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Foi esta mensagem incoerente a última que se recebeu do malfadado vapor, e parte dela era tão extravagante que foi posta à conta de delírio por parte do radiotelegrafista. Parecia contudo não deixar dúvidas quanto à sorte do navio.

A explicação de tudo — se puder ser aceita como uma explicação — encontrou-se na narrativa oculta dentro da bola de cristal, sendo que achamos preferível dar antes notícias menos sucintas sobre a sua descoberta. Reproduzirei literalmente o relatório de Amos Green, o comandante do «Arabella Knowles», que foi quem a recolheu quando transportava carvão de Cardiff para Buenos Aires.

«Quarta-feira, 5 de janeiro de 1927. Latitude, 27°14′; longitude, 28° ocidental. Tempo calmo. Céu azul com cirros baixos. Mar bonançoso. Às duas horas o primeiro oficial participou que vira um objeto brilhante saltar a uma grande altura para fora do mar e cair de novo nas águas. À primeira vista supôs tratar-se de algum estranho peixe, mas examinando melhor com uma luneta viu que se tratava de um globo ou bola de aspecto metálico, e tão leve que parecia antes repousar do que flutuar propriamente na superfície das águas. Fui então chamado e vi o objeto em questão, do tamanho de uma bola de futebol, a brilhar a estibordo, cerca de uma milha distante do navio. Parei as máquinas e enviei um escaler sob as ordens do segundo piloto, que o recolheu e trouxe para bordo.

Examinando-o vimos tratar-se de uma bola feita de uma espécie de vidro muito resistente e cheia de um gás tão leve que, quando era atirada no ar, custava a cair, como essas bolas com que as crianças brincam. Era mais ou menos transparente e podíamos ver no interior qualquer coisa parecida com um rolo de papel. O vidro era porém tão resistente que tivemos enorme dificuldade em quebrar a bola para examinarmos o seu conteúdo. Um martelo não pôde quebrá-lo e só quando o engenheiro-chefe se lembrou de utilizar para isso as máquinas do navio é que conseguimos esmigalhá-la. Lamento ter de dizer que a mesma se dissolveu numa nuvem de partículas brilhantes, tendo sido impossível conseguir-se uma amostra de bom tamanho para ser examinada. O papel, contudo, ficou intato, e, tendo examinado o mesmo e visto que era de grande importância, guardamo-lo cuidadosamente com a.intenção de entregá-lo ao cônsul britânico, quando chegássemos ao Rio da Prata. Vivo no mar desde rapaz, há trinta e cinco anos, mas este é o fato mais extraordinário com que até hoje deparei e o mesmo dizem todos os homens de bordo. Deixo a interpretação disso tudo a pessoas mais capazes do que eu.»

Após este breve intróito daremos a narração de Cirus J. Headlei exatamente como foi escrita:

Para quem estou escrevendo? Creio poder dizer que para o mundo inteiro, mas como este endereço seria vago demais, dirigirei esta ao meu amigo Sir James Talbot, da Universidade de Oxford, em virtude de ter sido a ele que escrevi minha última carta, de que esta deverá ser considerada como continuação. Sei que há cem probabilidades contra uma de que mesmo que esta bola veja a luz do dia e não seja engolida de passagem por algum tubarão, permaneça indefinidamente sobre as águas sem nunca chamar a atenção dos marinheiros que passarem. Contudo, vale a pena tentar, e como Maracot também pretende enviar uma outra, é bem possível que consigamos levar nossa espantosa história ao conhecimento do mundo. Bem sei que poderá haver certa incredulidade por parte dos que lerem esta, mas, quando se tiver examinado a casca de vidrina da bola e seu conteúdo de gás levigênio, ver-se-á certamente que existe aqui algo que sai do ordinário. Tu pelo menos, Talbot, não a jogarás de lado sem a ler.

Se alguém quiser saber como começou tudo isto e o que queríamos fazer, encontrará tudo na carta que te escrevi a 1.° de outubro do ano passado, na véspera de deixarmos Porta de Ia Luz. Por São Jorge! se eu soubesse o que nos esperava, creio que me teria metido num bote e partido para terra naquela mesma noite… Todavia… é bem possível que mesmo com os olhos abertos eu permanecesse ao lado do Dr. Maracot e enfrentasse com ele a grande aventura. Pensando bem, não tenho dúvidas de que o faria.

Vou porém continuar minha história do dia em que deixamos a Grande Canária em diante.

