Tudo bem, pensei, mas e o fio que estava ligado ao gravador? Ele vinha subindo pelo lado de fora da linha de cintura do meu jeans, continuando então até a linha média do meu abdômen. Na ponta do fio, um pequeno microfone, mais ou menos do tamanho de uma borracha de lápis número dois, estava preso com fita adesiva entre a depressão de meus músculos peitorais. De acordo com TOC, esse aparelho de gravação, chamado Nagra, era tão sensível que pegaria nossa conversa mesmo que fosse feita de sussurros. E essas foram suas palavras finais antes que eu saísse do quarto de minha filha e descesse as escadas até o pátio.
Então, lá estava eu, todo “ligado” e cheio de fios. O Chef, rezei, era inteligente demais para incriminar-se.
Naquele instante, minha empregada de longa data, Gwynne Latham, emergiu da porta lateral da cozinha. Ela usava calças de algodão brancas, uma camiseta branca bem solta e tênis brancos também. De fato, vestida do jeito que estava, alguém poderia tê-la confundido com a Senhora Bom Humor, não fosse pelo fato de que ela estava carregando uma bandeja de prata com uma jarra de chá gelado e dois copos altos sobre ela. Gwynne estava na casa dos 50 anos, embora parecesse uns dez anos mais nova. Ela era uma negra gordinha, atemporal, com traços caucasianos finos e o mais puro coração. Gwynne era do Sul e tinha me adotado praticamente como o filho que ela nunca teve. Nos primeiros dias de meu vício, ela me servia, na cama, café gelado e Quaaludes, e nos últimos tempos, quando eu estava tão drogado que praticamente tinha perdido a maior parte de minhas habilidades motoras, ela trocava minha roupa e limpava a baba de meu queixo.
Mas desde que fiquei sóbrio e larguei as drogas, ela havia redirecionado seu amor incondicional para Chandler e Carter, passando a maior parte do dia cuidando deles. (Deus os abençoe.) Enfim, Gwynne era como alguém da família, e o simples pensamento de ter que deixá-la ir algum dia me entristeceu terrivelmente. Eu não tinha muita certeza do quanto ela sabia sobre o que estava acontecendo. E então, tudo de uma vez, um pensamento terrível!
Gwynne era sulista, o que significava que ela era geneticamente predisposta a tagarelar. E, assim como acontecia com todo mundo, ela amava o Chef, e certamente tentaria conversar com ele. Eu comecei a imaginar o que aconteceria: “Oi, Chef? Quer que lhe prepare alguma coisa para comer, um sanduíche de peru ou uma salada de frutas?”. “Bem, acho que sim, Gwynne, você tem morangos?”. “Puxa, sinto muito, Chef, mas aqueles dois homens que estão no quarto da Chandler comeram os últimos que eu tinha…”. “Como é? Dois homens no quarto da Chandler? Como eles são, Gwynne?”. “Bem, Chef, um deles sorri bastante. Ele está usando fones de ouvido e tem uma câmera em torno do pescoço com uma lente teleobjetiva; o outro não sorri, mas tem um revólver gigante no quadril e um par de algemas penduradas no cinto e…”.
Ah, caralho, eu precisava dizer alguma coisa para Gwynne! Eu tinha apresentado aquelas forças de ocupação como sendo velhos amigos, e Gwynne, não sendo uma pessoa de ficar fazendo perguntas, tinha entendido as coisas literalmente, acreditando no que eu tinha dito e sorrindo amistosamente para os invasores, e então perguntando se eles queriam comer alguma coisa, do mesmo jeito como faria com o Chef! Eu tinha organizado as coisas para que as crianças não estivessem em casa e provavelmente conseguiria sobreviver sem Gwynne por algumas horas, mas ela poderia se sentir insultada se eu pedisse que saísse de casa sem uma boa explicação.
– Eu trouxe um pouco de chá gelado para sua reunião de negócios – disse Gwynne carinhosamente, embora a frase soasse mais como “Eu trusse um pocu de chá geladu pra sua reunião de negósss”. Com muito cuidado, ela colocou a bandeja de prata na obscenamente cara mesa redonda de teca. – Será que us homi lá em cima num vão querê nada? – acrescentou.
