«Obrigados, caros amigos. Muito admiramos sua grande lealdade e desprendimento. Recebemos seus radiogramas com facilidade e apenas estamos em condições de poder responder-lhes deste modo. Esforçamo-nos por alcançar sua sonda, mas as correntes marinhas a elevam muito alto e a velocidade dela é maior do que a do mais rápido de nós, por causa da resistência da água. Pretendemos executar nossos planos amanhã cedo, às seis horas, correspondendo, de acordo com nossos cálculos, ao dia 5 de julho, terça-feira. Iremos um de cada vez, de modo que qualquer coisa que suceda possa ser transmitida aos que devam ir depois. Mais uma vez, sinceros agradecimentos.
Damos agora a palavra ao sr. Osborne:
«Era uma linda manhã. O profundo mar de safira achava-se liso como um lago, e nem a menor nuvem turbava a limpidez maravilhosa do céu azul. Desde bem cedo toda a tripulação do «Marion» se achava a postos e aguardava os acontecimentos com o mais intenso interesse. Ao se aproximarem as seis horas, nossa expectativa se tornava cada vez mais penosa. Um vigia fora postado no mastro de sinais e faltavam justamente cinco minutos para a hora marcada quando o escutamos gritar e o vimos apontando para a água. Todos nós corremos para o lado que ele apontava e eu consegui içar-me a um dos botes, donde pude observar tudo. Vi através da água tranqüila alguma coisa que parecia uma bola de prata subindo com grande rapidez das profundezas do oceano. Atingiu a superfície a umas duzentas j ar das do navio e subiu em linha reta no ar. Era um belo globo brilhante de três pés de diâmetro, que, depois de se elevar a grande altura, derivou, levado por uma corrente de ar, exatamente como sucederia com um desses balõezinhos de criança. Era um espetáculo maravilhoso, mas encheu-nos de apreensão, pois receávamos que tivesse trazido uma carga consigo e que esta se houvesse desprendido no caminho através das águas. Expediu-se imediatamente um radiograma:
«Seu mensageiro apareceu perto do navio. Não trazia nada preso por fora e foi arrastado pelo vento.» Logo em seguida arriamos um bote de modo a estarmos preparados para qualquer eventualidade.
Logo depois das seis horas houve outro sinal de nosso vigia e dali a um instante via através das águas outro globo de prata, que subia muito mais lentamente que o primeiro. Chegando à superfície ele flutuou no ar, mas sua carga foi conservada sobre a água. Examinando-a, vimos que era constituída por um grande pacote de livros, papéis e vários outros objetos, tudo encerrado num invólucro de pele de peixe. Foi içado escorrendo água para o tombadilho e expedido um novo radiograma, enquanto esperávamos ansiosamente pela bola seguinte.
Não demorou muito tempo a vir. Surgiu de novo a bola de prata e atravessou novamente a superfície, mas desta vez aquele globo brilhante subiu a grande altura no ar tendo suspenso, com surpresa nossa, o corpo esbelto de uma mulher. Fora apenas o impulso que a fizera subir e dali a poucos momentos era ela levada para o lado do navio. Um círculo de couro fora firmemente adaptado ao hemisfério superior da bola e deste círculo desciam longas tiras que estavam presas a um largo cinto de couro, ao redor de sua fina cintura. A parte superior de seu corpo estava coberta por um estranho invólucro piriforme de vidro — chamo-lhe vidro, mas realmente era do mesmo material leve e resistente que a bola. Era quase transparente e apresentava finas veínulas prateadas através de sua substância. Este invólucro de vidro possuía peças elásticas que se adaptavam na cintura e nos ombros, tornando completamente impossível a entrada da água, e era provido no interior de estranhos aparelhos químicos de aspecto esquisito, mas muito leves e práticos para a renovação do ar. Com alguma dificuldade foi removido o invólucro de vidro e a moça içada para o tombadilho. Ela se achava desacordada, mas sua respiração regular encorajava-nos a supor que logo se restabeleceria dos efeitos daquela rápida viagem e brusca mudança de pressão. Presumimos ser ela a mulher atlante a que a primeira mensagem se referia como chamando-se Mona e, se a podemos tomar como amostra, eles constituem realmente uma raça que vale a pena reintroduzir na terra. Seu rosto é moreno e gracioso, de traços regulares e delicados; tem longos cabelos negros e magníficos olhos amendoados, que olhavam agora ao seu redor num encantador espanto. Enfeites de conchas e nácar ornavam-lhe a túnica de cor creme e os cabelos escuros. Não se poderia imaginar mais perfeita Náiade do Pélago, uma personificação mais viva do mistério e beleza do mar.
