Parei por um momento, depois continuei.
– Não tenho como estimar quanto fiquei perplexo com minha própria capacidade de falar assim. Foi uma coisa que saiu completamente sem esforço e que me deu uma gratificação instantânea. Eu podia ver nos olhos de cada vendedor. Eles adoraram meu discurso, eles me amavam. E, quanto mais eu falava, mais eles me amavam. Com o tempo, descobri que essas reuniões eram uma atividade que preenchia um buraco dentro de mim. Era simplesmente o sentimento mais incrível que tive, você não pode nem imaginar – sorri tristemente diante daquela lembrança. – Mas, é claro, como tudo o mais, eu me tornei insensível a ela. E com o passar do tempo, lá na Stratton, quando eu estava dando palestras para um campo de futebol cheio de corretores, eu já não sentia esse mesmo influxo. Daí o buraco começou a ficar maior…
Fiz uma nova pausa, deixando que as implicações dessa frase envolvessem os ouvintes. Então, disse:
– Foi por isso que saí em busca de outras coisas, como as drogas, o sexo e a vida no limite. No início dos anos 1990, a fofoca em Wall Street era de que eu tinha uma atração pela morte. Mas eu nunca pensei dessa forma: eu só achava que estava vivendo a vida da forma como ela se apresentava para mim, colocando um pé na frente do outro e andando por um caminho predeterminado. Mas o caminho acabou se tornando a trilha de minha própria destruição, e fui derrubado por minhas próprias ações.
Nenhuma resposta. A sala de interrogatório estava silenciosa agora. De fato, dava para ouvir um alfinete caindo. E então continuei com minha história:
– Eu me lembro do rosto dos vendedores como se fosse ontem. Mas o rosto que fica mais nítido em minha lembrança é o de Elliot. Ele parecia totalmente hipnotizado. Parecia que ia sair correndo do armazém naquele exato instante e esmurrar a primeira porta que encontrasse. Foi desse modo que aquele encontro o afetou, e foi quando afetou nosso relacionamento. Porque antes disso nós nos considerávamos iguais, mas depois da reunião ambos ficamos com a certeza silenciosa de que, a partir de então, eu seria o único a dar as cartas. Foi mais ou menos duas semanas depois, eu me aproximei dele para falar da ideia de abrir nossa própria empresa de carnes e frutos do mar. “Por que a gente tem que pagar a eles 20 dólares a caixa”, eu disse, “se a gente pode ir ao mercado de carnes por nossa conta?”. Mas a lavagem cerebral que tinha sido feita no Pinguim fora tão arraigada que ele retrucou: “Mas e quanto à comida? Onde a gente vai encontrar uma comida tão boa quanto a deles?”.
Ri sozinho com essa lembrança.
– Dá para imaginar uma coisa dessas? Quer dizer, o cara tinha sofrido uma lavagem cerebral tão profunda que ele realmente estava convencido de que a comida vendida pela Great American era tão boa que ele não poderia bater à porta da casa das pessoas sem ela. Era quase risível. Tudo bem, a comida era boa, mas era só boa, não era ótima! Os filés não eram de primeira e o peixe era congelado, não era peixe fresco. Por isso, fui obrigado a desprogramar o Pinguim, retirando-o daquela seita. De certa forma, foi fácil fazer isso. “Mas que porra há de errado com você, Pinguim? Aquela comida é apenas razoável, pelo amor de Deus! Portanto, vê se toma jeito, caralho!” Então eu sorri calorosamente e disse: “Olha, nós vamos encontrar filés ainda melhores que os deles e vamos arrumar peixes mais frescos. E então vamos contratar vendedores nossos, que irão de porta em porta para nós, e ficaremos ricos!”. Foi assim que Elliot e eu entramos no negócio de carnes e frutos do mar. Nós tínhamos o plano perfeito: era quase verão, por isso a gente ia vender sorvetes durante o dia e amarrar todas as pontas soltas de nosso empreendimento à noite. Com o dinheiro da praia, nós iríamos financiar nossa empresa. Nós até trouxemos outro vendedor da praia para fazer parceria conosco, nosso amigo Paul Burton.