– Não, Gwynne, eu tenho certeza de que eles estão bem – disse e, com extremo cansaço, completei: – Ouça, Gwynne, eu realmente prefiro que você não diga nada sobre aqueles dois homens lá em cima enquanto Dennis estiver por aqui – e fiz uma pausa, em busca de uma possível explicação dos motivos. – Porque, hã, tem a ver com, hã, questões de segurança. Tem tudo a ver com segurança, Gwynne, especialmente com tudo o que está acontecendo por aqui.
Que porra eu estava falando?
Gwynne assentiu tristemente, parecendo entender. Então ela começou a olhar para minha camisa polo azul-clara, contraindo os lábios.
– Meu Deus, ah meu Deus, o sinhô tem uma manchinha na camisa – e ela começou a andar em minha direção com o dedo apontado diretamente para o microfone escondido.
Eu pulei da minha poltrona, como se a madeira de repente tivesse se tornado eletrificada. Gwynne parou no meio do caminho e lá ficou, parada, de pé, a Senhora Bom Humor, olhando para mim com um estranho olhar em seu rosto. Caramba, ela sabia, não sabia? Estava escrito no rosto inteiro dela, e em todo o meu rosto também! Eu praticamente estava gritando: Eu sou um rato, Gwynne, sou um delator! Não fale comigo! Estou cheio de fios ligados a um gravador!
Na verdade, seu rosto não demonstrava nada além de uma verdadeira preocupação de que o homem para quem ela trabalhara por quase uma década de repente tivesse perdido o juízo. Em retrospecto, havia muitas coisas que eu poderia ter dito a Gwynne para explicar meu comportamento irracional. Eu poderia ter dito a ela que uma abelha tinha me assustado, que eu tinha sentido uma cãibra na perna, que era uma reação atrasada para os três dias de tortura atrás das grades.
Em vez disso, tudo o que eu disse foi:
– Caramba, Gwynne, você está certa! É melhor eu ir ao meu quarto e trocar de camisa antes que o Dennis chegue! – e corri escada acima para trocar de camisa, voltando com uma polo azul-escura.
Depois fui para o banheiro, com o piso de mármore cinza de 100 mil dólares, uma sauna sueca de tamanho grande e a gloriosa banheira de hidromassagem, tão grande que era mais apropriada para Shamu, a baleia assassina, do que para o Lobo de Wall Street, e acendi todas as luzes para dar uma boa olhada no espelho.
Eu não gostei do que vi.
– EIIIIIIIIIIIIII – disse um Chef cheio de sorrisos, estendendo os braços para me dar um acolhedor abraço. – Venha aqui e me dê um abraço!
Puta merda! O Chef sabia também! Ele tinha visto na minha cara, do mesmo modo que Gwynne. Quando me abraçasse, ele ia me dar tapinhas para procurar a escuta. Eu estava congelado, em pânico. Era precisamente 13h05 da tarde, e o tempo parecia estar parado. Estávamos na grande entrada de mármore da mansão, separados por apenas quatro reluzentes quadrados de mármore italiano preto e branco, dispostos como um tabuleiro de xadrez, e eu estava tentando evocar uma desculpa esfarrapada para explicar por que não iria abraçar o Chef, como sempre tinha feito.
Os cálculos começaram a rugir em meu cérebro mais rápido do que eu poderia acompanhá-los. Se eu não abraçasse o Chef, ele saberia que algo estava errado, mas, se eu o abraçasse, ele pode sentir aquele gravadorzinho diabólico preso a meu quadril ou o microfone supersensível colado em meu peito. Que cara desonesto! Que decepção! Eu era um dedo-duro safado! No entanto, se eu empinasse a bunda um pouco e deixasse cair os ombros para a frente, talvez estivesse mais seguro.
Enquanto eu olhava para o Chef, fiquei terrivelmente consciente daqueles diabólicos fios que TOC tinha fixado em meu corpo. O gravador, o microfone e a fita adesiva pareciam ter crescido e ficado maiores, mais pesados, mais evidentes. O gravador não era maior que um maço de Marlboro, ainda que me parecesse maior do que uma caixa de sapatos; e o microfone, do tamanho de uma ervilha, pesava menos de 30 gramas, mas parecia mais pesado que uma bola de boliche. Eu estava suando profusamente e meu coração batia tum-tum-tum, como se um coelho assustado estivesse morando lá dentro. E lá estava o Chef de Jersey, em seu estiloso paletó azul-claro não transpassado e camisa branca de colarinho. Eu não tinha escolha a não ser abraçá-lo, mas então veio uma ideia: um patógeno contagioso!