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— Pelo menos parecem gente de bom gosto, disse Scanlan. Acho que se se quer um deus de massa é muito melhor escolher-se uma bonita mulher do que aquela figura de olhos rubros e fogão nos joelhos.

— Felizmente eles não compreendem o que está dizendo, observei. Senão, você poderia muito bem acabar como um mártir do cristianismo.

— Enquanto eu os divertir com as minhas músicas estou garantido, replicou ele. Eles já se acostumaram comigo e por isso sentirão falta de mim.

Levávamos uma vida feliz no meio daquele povo alegre e acolhedor, contudo havia e há ocasiões em que nosso coração se volta saudoso para a terra que perdemos. Vem-me então ao espírito a lembrança dos velhos quarteirões de Oxford ou dos idosos olmos e gramados verdes de Harvard. Até há pouco eles me pareciam tão distantes como uma paisagem lunar, e só agora começa a se me insinuar vagamente no espírito a esperança de vê-los novamente.

CAPÍTULO IV

Poucos dias depois de nossa chegada, nossos hóspedes ou nossos captores — ficávamos algumas vezes em dúvida de como chamá-los — levaram-nos para uma expedição sobre o fundo do oceano. Seis deles vieram conosco, inclusive Manda, o chefe. Reunimo-nos na mesma sala em que havíamos entrado da primeira vez, e estávamos agora em condições de examiná-la mais detidamente. Era um compartimento bem vasto, no mínimo de cem pés de lado e suas paredes baixas e seu teto eram úmidos e de cor esverdeada devido às vegetações marinhas que os cobriam. Uma longa fileira de ganchos, com marcas que presumo fossem números, estendia-se ao redor de toda a sala, e em cada um deles estava suspensa uma daquelas campanas semitransparentes de vidrina e um par daqueles pequenos aparelhos que, colocados nos ombros, asseguravam a respiração. O assoalho era coberto por lajes de pedra que os passos de numerosas gerações haviam escavado em muitos pontos, o que fazia com que aí se formassem poças rasas de água. Tudo era profusamente iluminado por tubos fluorescentes que se viam ao redor das cornijas. Vestiram-nos os invólucros de vidrina e um forte bastão pontudo, feito de algum metal leve, foi entregue a cada um de nós. Em seguida Manda nos ordenou por sinais que nos segurássemos a uma grade metálica que havia ao redor da sala, dando-nos o exemplo ele e seus companheiros. O fim disto logo se nos esclareceu, pois, quando se abriu a porta exterior, a água penetrou com tal força que seríamos atirados ao chão se não fosse este cuidado. Elevou-se rapidamente até acima das nossas cabeças, e seu impulso diminuiu. Manda tomou então o caminho da porta e nós o acompanhamos, e dali a um momento achávamo-nos novamente no leito do oceano, deixando a porta aberta atrás de nós para quando voltássemos.

Olhando ao nosso redor na luz frígida e espectral que iluminava a planície batíbica, podíamos ver pelo menos um quarto de milha em cada direção. O que mais nos surpreendeu foi observar no extremo limite de visibilidade, em dada direção, um clarão estranho. Foi nessa direção que o chefe se encaminhou, seguindo nosso pequeno grupo em fila atrás dele. Caminhávamos lentamente, pois, além de termos a vencer a resistência da água, nossos pés se enterravam profundamente no lodo a cada passada; mas logo vimos o que era aquela claridade que nos atraíra. Era nossa caixa de aço — a última recordação que tínhamos da vida terrestre — que continuava inclinada sobre uma das cúpulas do extenso edifício, com todas as suas luzes ainda acesas. Estava cheia de água até três quartos de sua altura, mas o ar aprisionado ainda preservava a parte em que se achava nossa instalação elétrica. Era realmente curioso, para nós, olhando o seu interior, vermos aquele ambiente familiar, com nossos bancos e instrumentos ainda na posição em que os deixáramos, povoados de peixes de vários tamanhos a nadar de um para outro lado no seu interior. Passando um após outro, nós três entramos pelo alçapão aberto. Maracot para salvar uma caderneta de notas que flutuava na superfície e Scanlan e eu para pegarmos alguns objetos que nos pertenciam. Manda entrou também conosco, com um ou dois de seus companheiros, examinando com o maior interesse o batímetro e o termômetro, assim como os outros instrumentos suspensos em suas paredes. Quanto ao termômetro, pode ser que interesse aos cientistas saber que é de quarenta graus Fahrenheit a temperatura da maior depressão marinha a que o homem já desceu, e que é mais elevada que a das camadas superiores do mar devido à decomposição química dos seus depósitos orgânicos.

Ao que parecia, nossa pequena expedição tinha um objetivo predeterminado, não se tratando apenas de um simples passeio pelo leito do oceano. Estávamos à caça de alimento. De vez em quando um de nossos companheiros lançava um golpe rápido com seu bastão pontudo, espetando de cada vez um grande peixe chato e escuro, pouco diferente de um rodovalho, que apesar de abundante se confundia tanto com o lodo que eram necessários olhos exercitados para conseguir distingui-lo. No fim de pouco tempo cada um dos nossos homens trazia já dois ou três dos mesmos suspensos ao lado. Eu e Scanlan logo aprendemos a técnica desta nova espécie de pescaria, conseguindo um par dos mesmos para cada um, mas Maracot caminhava como num sonho, perdido na admiração das belezas marinhas que o cercavam, e fazia longas e entusiastas dissertações que eram perdidas para o ouvido mas perceptíveis aos olhos pelas contorções de seu rosto.

Nossa primeira impressão fora de monotonia, mas logo verificamos que aquelas planícies acinzentadas apresentavam variadas formações devidas à ação de correntes marinhas profundas que derivavam aí como rios submarinos. Estas correntes cortavam canais na fraca consistência do lodo do fundo e expunham assim as formações que havia abaixo, que consistiam na argila vermelha do leito do oceano. Esta argila estava coberta de objetos brancos que supus serem conchas, mas que examinando mais de perto vimos serem constituídos por barbatanas de baleias e dentes de tubarões e outros monstros marinhos. Um destes dentes que peguei tinha quinze polegadas de comprimento, e era realmente uma grande felicidade que um monstro tão terrível freqüentasse camadas mais elevadas do oceano. Devia pertencer, segundo Maracot, a um gigantesco exemplar do gênero Grampus, ou a um Orca gladiador. Isto fazia lembrar a observação de Mitchell Hedges de que mesmo no corpo dos mais terríveis tubarões que pescara havia observado sinais que mostravam haverem eles encontrado animais maiores e mais fortes que eles próprios.

Há uma peculiaridade das profundezas do oceano que chama a atenção do observador. Como já disse, existe aí uma perene luz frígida que se desprende do solo, devida à fosforescência resultante da decomposição de grandes massas de matéria orgânica. Mas acima tudo é negro como a noite. Tudo isto contribui para relembrar o aspecto de um dia sombrio de inverno sobre a terra, com uma nuvem pesada e negra de tempestade, suspensa ameaçadoramente. Deste palio negro cai lentamente uma chuva incessante de pequenos e brancos flocos luminescentes, realçando contra o fundo obscuro. São os restos de caracóis do mar e outros pequenos seres que vivem e morrem nas cinco milhas de água que nos separam da superfície, e se bem que boa parte dos mesmos se dissolva na queda, a parte restante vai no decurso dos séculos formar aquele depósito que enterrou a grande cidade cuja parte superior habitávamos agora.