– Vá em frente! Mate-me! – sua voz era suave e macia, num tom completamente resignado. – Eu sei que é isso o que você quer, então vá em frente – ela inclinou a cabeça ainda mais para trás. – Mate-me agora. Eu não vou lutar. Eu prometo. Apenas me estrangule e livre-nos dessa vida de tristezas. Você pode se matar depois.
Dei um passo em sua direção, pronto para cometer um assassinato, quando de repente meus olhos avistaram uma moldura afixada na parede. Estava exatamente sobre o ombro esquerdo da Duquesa. O quadro era longo e estreito, acho que com 30 centímetros de largura por uns 90 de altura, e dentro dele havia três fotos grandes de nossos filhos. Chandler estava em cima, sorrindo timidamente. Usava uma linda camiseta amarela com um colar e uma fita de cabelos combinando. Tinha 3 anos e meio na época em que a fotografia foi tirada, e parecia uma Duquesa em miniatura. Embaixo dela estava Carter, com apenas 1 ano e meio, e ele usava uma fralda branca como a neve. Seus olhos estavam arregalados, sua expressão era cheia de admiração enquanto olhava para uma bolha flutuando no ar. Seu cabelo loiro brilhava como vidro polido. Seus cílios eram tão exuberantes como asas de borboleta. E, novamente, tudo o que eu vi foi a Duquesa. E abaixo de Carter havia um retrato dele e de sua irmã. Ele estava sentado em seu colo, ela tinha os braços em volta dele, e os dois estavam olhando um para o outro em adoração.
No mesmo instante, a verdadeira ironia da minha situação me atingiu, como se fosse um dos raios de Zeus. Não era o bastante eu não conseguir matar minha esposa porque ela era a mãe de meus filhos, era muito pior que isso. O simples fato de ela ser a mãe de meus filhos era o que deixava claro que eu nunca me livraria dela. Ela estaria na minha vida para sempre! Assombrando-me até o dia em que morresse! Eu seria obrigado a vê-la em cada aniversário, formatura, casamento e bar mitzvah. Porra, eu até teria que dançar com ela no casamento de meus filhos!
Seria obrigado a vê-la na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, por todos os dias de minha vida, até que a morte nos separasse. Em essência, eu continuaria casado com ela para sempre, continuaríamos ligados pelo intenso amor que tínhamos pelos nossos dois filhos.
E lá estava ela, de pé, à espera de ser sufocada até a morte.
– Eu nunca vou perdoá-la por isso – disse eu suavemente. – Até meu último suspiro, nunca vou perdoá-la – fui para a porta, andando lentamente.
Assim que cheguei à porta, ouvi-a dizer em um tom suave e genticlass="underline"
– Eu nunca vou perdoá-lo também. Até meu último suspiro.
Então eu saí do quarto.
LIVRO II
CAPÍTULO 11
A CRIAÇÃO DE UM LOBO
– Bem, eu sinto muito em ouvir isso – disse o Canalha, solidário, inclinando-se para a frente em sua poltrona preta barata e apoiando os cotovelos ossudos na mesa de reuniões. – É sempre uma pena quando os filhos estão envolvidos.
– Sim – concordei com tristeza. Sim, claro!, pensei. Essa é a razão de sua vida, Canalha! Você adora descascar um homem e retirar dele todas as posses! O que mais poderia fazer valer a pena uma vida de merda como a sua? – É triste para todos nós, Joel, mas agradeço sua preocupação.
Ele assentiu respeitosamente. TOC, no entanto, sacudia a cabeça com desconfiança.
– Eu não sei – disse ele. – Eu realmente achei que vocês dois passariam por isso e ficariam juntos, realmente acreditei nisso.
– Bem – retruquei com tristeza –, eu também achava isso. Mas há água demais passando sob a ponte. Muitas lembranças ruins.
