Não via meios de escaparmos. Atirei-me sobre o canapé e orei — eu, o materialista irredutível — orei por socorro. Quando se chega ao extremo do poder humano, que se pode fazer senão estender mãos suplicantes ao invisível que nos cerca? Orei — e minha oração teve uma resposta espantosa.
Senti subitamente que já não me achava só no quarto. À minha frente se achava uma alta figura de tez tão escura como a do ente que combatíamos, mas de fisionomia bondosa e longas barbas veneráveis, que irradiava benevolência e amor. A impressão de força que incutia não era menor que a do outro, mas era a força do bem, a força à frente da qual o mal se desvaneceria como a névoa aos raios do sol. Olhava-me com expressão de imensa bondade e eu limitei-me a fitá-lo surpreendido demais para poder articular qualquer palavra. Qualquer coisa dentro de mim, inspiração ou intuição, dizia-me que era este o espírito daquele atlante grande e sábio que combatera o mal enquanto vivera e que, não podendo impedir a destruição de sua pátria, cuidara de assegurar a sobrevivência dos mais dignos, mesmo tendo que se verem submersos nas profundezas do oceano. E agora este ente assombroso aparecia para impedir a ruína de seu trabalho e a destruição de seus filhos. Com uma abafada exclamação de esperança compreendi tudo isso tão claramente como se ele o tivesse dito. Sempre sorrindo, ele se encaminhou para mim e colocou suas mãos sobre minha cabeça. Era sem dúvida sua própria energia e poder que ele me transmitia. Sentia-os correndo como vivo fogo pelas minhas veias. Nada no mundo me parecia impossível naquele momento. Possuía a vontade e o poder para operar milagres. Naquele instante ouvi o sino tocar a alarma, o que me mostrou que a crise chegara. Ao me levantar do canapé, o espírito, com um sorriso de encorajamento, desvaneceu-se à minha vista. Fui ter então com vocês e o resto já sabem.
— Sua reputação entre eles está feita, disse eu. Mesmo se quisesse ser adorado como um Deus, creio que não encontraria dificuldades.
— O senhor se arranjou bem melhor do que eu, doutor, disse Scanlan, pensativo. Como será que aquele sujeito não adivinhou o que estava fazendo? Ele foi bem pronto em me castigar quando peguei no revólver. E no entanto com o senhor ele não desconfiou de nada.
— Suponho que é porque você agiu no plano material, ao passo que eu me elevei a um plano espiritual, disse Maracot pensativo. Tais coisas nos ensinam a sermos humildes. Somente quando entramos em contato com o mais elevado é que verificamos o nível baixo em que nos achamos entre as numerosas possibilidades da criação. Recebi minha lição. Assim possa minha vida futura mostrar que me aproveitou.
E foi esse o fim de nossa suprema aventura. Pouco tempo depois é que tivemos a idéia de enviar notícias nossas à superfície e mais tarde, por meio de bolas de vidrina cheias de levigênio, subirmos nós mesmos, sendo recolhidos da maneira já narrada. O Dr. Maracot fala atualmente em voltar. Há certos pontos de ictiologia sobre os quais necessita detalhes mais preciosos. Mas Scanlan, ao que soube, casou-se com sua namorada de Filadélfia e foi promovido a chefe de obras de Merribank, não procurando mais aventuras; quanto a mim, as profundezas marinhas já me deram uma preciosa pérola — e nada mais lhes peço.