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— Bem, por esse lado não temos o que temer. Os polvos são moles demais para nos fazer mal. Queria ver o polvo capaz de furar o aço niquelado de Merribank.

— Seus corpos podem ser moles, respondeu o professor, mas o bico de um grande polvo pode furar até uma lâmina de aço e arrebentaria essas vidraças de uma polegada de espessura como se fossem pergaminho.

— Vamos Whittaker! gritou Bill — e continuamos nossa jornada vertical.

Por fim, suavemente, quase sem o sentirmos, a caixa se imobilizou. Tão leve fora o choque que nem teríamos dado pela parada se quando a luz se acendeu não nos tivesse mostrado grandes alças do cabo suspensor que caíam aos lados da nossa caixa de aço. Isto poderia tornar-se perigoso para os tubos de ar, por isso, a um brado incisivo de Maracot, foi o mesmo novamente içado. O mostrador marcava mil e oitocentos pés. Repousávamos sobre uma elevação vulcânica no fundo do Oceano Atlântico.

CAPÍTULO II

Durante algum tempo creio que sentimos todos a mesma impressão. Não pensávamos em ver nem em fazer coisa alguma. Desejávamos apenas, sentados em silêncio, procurar conceber aquela coisa espantosa — que nos encontrávamos bem no fundo de um dos grandes oceanos da Terra. Mas logo o estranho cenário que nos rodeava, iluminado em todas as direções pelas nossas luzes, arrastou-nos aos postigos. Havíamos descido sobre um leito de altas algas (Cutleria multifida, disse Maracot) cujas hastes amarelas ondeavam ao nosso redor, movidas por alguma corrente submarina profunda, exatamente como as ramagens de uma árvore se agitariam ao sopro de uma brisa de verão. Seu comprimento não dava para perturbar nossa visão, se bem que suas longas e finas folhas dourado-escuras passassem às vezes à frente de nossos olhos. Para além delas estendiam-se pequenas ondulações de um chão escuro, como coberto de escumalho, recobertas de seres de cores variegadas, holotúrias, ascídias e equinodermas, numa profusão maior que a dos jacintos e primaveras de um prado inglês num dia primaveril. Estas flores animadas do mar, algumas de um escarlate vivo, outras cor de púrpura ou de um róseo delicado, estendiam-se inumeráveis contra o fundo negro do chão. Aqui e além grandes esponjas se elevavam das fendas das rochas escuras e alguns peixes das médias profundidades, passando como relâmpagos de cor, atravessavam rápidos nosso círculo de luz. Estávamos a admirar deslumbrados a beleza daquele espetáculo quando ouvimos uma voz ansiosa perguntar pelo telefone:

— Então, como se sentem aí no fundo? Tudo está bem? Não se demorem muito, que o tempo não está me parecendo de bom agouro. Estão respirando com facilidade? Há mais alguma coisa que eu possa fazer pelos senhores?

— Tudo vai indo o melhor possível, capitão! gritou Ma-racot jovialmente. Não nos demoraremos muito. Estamos tão confortavelmente como em nossa cabina. Faça agora com que nos movam lentamente para a frente.

Havíamos chegado à região dos peixes luminosos e resolvemos por isso apagar nossas luzes para naquela absoluta escuridão que nos cercava — uma escuridão tal que uma placa sensível poderia aí permanecer durante uma hora sem que revelasse o mais leve traço de raios ultravioleta — contemplarmos a atividade fosforescente do oceano. Contra um fundo de um negro veludíneo viam-se pequenos pontos brilhantes movendo-se rapidamente, como as luzes dos postigos de um paquete à noite. Um monstro marinho qualquer possuía duas fileiras de dentes luminosos que se aproximavam e afastavam na escuridão de maneira assustadoramente bíblica. Outro era provido de antenas douradas e outro ainda de um penacho flamejante acima da cabeça. Até onde nossa vista alcançava, víamos pontos brilhantes luzindo nas trevas, cada pequeno ser ocupado consigo mesmo e iluminando seu caminho com tanta segurança como um táxi à hora do teatro no Strand. Mas logo depois acendíamos novamente nossas luzes e o doutor recomeçava suas observações sobre o fundo do mar.

