Era realmente um compartimento pequeno, mas bem aparelhado e maravilhei-me do cuidado e previsão com que tudo fora organizado. Ainda não havíamos acendido as lâmpadas elétricas, mas a luz do sol semitropical jorrava pelas vidraças através da água verde-garrafa. Viam-se passar aqui e além peixes de pequeno porte, como traços brilhantes de prata contra o fundo verde. No interior havia uma espécie de banco que rodeava o pequeno compartimento, acima do qual se viam enfileirados um batímetro de quadrante para se lerem profundidades, um termômetro e outros instrumentos. Abaixo dos bancos via-se uma fileira de recipientes cilíndricos fechados, que continham nossa reserva de ar comprimido para o caso de os tubos condutores de ar pararem de funcionar. Estes tubos abriam-se acima de nossas cabeças e o aparelho telefônico pendia ao lado deles. Pudemos todos ouvir a voz do capitão, perguntando-nos do navio:
— Estão realmente resolvidos a ir?
— Estamos todos completamente à vontade, respondeu o Dr. Maracot impaciente. Desça lentamente nossa caixa e tenha sempre alguma pessoa no receptor. Dir-lhes-ei o que têm a fazer. Quando atingirmos o fundo, deixe tudo como estiver até que eu dê novas instruções. Não convém forçar muito o cabo de aço; um movimento lento de um par de nós por hora não será excessivo. E agora, — «Larguem!»
Ele soltara este brado numa voz de insano. Era o momento supremo de sua vida, o momento da execução de seu sonho mais caro. Durante um instante passou-me pelo espírito a idéia de que estávamos realmente em poder de um perigoso monomaníaco. Bill Scanlan teve a mesma idéia que eu, pois olhou-me com uma careta fúnebre e apontou para a testa. Mas, logo depois deste impulso de entusiasmo, Maracot tornou-se novamente o mesmo homem reservado e tranqüilo de sempre. Bastava aliás olharmos para a ordem e espírito de previsão que se mostrava em cada detalhe ao nosso redor para nos reassegurarmos da sanidade de seu espírito.
Mas agora toda a nossa atenção se voltara — para a espantosa viagem que se iniciara. Lentamente nossa caixa mergulhava nas profundezas do oceano. A água, de um verde claro, passou pouco a pouco a um escuro verde oliva. Este por sua vez transmudou-se aos poucos num belo azul, que gradualmente passou a um púrpura fusco. Cada vez descíamos mais baixo — cem pés, duzentos, trezentos pés. As válvulas funcionavam perfeitamente. Nossa respiração era tão fácil e natural como se estivéssemos no tombadilho do navio. Lentamente a agulha batimétrica se movia no quadrante luminoso. Quatrocentos, quinhentos, seiscentos. «Vai tudo bem?» perguntou uma voz ansiosa vinda de cima.
— O melhor possível — gritou Maracot em resposta. Mas a luz já nos ia faltando. Havia agora apenas uma leve claridade acinzentada que escurecia cada vez mais. — Pare! — gritou nosso chefe. Cessou nosso movimento e ficamos suspensos a uma altura de setecentos pés abaixo da superfície do oceano. Ouvi o Dr. Maracot apertar um botão e no mesmo instante éramos inundados pela viva luz de nossas lâmpadas, que, atravessando as janelas, revelavam aos nossos olhos longos trechos do mundo de água que nos cercava. Com os rostos colados às vidraças redondas, cada um em seu postigo, observávamos extasiados aquelas perspectivas que olhos humanos jamais haviam contemplado.
