Chandler, por outro lado, era seu exato oposto. Ela era uma menina complexa, curiosa, intuitiva, introspectiva e sempre tinha algo a dizer. Seu apelido era CIA, porque estava sempre espionando as conversas, tentando juntar mais informações. Chandler tinha dito suas primeiras palavras aos 7 meses e quando tinha 1 ano já era capaz de falar frases inteiras. Aos 2 anos, já discutia com a Duquesa e, desde então nunca parou de fazer isso desde então. Era uma menina difícil de persuadir, impossível de manipular e possuía um raro e apurado dom de enxergar através do papo furado.
Isso foi uma coisa que me criou problemas. Minha tornozeleira poderia ser explicada como algum tipo de dispositivo médico superavançado, uma coisa que o médico havia receitado para garantir que minha dor nas costas nunca mais voltasse. Diria a Chandler que aquilo seria uma terapia de seis meses e que eu deveria manter a tornozeleira durante todo o tempo, o dia todo. Ela provavelmente compraria essa explicação durante algum tempo. O problema era ficar preso dentro de casa, essa seria uma situação muito mais difícil de esconder.
Nossa família estava sempre em movimento, correndo e fazendo coisas e indo para lá e para cá e vendo outras coisas – por isso, o que Chandler pensaria sobre meu súbito desejo de não querer sair de casa? Fiquei pensando nisso durante bastante tempo e cheguei à rápida conclusão de que, apesar de tudo, eu teria que contar com a Duquesa para me ajudar naquilo.
Foi então que Chandler perguntou:
– Você está chorando por que teve que devolver o dinheiro das pessoas, papai?
– Hã? – murmurei.
Que golpe sujo da Duquesa, pensei. Como teve coragem de fazer isso? A troco de quê ela fez isso? Tentar envenenar Chandler contra mim… A Duquesa estava travando uma guerra psicológica, e essa tinha sido sua primeira salva de canhões. Passo um: deixar as crianças saberem que Papai não passa de um grande trapaceiro; passo dois: explicar para as crianças que há outros homens bons por aí, que não são esses trapaceiros grandes e que vão tomar conta da Mamãe; passo três: no momento em que Papai for para a cadeia, contar a elas que ele as abandonou porque não as ama; e, finalmente, o passo quatro: dizer às crianças que será apropriado chamar o novo marido da mamãe de “papai”, pelo menos até que essa nova mina de ouro se esgote, de forma que, nesse ponto, Mamãe será obrigada a sair a campo em busca de um novo Papai para seus filhos.
Respirei fundo e conjurei outra daquelas mentiras brancas. Disse a Chandler:
– Acho que você entendeu mal, querida, eu estava ocupado trabalhando.
– Não – argumentou Chandler, frustrada com minha obtusidade. – Mamãe disse que você pegou dinheiro de outras pessoas e que agora tem que pagar de volta para elas.
Balancei a cabeça em descrença e em seguida dediquei um momento a observar Carter. Ele parecia olhar para mim com desconfiança. Caramba! Será que ele também sabia? Ele só tinha 3 aninhos, e a única coisa com que se importava era com a porra do Rei Leão!
Eu tinha um monte de explicações a dar, não apenas naquele momento, mas também nos dias e anos vindouros. Chandler estaria lendo em breve, e isso iria ajudar a abrir uma nova lata de vermes. O que eu poderia dizer a ela? Senti uma nova onda de desespero me inundar. De certa forma, a Duquesa estava certa, ela estava com a razão… Eu tinha que pagar por meus crimes, embora todos em Wall Street fossem criminosos, não era verdade? No fundo, era apenas uma questão de grau. Ou seja, o que me fez pior que qualquer outra pessoa foi o fato de que fui pego, certo?
Decidi não continuar seguindo essa linha de pensamento. Para mudar de assunto, eu disse:
– Bem, isso realmente não é importante, Channy. Vamos brincar com suas bonecas Barbie.
E depois que você for dormir, pensei, Papai vai descer as escadas até seu estúdio e passar algumas horas pensando em uma maneira de acabar com Mamãe sem ser pego.
CAPÍTULO 3
AS OPÇÕES EVAPORAVAM
Estávamos em algum lugar da Grand Central Parkway, perto do limite entre Queens e Manhattan, quando finalmente perdi a paciência com Monsoir.
Era a manhã de uma terça-feira, um dia depois do feriado do Dia do Trabalho, e eu estava a caminho do escritório de meu advogado em Midtown Manhattan, com o monitoramento eletrônico preso ao tornozelo esquerdo, ouvindo seu balbuciar em paquistanês ao volante do carro. No entanto, apesar desses entraves, eu estava vestido para o sucesso, em um terno cinza risca de giz, uma camisa de um branco vivo, gravata vermelha, meias de algodão pretas que, na perna esquerda, escondiam a tornozeleira eletrônica, e um par de mocassins pretos Gucci com pendentes de couro de enfeite sobre cada um.
Vestir-se para o sucesso. Isso era uma coisa que me parecera importante naquela manhã, embora tivesse absoluta certeza de que, mesmo que estivesse usando fraldas e gravata borboleta, meu advogado criminal de confiança, Gregory J. O’Connell, ainda me diria que eu parecia um cara que valia 1 milhão de dólares. Afinal de contas, a primeira tarefa comercial daquela manhã seria entregar a ele um cheque exatamente nesse valor: 1 milhão de dólares. Isso era prioridade, explicou-me Gregory, porque havia uma boa chance, de mais de 50%, de a Procuradoria entrar com um pedido de congelamento de meus bens naquela mesma semana. E os advogados, evidentemente, precisam receber…
Passava um pouco das 10 da manhã, e a hora do rush matinal já tinha acabado. À minha direita eu podia ver os hangares baixos e os terminais do aeroporto La Guardia, parecendo tão encardidos como de costume. Do lado esquerdo já dava para ver o florescente paraíso grego de Astoria, no Queens, que tinha uma concentração de gregos por metro quadrado maior que em qualquer outro lugar do mundo, incluindo Atenas. Eu tinha crescido não muito longe dali, no paraíso judeu de Bayside, que fora um bairro de ruas seguras e que estava agora passando por um processo de invasão de prósperos coreanos.
Tínhamos saído de Old Brookville 30 minutos antes, e desde então aquele terrorista enrustido não tinha parado de falar. Continuava a tagarelar sem cessar sobre o sistema de justiça criminal em seu amado Paquistão. Na maioria dos dias, eu simplesmente teria lhe dito para calar a boca. Naquela manhã, em particular, eu estava desgastado demais para reprimir sua tagarelice. E era tudo culpa da Duquesa.
Fiel à sua palavra, aquela malandrinha loira deu no pé naquele final de semana, passando três dias e três noites nos Hamptons. Eu tinha absoluta certeza de que ela havia ficado em nossa casa de praia naquelas noites, mas não fazia a menor ideia do que fizera durante os dias, e muito menos com quem. Ela não telefonou nem uma única vez, pintando um quadro bem nítido de que estivera ocupada! Ocupada! Ocupada! À procura de uma nova mina de ouro.
Quando Nadine finalmente entrou pela porta de casa, na tarde de segunda-feira, dirigiu-me apenas algumas poucas palavras, algo sobre ter um tráfego brutal na estrada de volta dos Hamptons. Então ela subiu em direção aos quartos das crianças, sorrindo, e os levou para os balanços lá fora. Ela não parecia ter uma única preocupação no mundo, acentuando isso para amplificar sua jovialidade ad nauseam.