Fiz um gesto para minha lista de novo, e continuei, casualmente:
– Ele está aí também. Paul estava vivendo com sua mãe naquela época, em uma grande casa em Douglaston, no Queens, e, por coincidência, a casa tinha um quintal grande, perfeita para uma empresa de carnes e frutos do mar. Pelo menos, era o que achávamos. Mas, apesar de Douglaston ser um bairro muito chique, a casa de Paul era uma bosta. A mãe dele tinha conseguido a casa num divórcio, coisa de 20 anos antes, e não tinha gastado um centavo nela desde então. Era quase como uma casa assombrada, e o quintal não era nem um pouco melhor. Tinha uma garagem independente rodeada apenas por lixo e sujeira, com 2 mil metros quadrados de extensão – sorri nostalgicamente. – Ainda assim, era absolutamente perfeito para nós. Éramos empresários novatos, e começar em uma garagem parecia uma coisa muito romântica. Quer dizer, é assim que Steve Jobs e Michael Dell começaram. Ou talvez tenham começado em seus quartos… Bem, seja como for, foi assim que o Pinguim e eu financiamos a nós mesmos, os Bilionários do Amanhã! Na verdade, nós até fomos ver um contador para ter certeza de que não deixaríamos passar nada!
Dei de ombros inocentemente e continuei:
– E foi aí que os problemas começaram. Ele tinha sido recomendado pelo pai de Elliot, que é um judeu hassídico. O contador também era judeu hassídico e aparentemente tinha tanta experiência com a indústria de carnes e frutos do mar quanto tinha em comer costeletas de porco. Depois que nós explicamos nosso plano de negócios a ele, o homem sorriu e disse: “Bem, parece que vocês dois estão a caminho de fazer uma fortuna juntos. Mazel tov!”. E então acrescentou: “Vocês dois serão dois jovens muito ricos em breve. Muito, muito ricos”. Bem, o que mais havia a dizer sobre isso? Elliot e eu tomamos as palavras dele como quem necessita desesperadamente de deduções de imposto. Então, fomos direto do escritório do contador para o restaurante Palm, onde gastamos 450 dólares em lagosta e champanhe. Depois, alugamos dois carros esportivos: eu aluguei um Porsche e o Pinguim alugou um Lincoln Continental – revirei os olhos ao lembrar a escolha de automóvel do Pinguim. – Compramos um celular para cada um, apesar do fato de que, naquela época, celulares eram tão ridiculamente caros que apenas o CEO de uma empresa listada nas 500 maiores da revista Fortune ousaria ter um. De qualquer maneira, tudo aquilo fazia sentido para nós: éramos empresários, afinal, de forma que, na nossa maneira de pensar, tínhamos direito a algumas coisas. Com todo o dinheiro que estávamos economizando por dar o pontapé inicial da empresa no quintal da casa de Paul, ganhamos o direito de nos presentear com alguns luxos básicos. Então veio o dia da inauguração, 26 de setembro de 1985. Parecia um dia tão bom quanto qualquer outro para abrir uma empresa de carnes e frutos do mar, mas a Mãe Natureza discordava. Pelo menos foi isso que pensei quando o furacão Gloria colidiu com Long Island e o olho do furacão passou direto sobre o quintal da casa de Paul. Na verdade, ele encheu o quintal com quase 1 metro de água, porque ali era a base para onde convergiam quatro colinas. E assim nossa pequena empresa se tornou uma gigantesca poça de lama do caralho – balancei a cabeça espantado. – Nós estávamos fora do negócio antes mesmo de começar.
– Você nunca abriu a empresa? – perguntou o Canalha, ceticamente. – Mas no artigo da Forbes…
A Bruxa o cortou.
– De acordo com a Forbes, você ficou nesse negócio por algum tempo – ela inclinou a cabeça para o lado e olhou para mim de maneira acusadora.
TOC balançou a cabeça.
– Eu não acho que ele quis dizer literalmente, Michele.
– Greg está certo – respondi, tentando não fazer da Bruxa uma inimiga. – E, fazendo um aparte, devo confessar que dar essa entrevista para a Forbes foi um dos maiores erros que cometi na minha vida adulta. Eu estava com apenas 28 anos e era um bocado ingênuo então… – dei de ombros. – De qualquer forma, pensei que ia ter a chance de contar meu lado da história, colocar todos os pingos nos Is. A Stratton só tinha começado a operar dois anos antes, de forma que ninguém tinha ouvido falar de nós. Mas a mulher que me entrevistou atirou uma machadinha em minhas costas, cunhando-me como uma versão distorcida de Robin Hood, que rouba dos ricos e dá a si mesmo e a seu alegre bando de corretores – fiz uma careta com essa recordação. – Aquele artigo foi um pesadelo. Um pesadelo do caralho…