O Chef nascera e crescera em Nova Jersey, mas podia deixar seu sotaque forte na hora que quisesse e quando a situação assim o exigisse, como ele fazia agora:
– Qualé, qualé? – dizia ele para Cabana. – Cê tem que se recompor, Andy! Se tá preocupado com o cheiro, liga os ventiladores de cima, cara! A pressão tá muito baixa lá fora e isso vai limpar o mau cheiro num segundo!
De fato. O Chef estava absolutamente certo.
– Você deve ouvir o que o Chef diz – falei para Cabana. – Ele tem uma estranha capacidade de raciocínio nessas situações – estendi a mão esquerda e coloquei-a no ombro de Cabana, oferecendo-lhe um sorriso preocupado. – E, cá entre nós, eu recomendo fortemente que você tome um par de Xanax. Você precisa se equilibrar um pouco.
Ele olhou para mim.
– Você parece que foi atropelado por um trem – comentei. – Confie em mim, dois Xanax é exatamente o que o médico me receitou – virei-me para o Chef. – Não é verdade, Chef?
– De fato – o Chef concordou.
Cabana assentiu nervosamente.
– Acho que vou fazer isso – respondeu ele –, mas preciso fazer uma faxina em primeiro lugar.
Ele se levantou da cadeira e começou a caminhar pela cabine, abrindo as saídas de ar. Olhei para Danny, que ainda estava fumando um baseado.
– Apesar de nosso advogado ser um drogado – eu disse –, ele tem um argumento válido. Por que você não se livra disso apenas por segurança?
Danny ergueu aquele baseado de meia polegada e inclinou a cabeça para o lado, como se a inspecioná-lo. Ele virou os cantos de sua boca para baixo, encolheu os ombros e então atirou o cigarro para dentro de sua boca e o engoliu.
– Engolir um desses te deixa fodido! – gaguejou com orgulho.
Só então Cabana sentou-se, o queixo ainda fazendo uma versão latina de um viciado em coca.
– Tome – disse eu, pegando o frasco adequado da bolsa LV. Desenrosquei a tampa e derramei alguns comprimidos. – A dosagem correta é de dois azuis – fiz uma pausa, pensando por um momento, – embora a esta altitude não haja maneira de ter certeza. O corpo pode ser mais suscetível aqui no alto.
Dei de ombros.
Cabana assentiu nervosamente, ainda preso à fase da preocupação. Se eu o cutucasse com a história de como ele tinha perdido o cabelo enquanto ainda estava no colegial e depois de que fora pego trapaceando no vestibular, haveria uma chance maior que 50% de que ele correria loucamente até a saída de emergência e saltaria do avião. Mas tive pena dele e não disse nada.
Virei-me para o Chef e sorri respeitosamente.
– Voltando aos negócios – disse, em voz baixa –, não fiquei muito impressionado com as pessoas que conheci na Suíça, então não pretendo ir em frente com eles, não me pareceram muito confiáveis.
Dei de ombros novamente. Isso foi uma mentira, claro, e, por mais que odiasse mentir para o Chef, eu tinha minhas razões.
Nos Estados Unidos, um obcecado agente do FBI chamado Gregory Coleman estava desesperado atrás de mim, e eu precisava criar pistas falsas para ele seguir e, assim, desviar sua atenção para longe de minhas reais contas suíças. Eu teria o Chef me ajudando com esse fim, ou seja, abrir uma conta na Suíça em que eu nunca realmente teria fundos nem utilizaria, mas cuja existência eu iria vazar para o agente Coleman. E quando Coleman pedisse ao governo suíço para abrir minha conta, eu lutaria com unhas e dentes contra isso, como se realmente tivesse algo a esconder. Isso iria mantê-lo ocupado por uns bons dois anos, pensei, talvez ainda mais que isso. E quando ele finalmente conseguisse seu intento e abrisse a conta, iria descobrir que eu nunca realmente a tinha coberto de fundos.
Em essência, a piada estouraria em Coleman, e meus negócios verdadeiros continuariam imperturbáveis. Com isso em mente, eu disse para o Chef:
– Então vamos fazer as coisas que você falou antes. O que eu tenho que fazer para que as coisas comecem a andar?
