— Como vê, sucede realmente o que eu previa, observou Maracot com alguma negligência. Certamente leu meu artigo nos Relatórios da Sociedade Oceanográfica sobre a relação existente entre a pressão e a profundidade. Desejava poder mandar ao mundo duas palavras, nem que fosse apenas para confundir Bulow de Giessen, que ousou contradizer-me.
— Co'os diabos! Se eu pudesse mandar de volta duas palavras para o mundo, não as gastaria com um careca qualquer, suspirou o mecânico. Há em Filadélfia uma bela pequena que derramará lágrimas quando souber que Bill Scanlan se foi. Mas enfim, não deixa de ser uma morte bem apresentável.
— Você não deveria ter vindo, disse eu tomando-lhe a mão.
— Mas que papelão não seria o meu se eu não viesse? replicou ele. Não, não, eu devia vir e estou satisfeito por ter vindo.
— Quanto tempo teremos de vida? perguntei ao doutor após uma pausa.
Ele encolheu os ombros.
— Sempre teremos tempo para ver o verdadeiro fundo do oceano, disse ele. Há em nossos tubos ar bastante para a maior parte de um dia. O que nos prejudicará mais serão os produtos residuais. Se nos pudéssemos libertar do anidrido carbônico…
— Isso vejo que é impossível.
— Há um tubo de oxigênio puro. Trouxe-o para caso de acidente. Um pouco disso de tempos a tempos servirá para nos prolongar a vida.
— Mas, para que prolongar a vida? Quanto mais depressa vier o desenlace melhor, disse eu.
— Isso mesmo, exclamou Scanlan. Acabemos com isto logo de uma vez.
— Deixando de contemplar o espetáculo mais extraordinário que olhos humanos já viram! exclamou Maracot. Seria uma traição à ciência. Observemos os acontecimentos até o fim, mesmo que o que virmos esteja condenado a permanecer para sempre enterrado em nossos corpos.
— Seja então, doutor! exclamou Bill Scanlan. Vejamos o espetáculo até o fim.
Sentâmo-nos os três pacientemente nos bancos, que acompanhavam as oscilações e giros de nossa caixa, segurando em suas bordas com os dedos contraídos, enquanto continuávamos a ver os peixes se precipitarem velozmente para cima através dos postigos.
— Já estamos a três milhas de profundidade, observou Maracot. Vou abrir a torneira de oxigênio, Sr. Headlei, pois este já se acha bem rarefeito. Pelo menos uma coisa é certa — acrescentou com sua risada áspera — é que certamente esta depressão se chamará Pélago de Maracot daqui por diante. Quando o Capitão Howie contar tudo, meus colegas reconhecerão que meu túmulo é também o meu monumento. Mesmo Bulow de Giessen… E articulou qualquer queixa científica ininteligível, que nenhum de nós ouviu.
Recaímos novamente em nosso silêncio, observando o ponteiro que caminhava agora para a quarta milha. A certo ponto batemos contra qualquer coisa que abalou tão violentamente nossa caixa, que receei se voltasse de lado. Poderia ter sido um enorme peixe ou então haveríamos possivelmente abalroado com alguma aresta de penedia contra a qual fôramos precipitados. Aquela borda que antes nos parecera tão assombrosamente profunda, parecia-nos agora, das profundezas em que nos achávamos, ser quase a superfície. Cada vez mais nos aprofundávamos, girando e girando por aquelas águas verde-negras. O quadrante registrava agora vinte e cinco mil pés.
— Estamos quase no fim de nossa jornada, disse Maracot. Meu indicador Scott deu-me vinte e seis mil e setecentos pés no ano passado, no ponto mais profundo. Dentro de poucos minutos se decidirá nossa sorte. É possível que sejamos esmagados pelo choque. É também possível…
E naquele momento chegamos ao fundo.
