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Ele interrompera a frase em meio e uma expressão de intenso interesse e surpresa se imprimira em seu rosto. Bill Scanlan e eu, olhando por sobre os seus ombros, ficamos petrificados com o espetáculo que se deparou a nossos olhos.

Um enorme animal vinha subindo pelo túnel de luz que projetáramos no abismo. Bem ao longe, onde mal a luz alcançava, podíamos ver vagamente os movimentos irregulares de seu monstruoso corpo negro, em lenta ascensão. Caminhava de maneira desgraciosa, e aproximava-se com movimentos tardos das bordas do precipício. Agora que se aproximara mais estava iluminado em cheio pela luz e podíamos ver mais claramente suas formas horrendas. Era um animal desconhecido à ciência, embora apresentasse analogias com muitos seres que nos são familiares. Seu corpo era longo demais para ser comparável ao de um caranguejo gigantesco e curto demais para uma lagosta monstruosa; era mais parecido com um caranguejo de água doce, armado com suas duas enormes pinças, estendida uma de cada lado, e era provido de um par de antenas de dezesseis pés de comprimento, que se agitavam à frente de seus sinistros olhos negros. A carapaça de cor amarela pálida deveria ter dez pés de largura e seu comprimento total, excetuadas as antenas, não teria menos que trinta pés.

— Espantoso! exclamou Maracot, rabiscando desesperadamente em sua caderneta de notas. Olhos semipediculados, lamelas elásticas, família crustácea, espécie desconhecida. Crustaceus Maracoti — por que não?

— Co'os diabos, dê o nome que quiser, mas o fato é que ele está vindo para o nosso lado! exclamou Bill. Que acha de apagarmos nossas luzes, doutor?

— Apenas um momento enquanto anoto as reticulações, gritou o naturalista. É exatamente isso, não há dúvida. — Apertou o interruptor e voltamos à escuridão anterior, com aqueles pontos luminosos riscando a escuridão como meteoros numa noite sem lua.

— Aquele bicho tem uma aparência bem feroz, disse Bill. enxugando a testa. A impressão que tenho é a de uma ressaca depois de uma boa garrafa de Hoosh.

— Seu aspecto é realmente bem terrível, observou Maracot, e talvez fosse ainda mais terrível termos de nos avir com ele, se estivéssemos expostos àquelas monstruosas tenazes. Mas de dentro de nossa caixa de aço podemos examiná-lo em segurança e à vontade.

Mal havia falado quando se ouviu uma pancada como de uma picareta do lado de fora de nossa parede. Logo em seguida um longo som áspero como se a estivessem raspando e arranhando e uma outra pancada violenta.

— Ele quer entrar! exclamou Bill Scanlan, em tom alarmado. Co'os diabos, devíamos ter pintado do lado de fora um «É proibida a entrada». Sua voz trêmula mostrava como era forçado seu gracejo e confesso que meus joelhos tremiam ao ver a sombra negra daquele monstro passar sucessivamente em frente de cada uma das janelas que ele ainda mais escurecia, a examinar aquela estranha concha que, se conseguisse quebrar, deveria conter o seu alimento.

— Ele não nos poderá fazer mal — disse Maracot, mas havia agora menos segurança no tom de sua voz. — Contudo, talvez seja melhor nos afastarmos dele.

Chegando perto do tubo telefônico, gritou ao capitão:

— Eleve-nos uns vinte ou trinta pés!

Poucos segundos depois, éramos levantados da planície de lava e balançávamos suavemente na água. Mas o terrível monstro era pertinaz. Após um intervalo muito curto, ouvíamos novamente o raspar de suas antenas e as batidas fortes de suas tenazes, a examinar nossa caixa. Era horrível aquela espera silenciosa na escuridão, sabendo-se que a morte estava tão próxima. Se aquelas pinças poderosas caíssem sobre as vidraças resistiriam estas ao choque? Era esta a pergunta inexpressa que passava pelo espírito de todos nós.

Mas subitamente um perigo inesperado e ainda mais temível se apresentou. Aqueles golpes haviam passado para a parte superior de nosso pequeno compartimento e este começara a balançar ritmicamente de um lado para outro.

— Santo Deus! exclamei. Ele agarrou o cabo! Seguramente o cortará!

