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— Pessoalmente preferiria receber o meu peso em ouro. — O queijeiro riu-se com tanta força que Tyrion temeu que estivesse a ponto de explodir. — Todo o ouro do Rochedo Casterly, porque não?

— O ouro posso dar-lhe — disse o anão, aliviado por não estar prestes a afogar-se numa poça de enguias e timos semi-digeridos — mas o Rochedo é meu.

— Precisamente. — O magíster tapou a boca e soltou um poderoso arroto. — Julga que o Rei Stannis lhe daria? Ouvi dizer que ele é grande amigo da lei. O seu irmão usa o manto branco, portanto, segundo todas as leis de Westeros, você é o herdeiro.

— Stannis podia perfeitamente conceder-me o Rochedo Casterly —disse Tyrion — se não fosse o pequeno problema de regicídio e assassinato de parentes. Por isso, me encurtaria uma cabeça e eu já sou suficientemente curto. Mas porque haverei de pensar que eu pretendo juntar-me ao Lorde Stannis?

— Por que outro motivo iria para a Muralha?

— Stannis está na Muralha? — Tyrion esfregou o nariz. — O que, pelo raio dos sete infernos, está Stannis fazendo na Muralha?

— Tremendo, julgo eu. Lá em baixo, em Dorne, faz mais calor. Talvez devesse ter navegado para esse lado.

Tyrion estava começando a suspeitar de que certa lavadeira sardenta conhecia mais da fala comum do que fingira.

— Calha que a minha sobrinha Myrcella está em Dorne. E tenho uma ideiazinha de fazer dela rainha.

Illyrio sorriu enquanto os criados os serviam tigelas de cerejas negras.

— Que lhe fez essa pobre criança para desejar a sua morte?

— Nem mesmo um assassino de parentes é obrigado a matar todos os seus parentes — disse Tyrion, magoado. — Eu falei em coroá-la, não em matá-la. O queijeiro encheu uma colher de cerejas e a levou à boca.

— Em Volantis usa-se uma moeda com uma coroa de um lado e a cabeça da morte do outro. Mas é a mesma moeda. Coroá-la é matá-la. Dorne pode erguer-se por Myrcella, mas Dorne sozinho não chega. Se for tão esperto como o nosso amigo insiste que seja, sabe disso.

Tyrion olhou para o gordo com um novo interesse. Ele tem razão numa coisa e na outra. Coroá-la é matá-la. E eu sabia disso.

— Tudo o que me resta são gestos fúteis. Este, pelo menos, faria a minha irmã chorar lágrimas amargas. O Magíster Illyrio limpou creme da boca com as costas da mão gorda.

— A estrada para o Rochedo Casterly não passa por Dorne, meu pequeno amigo. E também não passa à sombra da Muralha. Mas essa estrada existe, digo-lhe.

— Sou acusado de traição, de regicídio e de assassínato de parentes. — Aquela conversa sobre estradas aborrecia-o. Julgará ele que isto é um jogo?

— O que um rei faz, outro pode desfazer. Em Pentos temos um príncipe, meu amigo. Ele preside os bailes e às festas e anda pela cidade num palanquim de ouro e marfim. Três arautos seguem à sua frente com a balança dourada do comércio, a espada de ferro da guerra, e o chicote de prata da justiça. No primeiro dia de cada novo ano, ele tem de deflorar a donzela dos campos e a donzela dos mares. — Illyrio inclinou-se para frente, de cotovelos apoiados na mesa. — Mas se uma colheita falhar ou uma guerra for perdida, cortamos a sua garganta para apaziguar os deuses e escolhemos um novo príncipe entre as quarenta famílias.

— Faça-me lembrar para nunca me tornar Príncipe de Pentos.

— Serão os seus Sete Reinos assim tão diferentes? Não há paz em Westeros, não há justiça, não há fé… e muito em breve não haverá comida. Quando os homens passam fome e estão doentes de medo, procuram um salvador.

