— Gostou da moça que lhe enviei? — perguntou Illyrio.
— Se quisesse uma moça, teria pedido uma moça.
— Se ela não conseguiu agradar…
— Ela fez tudo o que lhe foi pedido.
— Espero que sim. Foi treinada em Lys, onde transformam o amor em arte. O rei gostava muito dela.
— Eu mato reis, não te disseram? — Tyrion lançou um sorriso maligno por cima da sua taça de vinho. — Não quero sobras régias.
— Como quiser. Comamos. — Illyrio baseu palmas e apareceram criados correndo.
Começaram por um caldo de caranguejo e tamboril, e também sopa fria de lima com ovo. Depois vieram codornas em mel, um lombo de carneiro, fígados de ganso afogados em vinho, cherovias em manteiga e leitão. Ver tudo aquilo fez Tyrion sentir-se nauseado, mas forçou-se a provar uma colher de sopa, a bom da educação, e depois de prová-la ficou perdido. As cozinheiras podiam ser velhas e gordas, mas conheciam o seu ofício. Nunca comera tão bem, nem mesmo na corte.
Enquanto chupava a carne dos ossos da sua codorniz, interrogou Illyrio sobre a convocatória da manhã. O gordo encolheu os ombros.
— Há problemas no leste. Astapor caiu e Meereen também. Cidades escravagistas ghiscarianas que já eram velhas quando o mundo era novo. — O leitão já fora trinchado. Illyrio estendeu a mão para um bocado de pele, mergulhou-o num molho de ameixa e comeu-o com os dedos.
— A Baía dos Escravos é muito longe de Pentos. — Tyrion atravessou um fígado de ganso com a ponta da faca. Não há homem mais maldito do que o assassino de parentes, refletiu, mas eu podia aprender a gostar deste inferno.
— Isso é verdade — concordou Illyrio — mas um mundo é uma grande teia, e um homem não se atreve a tocar num fio que seja com medo de que todos os outros tremam. Mais vinho? — Illyrio enfiou um pimenta na boca. — Não, uma coisa melhor. — Baseu palmas. Ao ouvir o som, um criado entrou com um prato tapado. Pousou-o na frente de Tyrion, e Illyrio debruçou-se por cima da mesa para erguer a tampa.
— Cogumelos — anunciou o magíster, enquanto o cheiro se espalhava. — Beijados com alho e banhados em manteiga. Dizem-me que o gosto é requintado. Coma um, meu amigo. Coma dois. Tyrion tinha um cogumelo negro a meio caminho da boca, mas algo na voz de Illyrio o fez parar de repente.
— Depois de você, senhor. — Empurrou o prato na direção do anfitrião.
— Não, não. — O Magíster Illyrio empurrou os cogumelos de volta. Durante um segundo, pareceu que um rapaz traquina estava espreitando de dentro da carne inchada do queijeiro. — Depois de você. Insisto. A cozinheira os fez especialmente para você.
— Ah fez, foi? — recordou a cozinheira, a farinha nas suas mãos, os pesados seios cobertos de veias azuis escuras. — Isso foi gentil da parte dela, mas… não. — Tyrion voltou a pousar o cogumelo no lago de manteiga do qual emergira.
— É muito desconfiado. — Illyrio sorriu através da barba amarela bifurcada. Oleada todas as manhãs para fazê-la cintilar como ouro, suspeitou Tyrion. — É covarde? Não tinha ouvido dizer isso de vós.
Nos Sete Reinos considera-se que envenenar os hóspedes ao jantar é uma grave quebra de hospitalidade.
— Aqui também. — Illyrio Mopatis estendeu a mão para a taça de vinho. — Mas quando um hóspede deseja claramente pôr fim à própria vida, bem, o anfitrião deve fazer-lhe a vontade, não? — Bebeu um gole. — O Magíster Ordello foi envenenado por um cogumelo ainda não há meio ano. A dor não é muito grande, segundo ouvi dizer. Algumas cãibras nas tripas, uma dor súbita debaixo dos olhos, e acabou-se. É melhor um cogumelo do que uma espada espetada no pescoço, não é verdade? Por que morrer com o sabor do sangue na boca, quando podia ser manteiga e alho?