— Olhe, doutor, acho melhor subirmos. Creio que já vimos o que viemos ver e é melhor voltarmos para nossas casas. Mande subir o elevador e deixemo-nos de brincadeiras com esse bicho.

— Mas ainda não fizemos nem metade do nosso trabalho! grasnou Maracot. Mal começamos a explorar as bordas do Pélago. Pelo menos vejamos qual é a sua largura. Quando tivermos chegado ao outro lado dar-me-ei por satisfeito. — Voltou-se para o tubo: — Tudo bem, capitão. Navegue a dois nós horários até eu ordenar que pare.

Começamos a nos mover lentamente afastando-nos da borda do abismo. Desde que a escuridão não nos salvara do ataque, resolvemos acender as luzes novamente. Um dos postigos estava inteiramente obscurecido pelo que parecia ser o ventre do monstruoso crustáceo. Sua cabeça e suas grandes pinças estavam em ação acima de nós e ainda continuávamos a balançar de um para outro lado, como um sino a badalar. A força daquele animal deveria ser enorme. Quando um grupo de homens já se teria visto em tal situação, com cinco milhas de água abaixo e um tão horrível monstro acima? As oscilações se tornavam cada vez mais violentas. Ouvimos pelo tubo a voz agitada do capitão que notara os balanços do cabo e Maracot pôs-se de pé num pulo com as mãos estendidas desesperadamente para cima. Mesmo de dentro de nossa caixa percebemos o ruído dos fios do cabo arrebentando e dali a um instante tombávamos no desmesurado pego que se abria a nossos pés.

Quando volto o olhar para aquele horrível instante, recordo-me como num sonho de ter ouvido um brado selvagem de Maracot.

— O cabo partiu-se! Nada podem fazer! Estamos todos perdidos! gritava ele agarrado ao telefone. Adeus, capitão, adeus a todos!

Foram estas as nossas últimas palavras ao mundo dos homens. Não caímos rapidamente, como poderias imaginar. Apesar do peso de nossa caixa, o fato de ser oca tornava-a relativamente leve e era por isso lenta e suavemente que mergulhávamos no abismo. Ouvimos um som áspero ao escaparmos por entre as garras do horrível monstro que fora nossa ruína e despencamos com um lento movimento giratório pelas profundezas abissais. Deviam ter decorrido cinco minutos, que contudo nos pareceram uma hora, até o momento em que alcançamos o limite de nosso fio telefônico, que foi arrebentado como se fosse um fio de linha. Nossos tubos de ar romperam-se quase ao mesmo tempo e a água salgada penetrou em jorros pelos orifícios interiores dos mesmos. Com movimentos rápidos e prontos, Bill Scanlan amarrou cordas ao redor de cada um dos tubos de borracha e assim interrompeu a inundação que se iniciava, enquanto o doutor soltava o nosso ar comprimido, que saiu silvando dos tubos. A luz se apagara quando o fio arrebentou, mas mesmo no escuro Maracot conseguiu pôr em atividade as pilhas secas de Hellesens, que acenderam algumas lâmpadas do teto.

— Darão para uma semana, disse ele com um sorriso forçado. Pelos menos não morreremos no escuro. — Sacudiu a cabeça tristemente e um sorriso de compaixão perpassou-lhe pelas feições pálidas. — Que isto sucedesse a mim era justo. Sou um homem velho e já vivi demais. Só lamento é ter trazido comigo dois jovens cheios de vida. Deveria ter corrido o risco sozinho.

Limitei-me a apertar sua mão para confortá-lo, pois na verdade não havia nada que eu pudesse dizer. Bill Scanlan também permaneceu silencioso. Lentamente mergulhávamos, tendo apenas consciência da nossa velocidade pelas sombras de peixes que víamos perpassar em frente de nossas janelas. Parecia antes serem eles que se precipitavam para cima do que nós que descíamos. Nossa caixa ainda continuava a oscilar e não havia nada que a impedisse de voltar-se de lado ou virar de cabeça para baixo. Seu peso, felizmente, estava distribuído de modo tal que o assoalho se conservava estàvelmente para baixo. Olhando para o batímetro, vi que já atingíramos a profundidade de uma milha.