— Apesar de já termos atingido uma boa profundidade, ainda não é suficiente para se estudar nenhum dos depósitos báticos característicos, disse ele. Estes estão inteiramente fora de nosso alcance por enquanto. Talvez que em outra ocasião, com um cabo mais longo…

— Desista disso! grunhiu Bill Scanlan. Esqueça essa idéia!

Maracot sorriu.

— Logo te aclimatarás com as grandes profundidades, Scanlan. Não será esta nossa única descida.

— A outra será para o inferno, sem dúvida! murmurou Bill.

— Mais tarde não darás mais importância a isto que a uma descida ao porão do «Stratford». Observe, Sr. Headlei, que o terreno sobre o qual estamos — pelo que dele podemos ver entre essa profusão de zoófitos e esponjas silicosas — é constituído de pedra-pomes e que essas formações pretas de basalto indicam remotas atividades plutônicas. Estou realmente inclinado a supor que esta elevação faz parte de uma formação vulcânica e que o Pélago de Maracot — disse ele enunciando amorosamente este título — representa a vertente desta montanha. Pensei que deveria ser uma interessante experiência mover vagarosamente nossa caixa até chegarmos à borda do mesmo, para ver as formações que existem nesse ponto. Esperaria encontrar um precipício de majestosas dimensões descendo em ângulo quase reto até as extremas profundezas do oceano.

Esta idéia me parecia um tanto perigosa, pois era difícil avaliar até que ponto nosso delgado cabo resistiria ao esforço deste movimento de lateralidade; mas para Maracot não existia em absoluto perigo nem para si nem para outrem quando tinha de ser feita uma observação científica. Prendi a respiração e o mesmo vi que fazia Bill Scanlan, quando um lento movimento de nossa caixa de aço dobrando à sua frente as hastes ondulantes das algas marinhas nos mostrou que enorme força de tração estava forçando o cabo. Este, contudo, suportou nobremente a prova e com um suave movimento começamos a deslizar lentamente pelo fundo do oceano. Maracot, com um compasso na mão, dava ordens quanto ao trajeto a seguir, ordenando uma ou outra vez que elevassem nossa caixa para evitar algum obstáculo do caminho.

— Esta elevação basáltica não pode ter mais de uma milha de extensão, explicou ele. Observei que o abismo devia achar-se a oeste do ponto em que fizemos nossa descida. Creio por isso que certamente chegaremos aí dentro de um tempo muito curto.

Deslizamos sem solavancos sobre aquela planície vulcânica, tapetada de algas e aformoseada pelas admiráveis jóias vivas com que a Natureza a ornara. Subitamente o professor precipitou-se para o telefone.

— Pare! bradou. Já chegamos!

Um medonho pego se abrira subitamente à nossa frente. Parecia uma visão de pesadelo. Penedias negras e brilhantes de basalto aprofundavam-se perpendicularmente no desconhecido. Suas bordas eram debruadas de finas laminárias oscilantes, semelhantes às samambaias que pendem nas bordas dos abismos terrestres, mas abaixo daquela orla movediça de vegetação só se viam as negras paredes luzidias do pélago. Víamos de cada lado estenderem-se as bordas deste enorme abismo até onde a vista alcançava, mas não podíamos avaliar sua extensão, pois nossas lâmpadas não conseguiam penetrar a obscuridade que estava à nossa frente. Quando voltamos uma lâmpada Lucas de sinais para baixo, vimos uma longa sucessão de declives que desciam, desciam, desciam até perder-se nas profundezas obscuras daquela tremenda voragem.

— É realmente admirável! exclamou Maracot com uma expressão satisfeita de proprietário no rosto magro e vivo. Quanto à profundidade, não necessito dizer que há muitos que o excedem. Temos, por exemplo, o Pélago de Challenger, de vinte e seis mil pés, próximo das Ilhas Ladrone; o Pélago de Planet, de trinta e dois mil pés, perto das Filipinas e muitos outros, mas é provável que o Pélago de Maracot seja sem igual quanto ao declive de suas margens, tendo ainda de notável o fato de ter escapado às pesquisas de tantos exploradores hidrográficos que estudaram o Atlântico. Sem a menor dúvida…