O anão estudou o prato que tinha na frente. O cheiro do alho e da manteiga o fez salivar. Uma parte dele desejava aqueles cogumelos, mesmo sabendo o que eram. Não era suficientemente corajoso para acolher aço frio na barriga, mas um pouco de cogumelo não seria assim tão difícil. Isso o assustou mais do que poderia expressar.
— Está enganado a meu respeito — ouviu-se dizendo.
— Ah sim? Interessante. Se preferir se afogar em vinho, diga, e isso será feito, e depressa. Afogar-lhe taça a taça gasta tanto tempo como vinho.
— Está enganado a meu respeito — voltou Tyrion a dizer, mais alto. Os cogumelos em manteiga cintilavam à luz das lâmpadas, escuros e convidativos. — Não tenho qualquer desejo de morrer, garanto-vos. Tenho…
— A sua voz desvaneceu-se na incerteza. Que tenho eu? Uma vida para viver? Trabalho a fazer? Filhos para criar, terras para governar, uma mulher para amar?
— Não tendes nada — concluiu o Magíster Illyrio — mas podemos mudar isso. — Extraiu um cogumelo da manteiga e mastigou-o com vigor.
— Delicioso.
— Os cogumelos não estão envenenados. — Tyrion estava irritado.
— Pois não. Porque haveria eu de querer seu mal? — O Magíster Illyrio comeu outro. — Temos de mostrar um pouco de confiança, você e eu. Venha, coma. — Voltou a bater palmas. — Temos trabalho a fazer. O meu pequeno amigo tem de conservar as forças.
Os criados trouxeram uma garça-real recheada de figos, costeletas de vitela branqueadas com leite de amêndoa, arenques com natas, cebolas cristalizadas, queijos malcheirosos, pratos de caracóis e timos de vitela fritos, e um cisne negro na sua plumagem. Tyrion recusou o cisne, que lhe fazia lembrar um jantar com a irmã. Mas serviu-se da garça e dos arenques, e de algumas das cebolas doces. E os criados voltavam a encher-lhe a taça de vinho sempre que a esvaziava.
— Bebe bastante vinho, para um homem tão pequeno.
— Matar parentes é trabalho seco. Um homem fica com sede.
Os olhos do gordo cintilaram como as pedras preciosas que tinha nos dedos.
— Há em Westeros quem diga que matar Lorde Tywin foi meramente um bom começo.
— É melhor que não o digam ao alcance dos ouvidos da minha irmã, senão dão por si com uma língua a menos. — O anão partiu ao meio uma fatia de pão. — E é melhor que tenha cuidado com o que diga sobre a minha família, magíster. Assassino de parentes ou não, continuo a ser um leão.
Aquilo pareceu divertir imensamente o senhor dos queijos. Deu uma palmada numa coxa carnuda e disse:
— Voces, de Westeros, são todos iguais. Cosinham um animal qualquer num bocado de seda, e de repente são todos leões, dragões ou águias. Posso trazer-lhe um leão verdadeiro, meu amiguinho. O príncipe tem um grupo de leões na sua coleção. Gostaria de partilhar a jaula com eles? Tyrion tinha de admitir que os senhores dos Sete Reinos realmente dessem muita importância aos seus símbolos.
— Muito bem — concedeu. — Um Lannister não é um leão. Mas continuo a ser filho do meu pai, e Jaime e Cersei são para eu matar.
— Que estranho que mencione a sua bela irmã — disse Illyrio, entre caracóis. — A rainha ofereceu uma senhoria ao homem que traga-lhe a sua cabeça, por mais humilde que seja o seu nascimento. Tyrion não esperava outra coisa.
— Se tenciona aceitar a senhoria, obrige-a também a lhe abrir as pernas. A melhor parte de mim pela melhor parte dela, um negócio justo é assim.