Decidi manter esses pensamentos para mim mesmo e disse:
– Ele foi indicado por um de meus amigos da faculdade, um cara chamado Jeff Honigman. Ele e Kenny eram primos de primeiro grau – fiz um gesto para minha lista de vilões, ladrões e vigaristas. – Jeff está aí em algum lugar, também, embora a maioria de suas trapaças tenha ocorrido depois que ele saiu da Stratton, quando trabalhava para Victor Wang, na Duke Valores Mobiliários – uma vez mais, apontei para a lista. – Victor está aí também, em algum lugar bem perto do topo da lista, logo acima do nome de Kenny – disse, e me perguntei se aquela gente tinha alguma ideia do maníaco depravado que era esse Victor Wang. – Para falar a verdade, Victor trabalhou para mim no negócio de carnes e frutos do mar também, embora apenas por cerca de uma hora. Ele era muito orgulhoso e muito preguiçoso para realmente levar um caminhão para a rua e ir de porta em porta. Ele só apareceu para ouvir uma de minhas reuniões de vendas. E, claro, ainda me lembro da primeira vez que eu coloquei os olhos em Victor – comecei a rir com a lembrança.
O Mórmon entrou na conversa:
– Como você poderia se esquecer, certo?
Balancei a cabeça, concordando.
– Certo, como alguém poderia se esquecer? Ele é basicamente o maior chinês que já caminhou sobre o planeta. Tem um peitoral que é do tamanho da Grande Muralha, fendas no lugar dos olhos, a testa marrom como se fosse uma rocha e uma cabeça maior que a de um panda gigante – fiz uma pausa para tomar fôlego. – Quer dizer, não sei se algum de vocês já viu Victor, mas ele é a cara do Oddjob, do filme Goldfinger, de James Bond. Alguém se lembra do Oddjob? Ele é o cara que mata as pessoas atirando o chapéu nelas…
– Qual é o objetivo disso? – perguntou o Canalha, balançando a cabeça.
Eu dei de ombros.
– Nenhum, na verdade, a não ser deixar claro que Kenny e Victor eram amigos de infância, que lidavam com drogas juntos na escola e, posso acrescentar, com a ajuda da mãe de Kenny, Gladys. Mas eu me recuso a dar qualquer informação sobre Gladys. Ela poderia tentar chutar minha bunda – sorri tristemente. – Na verdade, a última vez que alguém se envolveu em problemas com Gladys estava em uma pista de boliche. Acho que ela acabou jogando o cara para fazer um strike. Ou talvez tenha sido em um supermercado, onde ela nocauteou uma mulher na fila do caixa. Seja como for, se algum de vocês já viu Gladys, nada disso que contei seria surpresa – balancei a cabeça três vezes, para dar ênfase. – Não há um pingo de gordura no corpo dela e sua barriga poderia parar uma bala de mosquetão disparada a mais de 20 passos de distância. Conhecem o tipo? – ergui as sobrancelhas.
Nada além de expressões vazias, pontuadas pelo silêncio. Então, continuei:
– Bem, Gladys está nessa lista também, embora eu suponha que não estejam interessados nela, certo? – disse, e cruzei os dedos.
– Certo – o Canalha falou sem qualquer emoção. – Nós não estamos interessados nela. Por que você não volta para o negócio da carne?
Balancei a cabeça, aliviado.
– Tudo bem, mas só para você saber, todo esse triângulo Kenny-Gladys-Victor leva de volta à sua pergunta inicial, sobre de onde veio a primeira leva de strattonitas. Kenny e Victor cresceram em Jericho. Kenny era traficante de maconha e Victor era traficante de cocaína, e Gladys os financiava – fiz uma pausa e acrescentei: – Mas seus motivos eram puros, é claro. Quer dizer, ela estava apenas tentando manter a família depois que o pai de Kenny morreu de câncer. Foi tudo muito triste – encolhi os ombros, esperando que Gladys pudesse ouvir de alguma forma aquilo que eu estava dizendo e não quisesse me bater quando nossos caminhos se cruzassem de novo. – Seja como for, na primeira leva de strattonitas, cerca de metade deles veio de Jericho e Syosset, que são cidades-irmãs, e praticamente todos tinham sido clientes de Kenny e Victor. Foi dessa forma que a Stratton pôde crescer tão rapidamente; mesmo antes de ganharmos a reputação de ser um lugar onde a molecada podia ficar rica depressa, eu tinha dúzias deles fazendo fila na minha porta. E então eles se mudaram para Bayside para participar da seita.
