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– Porque os mortos não contam histórias, meu jovem amigo, nem tias mortas!

Ao contar toda essa sordidez aos meus captores, tinha destacado bem o fato de que o Chef e eu não estávamos sozinhos nessa viagem; tínhamos trazido companhia, sob a forma de Danny Porush, meu antigo parceiro no crime, e Andy Greene, meu leal advogado de confiança, que era mais conhecido como Cabana.

Eu tinha admitido livremente que Danny tinha sido meu parceiro naquilo tudo.

– Ele é tão culpado quanto eu – declarei ao Canalha, e depois jurei para ele que Cabana e o Chef não tinham tomado parte no esquema. Eles foram apenas pelo passeio na Tchecoslováquia, eu disse, que era nossa parada seguinte na viagem. Nenhum deles sabia que Danny e eu já tínhamos contrabandeado dinheiro para a Suíça; eles pensavam que nossa visita era apenas para verificar as coisas como futura referência.

Neste ponto, tanto TOC quanto o Canalha pareciam estar comprando toda a história, então mergulhei na etapa seguinte de nossa excursão, a Tchecoslováquia, explicando como nosso empreendimento havia considerado uma tentativa fracassada de dominar o mercado de vouchers tchecos, que o novo governo emitira recentemente aos cidadãos como meio de privatização da economia. No entanto, não consegui me abrir completamente com meus captores. Afinal, o que acabou acontecendo na Tchecoslováquia era algo tão completamente decadente que eles nunca teriam compreendido. Então, em vez disso, eu lhes passei uma versão mais tranquila, mais diluída dos acontecimentos, para que eles não me vissem como um completo desajustado social, que não era digno de receber uma carta da Promotoria. Somente então, duas horas mais tarde, eu pude saborear plenamente a loucura que tinha definido aquele trecho da viagem.

Tudo começou dentro do jato particular, que era um Gulfstream III. Como todos os Gulfstreams, este tinha uma cabine espaçosa revestida em suaves tons de bege. Os assentos eram tão grandes como tronos, e os motores gêmeos Rolls-Royce tinham sido equipados com o mais recente kit de sonorização, o que tornava a viagem muito silenciosa, de forma que tudo o que se podia ouvir era o zumbido suave dos ventiladores quando o vento passava pela fuselagem a 55 nós.

Era início da noite, e nós estávamos bem no alto, voando acima do sul da Polônia, embora eu mesmo estivesse bem mais alto que isso. Mas não tão alto quanto Danny, que estava sentado à minha frente e tinha perdido completamente o poder da fala. Ele estava na segunda metade da fase de babar, quer dizer, ele estava naquele momento num pico no qual não conseguia emitir as palavras sem que um rio de saliva escorresse pelo queixo.

– Ezz ua boa maoooaa! – exclamou, com um grosso jorro de saliva.

Nas duas últimas horas de voo, ele tinha consumido quatro Quaaludes, quase 1 litro de uísque Macallan single malt, 20 miligramas de Valium e 2 gramas de pó da Bolívia, que aspirara com auxílio de uma nota de 100 dólares enrolada como um canudo. Então, cerca de 10 segundos antes, ele tinha dado uma tragada numa espessa bagana de maconha do norte da Califórnia, o que me fez acreditar que ele tinha tentado dizer: “Essa é uma boa maconha!”.

Como sempre, eu achava incompreensível como Danny parecia um cara normal. Aquele cabelo curto e loiro, sua estatura média, dentes branquíssimos, ele exalava um cheiro maravilhosamente WASP, o tipo de cheiro que seria de se esperar de um homem que podia traçar sua genealogia até os porões do Mayflower*. Ele estava vestido informalmente naquela noite, com um par de calças de algodão bege e uma camisa polo de manga curta. Sobre seus pálidos olhos azuis, usava óculos de aro de tartaruga com aspecto bastante conservador, que o faziam parecer um cara mais refinado, mais WASP.

