de arrastá-la para a pancadaria.
Com uma boa dose de veneno, disse:
– Então tudo bem, deixe-me entender essa porra direito, Nadine. Quer dizer que agora você quer o divórcio? Agora que estou sob uma merda de acusação? Agora que estou em prisão domiciliar? – Puxei a barra de minha calça, expondo um aparelho de monitoramento eletrônico que estava presa a meu tornozelo esquerdo. Parecia um bipe. – Que porra de pessoa é você, Nadine? Diga-me, o que é? Você está tentando estabelecer um recorde mundial de falta de compaixão?
Ela me lançou um olhar inexpressivo.
– Eu sou uma boa mulher, Jordan, todo mundo sabe disso. Mas você me maltratou durante anos. Já estou farta desse casamento há muito tempo, desde que você me chutou escada abaixo. Minha decisão não tem nada a ver com o fato de você ir para a cadeia.
Mas que monte de merda! Sim, eu tinha levantado a mão contra ela uma vez, naquela terrível briga na escada, um ano e meio antes, num terrível momento, um dia antes de eu ficar limpo… E se ela tivesse me deixado naquela época, teria sido justificável. Mas ela não me deixou, e eu fiquei limpo. Só agora, quando a ruína financeira estava pairando sobre mim, ela queria sair. Inacreditável!
Agora estávamos na Expressway Brooklyn-Queens, nos aproximando dos limites entre o Brooklyn e o Queens. À esquerda estava a reluzente ilha de Manhattan, onde 7 milhões de pessoas iriam dançar e cantar durante o final de semana, despreocupadas com minha situação. Achei isso uma coisa totalmente deprimente. Logo à minha esquerda, via a axila malcheirosa de Williamsburg, uma faixa plana de terra atulhada de armazéns dilapidados e blocos de apartamentos precários, onde as pessoas falavam polonês. Agora, por que todos aqueles poloneses se estabeleceram lá, eu não tinha a mínima ideia.
Ahhhh, uma inspiração! Decidi mudar de assunto, para os filhos. Isso, afinal, era um elo comum que compartilhávamos.
– E as crianças, estão bem? – perguntei baixinho.
– Sim, elas estão bem – respondeu ela, em um tom bastante alegre. E depois: – Elas ficarão bem, não importa o que aconteça – e olhou pela janela novamente.
A mensagem implícita era: “Mesmo que você fique na cadeia por cem anos, Chandler e Carter sempre estarão bem, porque mamãe vai encontrar um novo marido mais rápido do que você consegue falar Papaizinho querido!”.
Respirei fundo mais uma vez e resolvi não falar mais nada, pois não havia como convencê-la naquele momento. Se eu pelo menos tivesse ficado com minha primeira mulher! Será que Denise estaria dizendo agora que não me amava mais? Fodam-se essas segundas esposas. Elas são uma verdadeira bagunça, especialmente aquelas da categoria troféu. Na alegria e na tristeza? Ah, claro! Elas só falam isso por causa do vídeo do casamento… Na verdade, elas estão lá apenas por causa das alegrias…
Essa era a recompensa por ter trocado minha primeira esposa, Denise, por aquela vigarista loira que estava sentada a minha frente. A Duquesa tinha sido minha amante uma vez, um flerte inocente que cresceu de forma descontrolada. Antes que eu me desse conta, nós dois estávamos loucamente apaixonados e não conseguíamos mais viver um sem o outro, não conseguíamos nem mais respirar um sem o outro. Claro, eu tinha racionalizado minhas ações naquela altura dos acontecimentos, dizendo a mim mesmo que Wall Street era um lugar muito difícil para as primeiras esposas, por isso não era realmente minha culpa. Afinal de contas, quando um homem se torna um verdadeiro e influente corretor da Bolsa, essas são coisas que se espera que aconteçam.
Essas coisas, no entanto, têm resultados positivos e negativos, porque se o Mestre do Universo despenca rapidamente do ponto de vista financeiro, então a segunda esposa rapidamente passa para pastagens mais férteis. Em essência, aquela garimpeira, ciente de que a mina de ouro tinha deixado de produzir o precioso minério, iria passar para outra mina mais produtiva, onde ela poderia continuar imperturbavelmente a extrair o minério. Aquela era, de fato, uma das mais cruéis equações da vida, e agora eu estava na mais distante extremidade dela.
Com o coração apertado, voltei meu olhar para a Duquesa. Ela ainda olhava pela janela do carro, uma escultura de gelo bela e malévola. Naquele instante, senti variadas emoções em relação a ela, mas principalmente tristeza – tristeza por nós dois, e uma tristeza ainda maior por nossos filhos. Até agora, eles tinham vivido uma vida encantada em Old Brookville, seguros com a noção de que as coisas eram como deveriam ser e que sempre ficariam daquele jeito. Isso era triste, pensei, era triste pra caralho.
Passamos em silêncio o restante da viagem na limusine.
CAPÍTULO 2
AS VÍTIMAS INOCENTES
13 de dezembro de 1993
O lugarejo de Old Brookville fica na esfuziante “Costa Dourada” de Long Island, uma região tão magnífica que até bem pouco tempo tinha estado estritamente fora de alcance para os judeus. Não literalmente, é claro, mas, para todos os efeitos práticos, nós, judeus, ainda éramos considerados cidadãos de segunda classe, um bando de vendedores ambulantes escorregadios que tinham conseguido se destacar no meio da multidão e precisavam ser vigiados e controlados para que não invadissem a área dos cidadãos de primeira classe, ou seja, os WASPs*.
Na verdade, esses não eram os velhos WASPs comuns, mas uma pequena subespécie de WASP, conhecida como “os de sangue azul”. Contados apenas aos milhares, os de sangue azul, altos e esguios e usando roupas extravagantes, tinham entre seus hábitats naturais clubes de golfe de primeira linha, mansões, chalés exclusivos para caça e pesca e sociedades secretas. A maioria deles tinha linhagem britânica e demonstrava grande orgulho em traçar sua genealogia até os tempos do Mayflower**. No entanto, em termos evolutivos, eles não eram muito diferentes dos enormes dinossauros que vagaram pela mesma Costa Dourada 65 milhões de anos antes deles: estavam à beira da extinção, vítimas do aumento de impostos, dos impostos sobre as propriedades e de uma diluição constante do gene intelectual por conta da endogamia praticada por gerações, que rendera filhos e filhas idiotas que provocaram uma tremenda dilapidação financeira nas grandes fortunas que seus ancestrais de sangue azul demoraram gerações para construir (a magia de Charles Darwin fazendo hora extra…).