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Enfiou a mão no peito e retirou um pergaminho com. caracteres escritos.

— Entregará isto ao chefe dos ratos de água, disse ele. Lamento, cavalheiros, que os senhores tenham que partilhar sua sorte, mas desde que são a causa primeira de sua desgraça, isso não passa de simples justiça. Mais tarde tornarei a vê-los. Neste intervalo recomendo-lhes um estudo dessas pinturas e esculturas, que lhes darão uma idéia da altura a que eu elevei a Atlântida durante os dias que a dirigi. Aqui encontrarão alguns aspectos das modas e costumes do povo, quando sob a minha influência. A vida era muito mais variada, colorida e pitoresca. Nos dias prosaicos de hoje chamá-la-iam uma orgia perversa. Dêem-lhe o nome que quiserem, eu a instaurei, regozijei-me com ela e não tenho remorsos. Se o meu tempo voltasse de novo, faria o que fiz e mesmo mais ainda, exceto apenas a realização deste plano fatal de viver eternamente. Warda, que eu maldigo e que deveria ter matado antes que se tornasse bastante forte para voltar o povo contra mim, foi mais sensato do que eu neste assunto. Ele ainda visita a terra, mas como um simples espírito e não como homem. E agora eu me vou. Foi a curiosidade que os trouxe aqui, meus amigos, e ouso esperar que a tenham satisfeito.

E vimo-lo então desaparecer. Sim, sua figura desvaneceu-se diante de nossos olhos. Isto não sucedeu num instante. Afastara-se do pilar contra o qual estivera encostado. Os contornos de seu vulto esplêndido e majestoso pareceram diluir-se. Apagou-se o brilho de seu olhar e suas feições tornaram-se indistintas. Dali a um momento achava-se reduzido a uma nuvem negra e revoluteante que subiu através da água estagnada do horrendo salão, desaparecendo. Só ficamos ali os três, a olhar estupefatos uns para os outros, assombrados com as estranhas possibilidades da vida.

Não ficamos mais tempo naquele horrível palácio. Não era um lugar em que se pudesse estar em segurança. Havia já tirado uma daquelas nojentas lesmas de cor púrpura do ombro de Bill Scanlan, e eu próprio fora dolorosamente atingido na mão pelo jacto de veneno que me lançara um grande lamelibrânquio amarelo. Ao sairmos dali com passos mal firmes tive um último vislumbre daqueles horríveis quadros em relevo, trabalhados nas paredes pelas mãos do próprio demônio e precipitamo-nos quase correndo pelo escuro corredor, maldizendo o dia em que havíamos sido bastante insensatos para entrar naquela casa. Foi uma verdadeira alegria para nós sentirmo-nos novamente banhados pela luz fosforescente da planície batibiana e ver aquelas claras extensões de águas transparentes ao nosso redor. Dali a uma hora achávamo-nos novamente de volta ao refúgio. Depois de removermos nossos capacetes, reunimo-nos em nosso quarto para deliberarmos sobre o assunto. O professor e eu nos achávamos abalados demais para conseguir exprimir nossos pensamentos. Só a irreprimível vitalidade de Scanlan é que conseguiu vencer a opressão desse encontro.

— Deus nos guarde! Aquele sujeito parecia ser o diabo-mor saído do inferno.

O Dr. Maracot estava absorvido em seus pensamentos. Em dado momento ele tocou a sineta para chamar nosso criado. «Manda», disse ele. Dali a um minuto nosso amigo se achava no quarto. Maracot entregou-lhe o fatídico bilhete.

Nunca admirei tanto um homem como a Manda naquele momento. Havíamos por nossa injustificável curiosidade trazido sobre ele e seu povo uma tremenda ameaça de destruição — nós, os estranhos que eles haviam salvo quando já tudo lhes parecia irremediavelmente perdido. Todavia, apesar da palidez espectral que lhe cobriu o rosto ao lê-la, não se viu o menor sinal de censura nos seus tristes olhos castanhos quando os voltou para nós. Abanou a cabeça e via-se o desespero em todos os seus gestos. «Baal-seepa! Baal-seepa!» exclamou ele, e apertou as mãos convulsiva-mente contra os olhos, como a repelir uma horrível visão. Girou pelo quarto como um homem enlouquecido de desespero e finalmente precipitou-se para fora para ler a mensagem à comunidade. Ouvimos poucos minutos mais tarde o retumbar do grande sino que os convocava a todos para uma reunião no Salão Central.