No entanto, apesar do jeitão waspiano, Danny Porush era um judeu de raça pura que podia traçar suas raízes até um kibutz pequeno perto de Tel Aviv. Só que, como tantos judeus antes dele, tentou ser confundido com um WASP de sangue azul, por isso aqueles óculos waspianos de lentes claras.

Ao mesmo tempo, o interior da cabine do avião parecia um armário voador de drogas apreendidas da Divisão de Narcóticos da polícia. Entre Danny e eu, sobre uma mesa desdobrável de mogno, uma bolsa Louis Vuitton transbordava com uma fabulosa mescla de perigosas drogas: 15 gramas de maconha, 60 Quaaludes farmacêuticos, algumas anfetaminas, um saco de papel cheio de cocaína, uma dezena de doses de Ecstasy, e depois o material seguro, que tinha vindo dos médicos: um frasco de Xanax, um frasco de morfina, alguns Valium, Restorils, Somas e Vicodin, e alguns Ambiens, Ativans e Klonopins, bem como metade de uma caixa de Heineken e uma garrafa quase no fim de Macallan, para engolir todas as coisas. Logo, logo, porém, todo aquele material não receitado iria embora, empurrado para dentro de nossos cus coletivamente ou enterrados bem fundo atrás de nossos sacos escrotais, enquanto negociávamos nossa passagem pela alfândega tcheca.

Meu advogado, Cabana, estava sentado à direita de Danny. Ele também estava vestido informalmente, embora, no seu caso, mantivesse sua expressão perpetuamente triste e aquela horrível peruca. Essa peruca tinha cor de lama, uma combinação pobre para sua pele pálida, e tinha a consistência de palha ressecada. Na verdade, a Cortina de Ferro já tinha caído havia quatro anos, mas ainda era uma aposta segura que sua horrível peruca iria atrair alguns olhares atentos dos tchecos.

Seja como for, Cabana também estava doidão, embora, como nosso advogado, tivesse se mantido em um padrão mais elevado. Ele entendeu que não podia aparecer babando até depois de terminar com os tchecos. Então, ele tinha exagerado na cocaína e pegado leve nos Ludes. Foi uma estratégia inspirada, que dava um efeito psicotrópico perfeito. Afinal, tomar um Quaalude era como beber três garrafas de álcool com o estômago vazio, enquanto cheirar cocaína era como consumir 8 mil xícaras de café por via intravenosa. O primeiro deixava você sonolento e desleixado, enquanto a segunda o deixava alto e paranoico. Uma vez que eram nossos negócios que estavam em questão, era mais eficaz você ficar alto e paranoico que sonolento e desleixado. Mas, infelizmente, Cabana tinha sem querer iniciado uma paranoia induzida pela coca.

– Caralho! – murmurou Cabana. – Essa cabine está cheirando a erva! Você não pode colocar essa merda de lado, Danny? Quer dizer… Nós vamos… Vamos… Nós vamos… – fala logo essa merda, Cabana – … acabar numa cadeia tcheca, pelo amor de Deus! – ele fez uma pausa, limpando as gotas de suor que se formaram em sua testa pálida e paranoica. Ele tinha até uma boa aparência, de uma forma masculina, por assim dizer. Tinha estatura média, com estrutura delgada, embora tivesse um pouco de barriga.

– Eu vou ser deportado – resmungava. – Eu sei disso, ahhhhh!

Era um gemido paranoico, por causa das drogas, e assim que ele terminou de gemer segurou a peruca nas mãos e balançou a cabeça em formato de ovo, em desespero.

O Chef estava sentado à minha esquerda, e ele era firme como uma rocha. Na verdade, ele nunca tinha tomado qualquer espécie de droga em toda a vida, sendo um daqueles raros homens que podiam se ver cercados de viciados recorrentes em drogas e ficar totalmente bem com isso. O Chef era um homem bonito e vistoso, como uma versão reduzida de Mr. Clean*. Ele era completamente careca, com uma testa proeminente, uma mandíbula bem quadrada, olhos castanhos penetrantes, nariz aquilino e um sorriso contagioso.