Fiz uma pausa e continuei:
– Mas deixe-me ordenar as ideias. Kenny trabalhou em nossa empresa de carnes e frutos do mar por apenas um dia, até que bateu uma de minhas picapes e nunca mais me telefonou, pelo menos não até que eu tivesse saído do negócio. E Victor, como eu já contei, nunca trabalhou lá; ele apenas apareceu um dia para ouvir uma de minhas palestras e depois nunca mais voltou. Enquanto isso, meu negócio estava à beira de implodir – balancei a cabeça lentamente, me preparando para reviver aquela lembrança tão temida. – Você só consegue brincar com esse negócio de fluxo de caixa até o momento em que ele se volta contra você. No nosso caso, a reversão começou em janeiro de 1987. Foi um inverno feroz, e as vendas despencaram. E o fluxo de caixa, é óbvio, mergulhou atrás delas. Dei reuniões atrás de reuniões, palestras atrás de palestras, desesperadamente tentando motivar os vendedores para sair a campo e vender, mas não adiantou. Era um inverno muito frio, e as vendas chegaram a zerar. E, pela própria natureza do jogo de fluxo de caixa, é num momento como esse que o bumerangue vem voando de volta com tudo. Lembre-se, Joel, é o ABC da administração. Quando você aumenta seu crédito, as contas de hoje são de coisas que você vendeu 30 dias antes ou, em nosso caso, 60 dias antes, porque já estávamos atrasados 30 dias em nossas contas – fiz uma pausa para me corrigir. – Na verdade, estávamos 90 dias atrasados com a maioria de nossas contas e já não fazíamos negócios com essas empresas; eles já haviam nos cortado, de modo que fomos forçados a nos mudar para pastagens mais férteis, ou, em outras palavras, para novos fornecedores que ainda não tinham ouvido falar que éramos maus pagadores.
Fiz uma breve pausa.
– Mas essa parte do jogo já estava terminada. Todo mundo no mercado já sabia que éramos um grande risco de crédito e que ninguém deveria nos entregar mercadorias se não pagássemos em dinheiro e no ato. Enquanto isso, Elliot e eu ainda estávamos tentando manter as coisas à tona. Tínhamos esgotado nossos cartões de crédito e a cada dia afundávamos mais e mais em dívidas. Nós não tínhamos pagado o aluguel de nossas picapes, nossas contas de telefone celular nem o leasing de nossos carros. Nosso novo locador, um canalha sírio, tinha uma ordem de despejo contra nós e nos fazia pagar o aluguel em dobro até que a gente fosse embora – balancei a cabeça lentamente, ainda espantado com a profundidade do buraco financeiro que tínhamos cavado para nós mesmos… – Foi por volta dessa época, no inverno de 1987, que comecei a ouvir rumores sobre um garoto do bairro, chamado Michael Falk. Ele conseguira um emprego em Wall Street logo que saíra da faculdade, mais ou menos na mesma época em que eu estava começando a faculdade de odontologia, e supostamente estava ganhando mais de 1 milhão de dólares por ano.
Fiz uma pausa para conseguir mais efeito.
– No começo, eu não quis acreditar. Quando crescemos juntos, Michael Falk não era dos caras mais espertos. Na verdade, ele era o mané do bairro, aquele sujeito com quem todo mundo zoa porque não toma banho, essas coisas. Ele também não era um sujeito rápido, brilhante ou falante. Quer dizer, era apenas um cara mediano, uma pessoa comum, nada mais. Por isso concluí que tudo aquilo que falavam dele era besteira, que não podia existir nenhuma maneira de que Falk estivesse ganhando todo esse dinheiro. Um dia, por pura coincidência, ele estacionou em frente ao meu prédio, dirigindo uma Ferrari conversível. Felizmente, ele foi condescendente comigo, explicando que todos os rumores eram verdadeiros. Falando do assunto com naturalidade, ele explicou que estava a caminho de faturar mais de 1,5 milhão de dólares naquele ano e que no ano anterior ganhara quase 1 milhão. Nós conversamos por mais alguns minutos, durante os quais menti o tempo todo, ao explicar como estávamos indo bem no negócio de carnes e frutos do mar, apontando para meu pequeno Porsche vermelho como prova desse fato. Ele deu de ombros e mencionou algo sobre o fretamento de um iate de 100 pés para ir às Bahamas com um monte de modelos loiras, uma das quais, ironicamente, se tornaria minha segunda esposa um dia. E então ele foi embora, suavemente, imaculadamente, expelindo uma nuvem de fumaça do caro escapamento italiano bem na minha cara, que naquele instante era uma mistura de admiração e espanto.