Logo que saímos do porto, o velho Maracot pareceu positivamente pegar fogo. Chegara finalmente o momento de agir e toda a energia represada daquele homem admirável explodiu subitamente. Assumiu em pessoa a direção do navio e de todos e tudo o que nele se achava, sujeitando-os à sua vontade. O sábio distraído e secarrão desaparecera por completo, surgindo em seu lugar uma máquina elétrica humana, rumorosa de vitalidade e vibrante da grande força que a animava. Seus olhos brilhavam detrás de seus óculos como as chamas de uma lanterna. Parecia estar em toda parte ao mesmo tempo, anotando distâncias em seu mapa, comparando cálculos com o comandante, arrastando consigo Bill Scanlan, encarregando-me de cem pequenas coisas, mas tudo cheio de método e com um fim definido. Demonstrou insuspeitados conhecimentos de eletricidade e mecânica, e passava a maior parte do tempo a trabalhar em maquinismos, que Scanlan, sob suas ordens, estava agora cuidadosamente montando.

— Venha cá dar uma olhadela, Sr. Headlei — disse-me Bill na manhã do segundo dia. — O doutor é uma boa pessoa e um mecânico às direitas.

Apesar da desagradável impressão que tive de estar a olhar para o meu próprio ataúde, fui obrigado a reconhecer que não deixava de ser um mausoléu bem apresentável. O assoalho fora preso às quatro paredes de aço e vidraças redondas atarraxadas no centro de cada uma delas. Um pequeno alçapão dava ingresso pela parte superior e havia um outro ainda embaixo. Essa caixa de aço estava suspensa por um cabo pouco grosso, mas muito resistente, que passava sobre uma roldana e era manobrada pelo poderoso maquinismo que usáramos para nossas pescas em grandes profundidades. O cabo, ao que parecia, devia ter cerca de meia milha de comprimento e grande parte do mesmo se achava enrolada em sarilhos no tombadilho. Os tubos de borracha para renovar o ar eram do mesmo comprimento, e o fio do telefone estava preso aos mesmos, assim como os fios pelos quais se poderiam utilizar na iluminação da nossa caixa as baterias do próprio navio, embora tivéssemos também uma instalação elétrica independente.

Foi na tarde daquele dia que se fez parar as máquinas. O mar estava calmo, mas uma nuvem escura no horizonte anunciava uma provável tempestade. O único navio à vista era uma embarcação de três mastros que ostentava as cores norueguesas, e observamos que tinha as velas colhidas, como se esperasse mau tempo. Naquele momento, porém, tudo era propício e o «Stratford» vogava calmamente sobre um profundo oceano azul, apenas pincelado de branco aqui e além pelo sopro dos alísios. Bill Scanlan veio procurar-me em meu laboratório, dando, contrariamente a seu temperamento, mostras de viva agitação.

— Veja só, Sr. Headlei! exclamou; eles baixaram aquela caixa para um buraco no fundo do navio. Acha que o patrão descerá mesmo naquilo?

— Sem a menor dúvida, Bill. E eu também vou com ele.

— Pois estão os dois loucos varridos em pensar em tal coisa. Mas eu é que não os deixarei ir sós.

— Você não tem nada com este negócio, Bill.

— Pois eu já não penso assim. Que eu fique amarelo, como um chinês com icterícia se os deixar ir sozinhos. O pessoal de Merribank mandou-me aqui para cuidar do aparelho e se ele for para o fundo do mar é lógico que eu também devo ir para lá. Onde estiverem aqueles aparelhos de aço, esse será o endereço de Bill Scanlan — estejam os que o rodeiam loucos varridos ou não.

Foi inútil discutir com ele; assim, um membro mais foi acrescentado à nossa pequena associação de suicidas e ficamos à espera de ordens.

Toda a noite trabalharam incessantemente em preparativos, e após um rápido almoço na manhã seguinte, descemos para o porão, prontos para a aventura. A caixa de aço fora baixada a meio pelo falso fundo e um por um descemos pelo alçapão superior que foi fechado e parafusado depois de entrarmos, tendo o Capitão Howie apertado lügubremente a mão de cada um de nós ao passarmos por ele. Desceram-nos então mais alguns pés, fecharam o primeiro fundo sobre as nossas cabeças e fizeram com que a água envolvesse nossa caixa, para verificarmos se não penetrava no interior. A prova foi satisfatória: todas as junturas estavam bem adaptadas e não havia sinal da mais leve fenda. O segundo fundo do navio foi então aberto e fomos baixados no oceano, abaixo do nível do casco do navio.