– Você não tem que fazer nada – respondeu o Chef de Jersey, utilizando uma dupla negativa para reforçar o pouco que eu tinha que fazer. – Eu já tenho a coisa toda configurada para você, os administradores, os mandatários, e eu posso ser um conselheiro para o fundo. Isso vai manter outra zona de proteção entre você e o dinheiro. E que Deus permita que os caras fiquem fuçando ao redor, então renuncio ao cargo de conselheiro e o dinheiro desaparece em Liechtenstein e, você sabe… Schhhwiitttt! – ele espalmou as mãos e bateu-as, esticando o braço direito em direção ao sul da Romênia – estamos prontos para seguir em frente.
Sorri para o Chef e concordei calorosamente. Ele era um homem de muitos talentos, embora sua mais notável habilidade fosse a capacidade de usar uma intrincada combinação de gestos e sons para reforçar seu ponto de vista. Meu favorito era Schhhwiitttt, que ele fazia ao enrolar a língua em um C reverso e, em seguida, forçando uma rajada de ar para fora. E, enquanto fazia o som, ele batia as mãos espalmadas, jogando o braço direito para longe. O Chef utilizava esse som quando pretendia amarrar as pontas soltas de uma história, como se estivesse sugerindo algo do tipo: “É, e com o último documento falso que criamos, você sabe… Schhhwiitttt!… não há como os federais serem capazes de entender coisa alguma!”.
Olhando para trás e refletindo sobre esse tipo de coisa, sentado no Gulfstream, eu sabia que tinha cometido um erro colossal em não usar uma das muitas fabulosas receitas do Chef para saciar o apetite dos bancos suíços. Mas seu relacionamento com o velho Demônio de Olhos Azuis tinha me assustado. Era do conhecimento geral que eles estavam fazendo negócios na Suíça, e, por mais quente que eu estivesse no momento, o Demônio era ainda mais quente que eu, e eles ainda não tinham sido capazes de pegá-lo! Isso poderia ser um augúrio para minha situação? Bem possível, imaginei. Como o velho Olhos Azuis, eu era um homem cuidadoso, sempre percorrendo grandes distâncias para cobrir minhas pegadas.
Eu me agarrei a esse pensamento feliz quando peguei minha maleta de remédios e abri o frasco de Valium, engolindo três pílulas azuis. Era uma dose para leão, eu sabia, mas, dada a quantidade de cocaína que tinha cheirado, era do que eu precisava para chegar em segurança à Tchecoslováquia.
EM VEZ DE PASSAR pelo terminal principal do aeroporto Ruzyne, em Praga, o Gulfstream foi direcionado para um pequeno terminal privado, que, até pouco tempo antes, havia sido reservado para os dignitários comunistas. Isso me serviu muito bem, dado meu estado de intoxicação, mas quando eles nos levaram para uma sala que parecia o interior de um santuário do Kremlin, algo me incomodou, algo que eu não conseguia definir. Danny estava parado a meu lado, parecendo perturbado.
– Você está sentindo o cheiro de alguma coisa? – perguntei, esfregando o nariz.
Danny franziu o próprio nariz e deu duas fungadas profundas.
– Sim – respondeu ele. – Que porra é essa? Tem cheiro de… Eu não sei, mas não gosto – e deu mais duas fungadas.
Eu me virei para Cabana.
– E você, está sentindo o cheiro de alguma coisa? – sussurrei.
Cabana correu os olhos ao redor da sala como se fosse um animal selvagem.
– É gás venenoso – disse ele nervosamente. – Eu… Eu tenho que pegar meu passaporte de volta. Eu… Por favor… Eu vou perdê-lo! – ele colocou o dedo indicador na boca e começou a morder a unha.
As preocupações, pensei.
Inclinei-me para o Chef.
– Sentiu o cheiro de alguma coisa, Chef?
Ele acenou com a cabeça.
– Sim, cheiro de sovaco, cheiro de catinga! – declarou. – Esses porras desses comunistas de merda não usam desodorante! – ele coçou o queixo, e ficou algum tempo refletindo. – Ou talvez eles não consigam encontrá-los nas lojas. Você ficaria surpreso como os comunistas renunciam aos mais normais dos prazeres.