— Devemos ir? perguntei.

O Dr. Maracot abanou a cabeça.

— Que poderíamos fazer? Que probabilidades podem eles ter contra um ente que dispõe dos poderes de um demônio?

— Seria o mesmo que um grupo de coelhos a lutar contra uma doninha, disse Scanlan. Mas o certo é que toca a nós achar um meio para sair desta enrascada. Não é bonito irmos acordar o demônio para o lançar sobre o povo que nos salvou.

— O que sugeres? perguntei ansiosamente, pois entrevia atrás de todo esse palavreado o seu fértil e eterno espírito prático.

— Acho que talvez ele não seja tão invulnerável como pensa. Pode bem ser que com a idade ele se tenha deteriorado um pouco, pois a acreditar em sua palavra já é bem velhozinho.

— Julga então que o poderemos atacar?

— Loucura! exclamou Maracot.

Scanlan dirigiu-se ao seu armário. Quando se voltou tinha na mão um grande revólver de seis tiros.

— Que acham disto? disse ele. Trouxe-o quando estivemos no navio naufragado. Pensei que talvez se tornasse útil mais tarde. Tenho aqui uns doze cartuchos. Talvez que se eu lhe fizer na carcaça outros tantos buracos, ele deixará escapar alguma coisa de sua magia. Santo Deus! Que é isto!

O revólver cairá ruidosamente no chão e Scanlan se contorcia de dor, segurando com a mão esquerda o punho direito. Terríveis cãibras lhe haviam empolgado o braço e procurando aliviá-lo podíamos sentir seus músculos retesados e duros como as raízes de uma árvore. Um suor agônico escorria pela testa de nosso pobre companheiro. Caiu finalmente sentado sobre o seu leito, abatido e exausto.

— Isto quase acaba comigo, disse ele. Estou esgotado. Sim, obrigado, a dor já passou. Mas eu aprendi minha lição. Não se combate o inferno com revólveres de seis tiros; nem vale a pena tentar. Terei mais cuidado de agora em diante.

— Sim, você recebeu uma severa lição, disse Maracot.

— Acha então o nosso caso desesperado?

— Que poderíamos fazer quando ele, ao que parece, está ciente de cada palavra e de cada um dos nossos atos? Não devemos contudo desesperar. — Durante alguns momentos permaneceu pensativo. — Acho, Scanlan, continuou, que deve ficar aí deitado por algum tempo. Você teve um abalo de que lhe custará um pouco recobrar-se.

— Se houver alguma coisa a fazer, contem comigo, disse nosso companheiro bravamente, se bem que seu rosto transtornado e seus membros trêmulos denotassem o sofrimento que tivera de suportar.

— Não temos nada a fazer, pelo menos no que se refere a ti. Já vimos que é inútil qualquer violência. Deveríamos trabalhar em outro plano — o plano espiritual. Fique aqui também, Headlei. Vou até a sala que me serve de escritório. Talvez que ficando só eu possa ver um pouco mais claro neste assunto.

Tanto Scanlan como eu aprendêramos a depositar uma grande confiança em Maracot. Se algum cérebro humano pudesse resolver nossas dificuldades, seria o seu. Havíamos todavia chegado a um ponto que parecia escapar totalmente à influência das forças humanas. Achávamo-nos tão perplexos como crianças diante de forças que não podem compreender nem controlar. Scanlan caíra em um sono agitado. O que me perguntava ao sentar-me ao lado dele não era como poderíamos escapar e sim que forma assumiria o golpe que nos iria aniquilar e quando cairia sobre nós. Esperava a todo momento ver desabar aquele sólido teto que nos cobria, aluírem-se as paredes e as águas escuras do pélago precipitarem-se sobre aqueles que as haviam desafiado tanto tempo.