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Quando os três emergiram a norte da Muralha, a neve estava caindo continuamente. Uma irregular manta branca cobria a terra rasgada e torturada que se estendia da Muralha ao limite da floresta assombrada. Jon Snow e os seus irmãos negros estavam reunidos em volta de três lanças a uns vinte metros de distância.

As lanças tinham dois metros e meio de comprimento e eram feitas de freixo. A da esquerda tinha uma ligeira curvatura, mas as outras duas eram lisas e direitas. No topo de cada uma estava empalada uma cabeça cortada. As barbas estavam cheias de gelo, e a neve que caía dera-lhes capuzes brancos. Onde os olhos tinham estado, só restavam órbitas vazias, buracos negros e sangrentos que olhavam para baixo numa acusação silenciosa.

— Quem eram? — perguntou Melisandre aos corvos.

— Jack Negro Bulwer, Hal Peludo e Garth Greyfeather — disse Bowen Marsh com solenidade. — O chão está meio congelado. Os selvagens devem ter levado metade da noite cravando as lanças tão profundamente. Ainda podem estar por perto. A observar-nos. — O Senhor Intendente semicerrou os olhos para a fileira de árvores.

— Podia estar uma centena deles ali — disse o irmão negro com a cara severa. — Podia estar um milhar.

— Não — disse Jon Snow. — Deixaram as suas prendas no cerrado da noite, e depois fugiram. — O enorme lobo gigante branco caminhou em volta das hastes, farejando, após o que levantou a pata e mijou na lança que sustentava a cabeça do Jack Negro Bulwer. — Fantasma apanharia o cheiro deles se ainda andassem por aqui.

— Espero que Chorão tenha queimado os corpos — disse o homem severo, aquele a quem chamavam Edd Doloroso. — Senão, podem vir à procura das cabeças.

Jon Snow agarrou na lança que sustentava a cabeça de Garth Greyfea- ther e arrancou-a violentamente do chão.

— Puxem as outras duas — ordenou, e quatro dos corvos apressaram-se a obedecer.

As bochechas de Bowen Marsh estavam vermelhas do frio.

— Nunca devíamos ter enviado patrulheiros para o exterior.

— Isto não é nem o local nem o momento para remexer nessa ferida. Aqui não, senhor. Agora não. — Aos homens que lutavam com as lanças, Snow disse: — Levem as cabeças e queime-as. Não deixe nada a não ser osso limpo. — Só então pareceu reparar em Melisandre. — Senhora. Venha comigo, por favor.

Finalmente.

— Se aprouver ao senhor comandante.

Enquanto caminhavam sob a Muralha, ela deu-lhe o braço. Morgan e Merrel seguiam à frente deles, Fantasma seguia-os. A sacerdotisa não falou, mas abrandou deliberadamente o passo, e onde passava o gelo começava a pingar. Ele não deixará de reparar nisto.

Sob a grade de ferro de um alçapão, Snow quebrou o silêncio, como ela soubera que quebraria.

— E os outros seis?

— Não os vi — disse Melisandre.

— Procurará?

— Claro, senhor.

— Recebemos um corvo de Sor Denys Mallister na Torre Sombria — disse-lhe Jon Snow. — Os seus homens viram fogueiras nas montanhas do outro lado da garganta. Selvagens reunindo-se, na opinião de Sor Denys. Pensa que vão outra vez tentar forçar passagem pela Ponte de Crânios.

— Alguns podem fazê-lo. — Poderiam os crânios na sua visão significar aquela ponte? Sem que soubesse por que, Melisandre achava que não. — Se vier, esse ataque não será mais do que uma manobra de diversão. Vi torres junto ao mar, submersas sob uma maré negra e sangrenta. Será aí que cairá o golpe mais pesado.

— Atalaialeste?

Seria? Melisandre vira Atalaialeste-do-Mar com o Rei Stannis. Foi alí que Sua Graça deixara a Rainha Selyse e a filha de ambos, Shireeen, quando reuniram os cavaleiros para a marcha para Castelo Negro. As torres no seu fogo tinham sido diferentes, mas era frequentemente assim que as coisas se passavam com as visões.

— Sim. Atalaialeste, senhor.

— Quando?

Ela abriu as mãos.

— Amanhã. Dentro de uma volta de Lua. Dentro de um ano. E pode ser que se agir possa evitar por completo aquilo que eu vi. — De outra forma, para que serviriam as visões?

— Ótimo — disse Snow.

A multidão de corvos do outro lado do portão inchara até duas vintenas quando saíram de debaixo da Muralha. Os homens aglomeraram-se muito juntos à volta deles. Melisandre conhecia alguns pelo nome; o cozinheiro, Hobb Três-Dedos, Mully com o seu oleoso cabelo cor-de-laranja, o rapaz estúpido chamado Owen Idiota, o bêbado Septão Celladar.

— É verdade, senhor? — disse Hobb Três-Dedos.

— Quem é? — perguntou o Owen Idiota. — Não é o Dywen, é?

— Nem Garth — disse o homem da rainha que Melisandre conhecia como Alf de Lamágua, um dos primeiros a trocar os seus sete falsos deuses pela verdade de R’hllor. — Garth é esperto demais pros selvagens.

— Quantos? — perguntou Mully.

— Três — disse-lhes Jon. — Jack Preto, Hal Peludo e Garth.

O Alf de Lamágua soltou um uivo suficientemente sonoro para despertar os dorminhocos na Torre Sombria.

— Põe-no na cama e enfia nele um pouco de vinho com especiarias — disse Jon ao Hobb Três-Dedos.

— Lorde Snow — disse Melisandre em voz baixa. — Quer vir comigo à Torre do Rei? Tenho mais informações a partilhar com você.

Ele fitou-a diretamente durante um longo momento com aqueles seus frios olhos cinzentos. A sua mão direita fechou-se, abriu-se, voltou a fechar-se.

— Como quiser. Edd, leva Fantasma para os meus aposentos.

Melisandre encarou aquilo como um sinal, e mandou também embora a sua guarda. Atravessaram juntos o pátio, só os dois. A neve caía a toda a volta. Caminhou o mais perto de Jon Snow que se atreveu, suficientemente perto para sentir a desconfiança que dele jorrava como um nevoeiro negro. Ele não gosta de mim, nunca gostará, mas me usará. Muito bem. Melisandre dançara a mesma dança com Stannis Baratheon, no início. Na verdade, o jovem senhor comandante e o seu rei tinham mais em comum do que qualquer um dos dois estaria algum dia disposto a admitir. Stannis fora um filho mais novo vivendo à sombra do irmão mais velho, tal como Jon Snow, de nascimento bastardo, sempre fora eclipsado pelo irmão legítimo, o herói caído a que os homens chamavam Jovem Lobo. Ambos os homens eram por natureza descrentes, desconfiados, suspicazes. Os únicos deuses que realmente adoravam eram a honra e o dever.

— Não perguntou sobre a sua irmã — disse Melisandre enquanto subiam a escada em espiral da Torre do Rei.

— Já lhe disse. Não tenho irmãs. Colocamos de lado a família quando proferimos as palavras. Não posso ajudar Arya, por mais que...

Interrompeu-se quando entraram nos aposentos dela. O selvagem estava lá dentro, sentado à mesa, espalhando manteiga com o punhal num bocado irregular de pão morno e castanho. Melisandre ficou satisfeita por ver que o homem vestira a armadura de ossos. O crânio quebrado de gigante que era o seu elmo encontrava-se no banco de janela atrás de si.