— Podem procurar, mas se tudo o que encontrarem for Stannis…

— Stannis não. Nem Myrcella. — O sorriso amarelo alargou-se. — Outro. Mais forte do que Tommen, mais gentil do que Stannis, com melhor pretensão do que a jovem Myrcella. Um salvador vindo do outro lado do mar para ligar as feridas da ensanguentada Westeros.

— Belas palavras. — Tyrion não estava impressionado. — Palavras são como vento. Quem é o raio desse salvador?

— Um dragão. — O queijeiro viu a expressão no rosto de Tyrion ao ouvir aquilo e riu. — Um dragão com três cabeças.

DAENERYS

Conseguia ouvir o morto subindo as escadas. O som lento e medido dos passos aproximava-se à sua frente, ecoando por entre os pilares purpúreos do seu salão. Daenerys Targaryen aguardava-o sentada no banco de ébano que adotara como trono. Os seus olhos estavam suaves de sono, o cabelo de um loiro prateado estava todo despenteado.

 — Vossa Graça — disse Sor Barristan Selmy, o Senhor Comandante da sua Guarda Real — não há necessidade de ver isto.

 — Ele morreu por mim. — Dany apertou ao peito a pele de leão. Por baixo, uma simples túnica de linho cobria-a até meio das coxas. Estava sonhando com uma casa com uma porta vermelha quando Missandei a acordara. Não houvera tempo para se vestir.

— Khaleesi — sussurrou Irri — não deveria tocar no morto. Tocar nos mortos dá azar.

— Menos os que fora você a matar. — Jhiqui tinha ossos maiores do que Irri, e possuía ancas largas e seios pesados. — Isso é sabido.

— É sabido — concordou Irri.

Os dothraki eram sábios no que dizia respeito a cavalos, mas conseguiam ser completos tolos em quase todo o resto. E, além disso, elas não passam de meninas. As aias tinham a mesma idade que ela; mulheres feitas na aparência, com cabelos negros, pele acobreada e olhos amendoados, mas apesar disso meninas. Tinham-lhe sido dadas quando se casara com Khal Drogo. Fora Drogo que lhe dera a pele que usava, a cabeça e pele de um hrakkar, o leão branco do mar dothraki. Era grande demais para ela, e tinha um cheiro boloroso, mas fazia-a se sentir como se o seu sol-e-estrelas ainda estivesse perto de si.

Verme Cinzento apareceu primeiro no topo dos degraus, com um archote na mão. O seu capacete de bronze estava elevado por três espigões. Atrás dele seguiam quatro dos seus Imaculados, trazendo o morto aos ombros. Os capacetes deles tinham um só espigão, e as caras mostravam tão pouco que podiam ter sido também moldadas em bronze. Depuseram o cadáver a seus pés. Sor Barristan afastou o sudário manchado de sangue. Verme Cinzento baixou o archote para ela conseguir ver.

A cara do morto era lisa e sem pelos, embora as bochechas lhe tivessem sido cortadas de orelha a orelha. Foi um homem alto, de olhos azuis e rosto claro. Algum filho de Lys ou da velha Volantis, arrancado de um navio por corsários e vendido como escravo na rubra Astapor. Embora tivesse os olhos abertos, eram as feridas que sangravam. Havia mais feridas do que conseguia contar.

— Vossa Graça — disse Sor Barristan — havia uma harpia desenhada nos tijolos no beco onde ele foi encontrado…

—… desenhada em sangue. — Por aquela altura já Daenerys sabia como eram as coisas. Os Filhos da Harpia faziam a carnificina à noite, e por cima de cada morto deixavam a sua marca. — Verme Cinzento, porque estava este homem sozinho? Não tinha parceiro? — Por ordem sua, quando os Imaculados percorriam as ruas de Meereen à noite caminhavam sempre aos pares.

— Minha rainha — respondeu o capitão — o seu criado Escudo Vigoroso não tinha deveres a cumprir ontem à noite. Tinha ido a… a um certo lugar… para beber, e obter companhia.

— Um certo lugar? Que quer dizer?