Nem uma criança colocada por sua mãe num leito de penas desceria aí mais suavemente do que nós no extremo fundo do Oceano Atlântico. A espessa e elástica camada de lodo sobre a qual caíramos comportou-se como um verdadeiro pára-choque, que nos preservou do mais leve abalo. Mal nos movêramos no banco em que nos achávamos e foi bom isto, pois descêramos sobre uma pequena elevação recoberta de uma densa camada daquela lama gelatinosa e oscilávamos brandamente de um lado para outro, com quase metade de nossa base em falso. Havia perigo de tombarmos de lado, mas finalmente nossa caixa se estabilizou, imobilizando-se. Assim que isto sucedeu, o Dr. Maracot, olhando através de seu postigo, deu um grito de surpresa e apagou rapidamente nossas luzes.
Observamos cheios de espanto que mesmo assim ainda podíamos ver claramente. Havia do lado de fora uma luz pálida e nevoenta que jorrava para o interior através dos postigos, como a fria claridade de uma manhã de inverno. Contemplávamos aquela estranha cena e sem auxílio de nossas luzes podíamos ver claramente até algumas centenas de jardas para todos os lados. Era impossível, inconcebível, mas a despeito de tudo nossos sentidos nos diziam que era uma realidade. O fundo do grande oceano é luminoso.
— Por que não? exclamou Maracot, após termos passado um minuto ou dois em muda contemplação. Pois não poderíamos ter previsto isso? O que representa este lodo de pterópodos ou globigerinas? Pois não é formado pelos produtos de degradação, pelos corpos conglutinados de bilhões e bilhões de seres orgânicos? E essa degradação não está comumente associada a fenômenos de fosforescência? Em que parte de toda a criação se poderia esperar encontrar tal espetáculo senão aqui? Ah! é realmente lamentável que tivéssemos ocasião de fazer tal verificação e nos seja impossível transmitir este nosso conhecimento ao mundo.
— Todavia, observei, nós conseguimos cerca de meia tonelada desta geléia de radiolários e não observamos tal luminosidade.
— Certamente a teria perdido em sua longa viagem para a superfície. Além disso, que representa meia tonelada comparada com estas extensas planícies de lenta putrescência? Mas veja, veja — exclamou ele subitamente cheio de agitação — os habitantes das grandes profundidades pastam sobre este tapete orgânico como nossos rebanhos da terra pastam nos prados!
Enquanto ele falava, um bando de peixes negros, de formas pesadas e achatadas, aproximava-se de nós, fossando entre saliências de aspecto esponjoso e mordiscando aqui e além no seu caminho. Um grande peixe vermelho, como uma estranha vaca do oceano, ruminava pacientemente seu alimento em frente de meu postigo, e outros estavam pastando aqui e além, levantando a cabeça de tempos a tempos para olhar aquele extravagante objeto que tão subitamente surgira entre eles.
Admirava-me o devotamento de Maracot, que sentado a respirar aquela atmosfera viciada, sob a sombra da morte próxima, ainda obedecia ao apelo da ciência e garatujava observações em sua caderneta. Embora sem seguir seu método preciso, tomava também minhas notas mentais que permanecerão para sempre estampadas como uma pintura em meu cérebro. As mais profundas planícies do oceano consistem em argila vermelha, mas, no lugar em que estávamos, esta era mascarada por uma camada daquele limo acinzentado, que formava uma planície ondulada até onde nossos olhos podiam alcançar. Esta planície não era inteiramente regular; apresentava numerosas e estranhas elevações como aquela em que nos achávamos, a luzir pàlidamente naquela luz espectral. Por entre estas pequenas colinas desfechavam grandes nuvens de estranhos peixes, muitos dos quais completamente desconhecidos à ciência, exibindo todas as tonalidades de cor, com predominância, contudo, do preto e do vermelho. Maracot observava-os com mal contida agitação e registrava-os em suas notas.
O ar se tornara muito viciado e novamente fomos obrigados a recorrer a um novo desprendimento de oxigênio. E o que é curioso é que estávamos positivamente esfomeados; caímos com a melhor boa vontade do mundo sobre o bife com pão e manteiga, regado a uísque e água com que a previdência de Maracot nos havia provido. Com os sentidos estimulados por esta refeição reconfortadora, sentara-me em frente ao meu postigo ansioso por um cigarro quando meus olhos caíram sobre qualquer coisa que acordou em meu espírito um turbilhão de pensamentos estranhos e reminiscências confusas.