Vimos a consciência voltar aos poucos àqueles maravilhosos olhos e subitamente ela se pôs de pé num salto, com a vivacidade de uma corça selvagem, e correu para a amurada do navio chamando: «Cirus! Cirus!»
Já havíamos acalmado a ansiedade dos que esperavam embaixo por meio de um radiograma. Logo em seguida, em rápida sucessão, vimo-los chegar um de cada vez. Elevavam-se trinta ou quarenta pés no ar e caíam logo na água, donde rapidamente os retirávamos. Todos os três chegaram desacordados à superfície e saía sangue pelo nariz e ouvidos de Scanlan, mas no fim de uma hora já estavam novamente aptos a por-se em pé. O primeiro ato de cada um foi, ao que me parece, bem característico. Scanlan foi arrastado por um grupo jovial até o bar, donde vêm agora exclamações alegres, muito em detrimento deste trabalho. O Dr. Maracot pegou o maço de papéis, tirou um deles, coberto apenas, ao que me parecia, por símbolos algébricos, e desapareceu pela escada abaixo, ao passo que Cirus Headlei correu para o lado de sua estranha companheira, parecendo ter tenções de nunca mais a deixar. O caso está neste pé e confiamos em que nossa fraca estação possa levar o nosso radiograma até a estação de Cabo Verde. Detalhes mais pormenorizados desta espantosa aventura virão mais tarde, como convém, de seus próprios protagonistas.»
CAPÍTULO VI
São numerosas as pessoas que têm escrito tanto a mim, Cirus Headlei, aluno da Escola Rhodia de Oxford, como ao Professor Maracot e mesmo a Bill Scanlan desde nossa notável estadia no fundo do Atlântico, onde nos foi dado, num local situado a 200 milhas a sudoeste das Canárias, fazer uma descida de que não só resultou a modificação total de nossas idéias sobre a vida e pressão nas grandes profundidades, como ainda revelou a sobrevivência de uma antiga civilização sob condições incrivelmente difíceis. Nestas cartas constantemente nos pedem para darmos maiores detalhes sobre nossa aventura. Como é lógico, minha primeira narrativa era muito superficial, embora desse conta da maioria dos fatos. Houve alguns sucessos, porém, que não foram narrados e principalmente o pavoroso episódio do Senhor do Torvo Semblante. Este envolvia certos fatos e conclusões de tão extraordinária natureza que todos nós julgamos melhor naquela ocasião deixá-lo inteiramente de lado. Agora, contudo, que a ciência aceitou nossas conclusões e — acrescentarei — que a sociedade aceitou minha noiva, ficou estabelecida a nossa veracidade e talvez nos possamos aventurar a uma narrativa que antes provocaria a incredulidade. Antes, porém, de encetar a narração deste estranho episódio, tratarei de alguns sucessos que com ele se relacionam, reminiscências daqueles meses cheios de imprevisto que passamos na terra submersa dos atlantes, os quais, armados de suas campanas de vidrina, conseguiam caminhar pelo leito do oceano com a mesma facilidade com que aqueles londrinos que agora vejo de minhas janelas do Hyde Park Hotel estão a passear entre os canteiros de flores.
A princípio quando fomos recebidos por aquele povo após nossa queda da superfície, estávamos mais na posição de prisioneiros que de hóspedes. Desejo agora narrar como, graças ao Dr. Maracot, deixamos lá embaixo tal renome que a nossa lembrança passará aos seus anais como a de alguma visita celeste. Nada souberam de nossa partida, que teriam impedido se pudessem, e assim já deve haver entre eles uma lenda sobre nosso regresso a alguma esfera celestial, levando conosco a flor mais bela e adorável da sua gente.