Até então, so conhecíamos essas camadas profundas pelos peixes, que, ou eram tardos demais para fugir à nossa grosseira rede envolvente, ou muito estúpidos para escapar a uma rede de arrasto. Agora, porém, víamos o admirável mundo das águas sob seu verdadeiro aspecto. Se o objeto da criação foi a produção do homem, é estranho que os oceanos sejam tão mais populosos que a terra. Nem Broadway numa noite de sábado, nem Lombard Street numa tarde de comércio eram mais movimentadas que os grandes espaços marinhos que se estendiam à nossa frente. Havíamos já ultrapassado as camadas superficiais em que os peixes ou são incolores ou das verdadeiras cores marinhas; azul ultramarino em cima e prata embaixo. Aqui, pelo contrário, víamos seres de todas as cores e formas imagináveis que a vida pelágica poderia criar. Delicados leptocéfalos ou enguias larvárias desfechavam através do túnel de iluminação como riscas de prata polida. As formas tardas e coleantes da murena, a lampreia das águas profundas ou a coratia preta, toda espinhos e boca, fugiam loucamente à vista de nossos rostos curiosos. Algumas vezes era um grande polvo que passava à nossa frente e nos olhava com sinistros olhos humanos, outras era alguma forma transparente da vida pelágica, cistoma ou glaucus, que emprestava à cena como que o encanto de uma flor. Uma enorme caranx ou cavala arremeteu furiosamente repetidas vezes contra nossa janela, até que o vulto escuro de um tubarão de sete pés se abateu sobre ela, fazendo-a desaparecer entre suas hiantes maxilas. O Dr. Maracot sentou-se com sua caderneta de notas no joelho, rabiscando rapidamente suas observações e monologando à meia voz comentários científicos. «Que será aquilo?» ouvia-o dizer. «Sim, sim, Chimoera mirabilis, como as obtidas por Michael Sars. Aquele deve ser certamente um lepidion. Uma nova espécie, ao que me parece. Observe aquele macrurus, Sr. Headlei; sua cor é completamente diversa da daquele que pegamos na rede.» Apenas uma vez o espanto o paralisou. Foi quando um longo objeto oval desceu velozmente em frente de sua vidraça, deixando uma cauda vibrátil atrás de si, que se estendia para cima e para baixo tão longe quanto podíamos avistar. Confesso que fiquei tão intrigado como o Dr. Maracot; mas Bill Scanlan esclareceu o mistério.
— Pelo que vejo aquele tonto de John Sweeney resolveu lançar sua sonda ao nosso lado. Uma brincadeira, decerto, para não nos sentirmos muito sós.
— Tem razão, exclamou Maracot rindo-se, Plumbus longicaudatus — um novo gênero, Sr. Headlei, com uma cauda de aço e chumbo no nariz. Mas não deixa de ser prudente fazerem sondagens para se conservarem bem em cima da elevação a que queremos chegar, que não é muito extensa. Pronto, capitão! gritou ele. Pode continuar a descer-nos!
E descemos cada vez mais. O Dr. Maracot apagou as luzes e tudo voltou à escuridão de antes, exceto o quadrante luminoso do batímetro que, com o movimento de seu ponteiro, registrava nossa descida contínua. Salvo uma leve oscilação de nossa caixa, quase não tínhamos consciência do movimento. Apenas aquele indicador sobre o quadrante nos revelava a situação temerosa e inconcebível em que nos encontrávamos. Achávamo-nos agora à profundidade de mil pés e o ar se tornava sensivelmente viciado. Scanlan lubrificou a válvula do tubo de descarga e a situação melhorou. A mil e quinhentos pés paramos novamente, suspensos no meio do oceano, com nossas luzes novamente acesas. Uma grande massa negra passou por nós, mas se seria um peixe-espada, um tubarão das grandes profundidades ou algum monstro de espécie desconhecida, foi-nos impossível determinar. O Dr. Maracot apagou rapidamente as luzes.
— É nisso que consistem nossos maiores riscos, disse ele; existem nas grandes profundidades entes contra cujo ataque esta caixa de aço teria tantas probabilidades de resistir como uma colméia à investida de um rinoceronte.
— Baleias, talvez, sugeriu Scanlan.
— As baleias podem realmente descer a grandes profundidades, respondeu o sábio. Viu-se mesmo uma baleia da Groenlândia arrastar consigo uma milha de corda em direção perpendicular. Mas só mesmo ferida ou muito atemorizada é que uma baleia desceria tanto. Poderia ter sido um polvo gigantesco. São encontrados em todos os níveis.