Era um pouco depois das 10 da manhã e eu estava cantando na Court Street novamente, ainda que para um público um pouco menor. A Bruxa, o Mórmon e meu gigantesco advogado, Magnum, estavam todos conspicuamente ausentes. A Bruxa, me disseram, estava ocupada com outro caso, sem dúvida destruindo a vida de algum outro pobre idiota; o Mórmon estava ocupado resolvendo questões pessoais, provavelmente ainda na cama com uma de suas esposas mórmons, tentando conceber uma nova leva de bebês mórmons; Magnum, por outro lado, estava ocupado demais fazendo nada. Na verdade, a única razão pela qual ele não estava lá naquela manhã, no hediondo subsolo do número 26 na Federal Plaza, era porque ele pensou que seria bom se eu passasse algum “tempo a sós” com meus captores. Ao mesmo tempo que suas palavras pareciam ter um pouco de lógica, também pareciam suspeitosamente convenientes, levando-se em conta que eu acabara de preencher um cheque de 1 milhão de dólares uma semana antes. (Por que aparecer por ali mais vezes quando ele poderia sacar o dinheiro e fugir?)
Então, só havia nós três naquela manhã: o Canalha, TOC e eu.
– Você está muito quieto nesta manhã – disse TOC. – Se não quiser falar sobre sua vida pessoal, tudo bem.
Eu dei de ombros.
– O que há para dizer, além de contar que minha esposa devia estar numa crise de sonambulismo quando fizemos os votos de casamento?
– Você acha que ela está tendo um caso?
– Não, Greg! Sem chance – respondi confiante.
É claro que ela está me traindo!, pensei. Ela está transando com aquele idiota do Michael Burrico, do Brooklyn. Uma anta como ele era um alvo fácil para uma Duquesa atrás de ouro.
– Ela definitivamente não está me traindo – continuei. – O que está acontecendo com a gente é muito mais profundo que isso.
Ele sorriu calorosamente.
– Não se ofenda, eu só estou tentando que tudo faça algum sentido, entendeu? Normalmente, quando esse tipo de coisa acontece, há sempre outro homem esperando atrás das cortinas. Mas, ei, o que eu sei sobre as coisas, né?
O Canalha entrou na conversa:
– Assim como Greg, eu também sou solidário à sua situação, mas a única coisa com que você deve se preocupar agora é com sua cooperação. Todo o resto é secundário.
Ah, é? E meus filhos, idiota?
– Joel tem razão – disse TOC. – Provavelmente não seja uma boa hora para se divorciar. Talvez você e Nadine devam esperar um pouco, até que toda essa comoção esfrie.
– Tudo bem – retrucou o Canalha –, então vamos começar a rever o caso. Na última vez que nos falamos, o mercado de ações tinha caído e você estava desempregado. O que aconteceu depois?
Que idiota!, pensei. Respirei fundo e disse:
– Bem, eu não diria que estava realmente sem emprego, porque o que eu tinha na LF Rothschild não era de fato um emprego, em primeiro lugar. Eu era um conector, que é a posição abaixo da posição mais baixa em Wall Street. Tudo o que eu fazia era ficar discando o dia todo e tentando passar pelas secretárias dos empresários ricos. Aquela era uma função que o fazia engolir o orgulho, mas eu não tinha escolha a não ser sorrir e aguentar. A única coisa que me mantinha seguindo em frente era a esperança no futuro.
Fiz uma pausa para manter o efeito.
– E aí veio o crash. Ainda me lembro de como foi voltar para casa naquela noite, no ônibus expresso: dava para ouvir um alfinete caindo. Havia um tipo de medo no ar que eu nunca tinha experimentado antes. Os meios de comunicação estavam fazendo um sensacionalismo das coisas levando à histeria, prevendo a quebra dos bancos, desemprego em massa, pessoas pulando das janelas dos prédios. Aquilo seria o início de uma nova Grande Depressão, segundo eles.
– Uma depressão que nunca veio – acrescentou o Canalha, um estudante com notas A em História, pelo jeito.
– Exatamente – disse eu. – Ela nunca veio, embora ninguém tivesse nenhuma maneira de saber ou de prever isso, naquela época. Lembre-se, a última vez que o mercado tinha caído desse jeito fora em 1929, e a Depressão veio logo em seguida, nos calcanhares das falências e das quebras de bancos. Então, de fato não era nenhum exagero ou alarmismo pensar que poderia acontecer de novo – parei por um momento. – Para as pessoas que cresceram na Grande Depressão, como meus pais, a perspectiva era assustadora, mas para pessoas como eu, que tinha apenas lido sobre isso em livros de História, era algo simplesmente inimaginável. Assim, se você trabalhasse em Wall Street ou na Main Street naquele dia, todos estavam assustados com o que poderia acontecer – dei de ombros. – Todos, exceto Denise, que estava tão fria como um pepino em conserva!