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— Vossa Radiância defendeu o caso muito melhor do que eu poderia esperar fazê-lo. Vejo que é tão eloquente como bela. Estou perfeitamente convencido.

Dany teve de rir.

— Ah, mas eu não estou.

— Magnificência — sussurrou-lhe Reznak mo Reznak ao ouvido — é costume que a cidade exija um décimo de todos os lucros das arenas de combate, depois de despesas, como imposto. Esse dinheiro podia ser utilizado para muitos fins nobres.

— Pois podia… se bem que, se fôssemos reabrir as arenas, deveríamos recolher o nosso décimo antes de despesas. Eu sou só uma menininha  e pouco sei de tais assuntos, mas habitei durante tempo suficiente com XaroXhoan Daxos para aprender isso. Hizdahr, se conseguísse reunir exércitos como reune argumentos, poderia conquistar o mundo… mas a minha resposta continua a ser não. Pela sexta vez.

— A rainha falou. — O homem voltou a fazer uma mesura, tão profunda como antes. As suas pérolas e ametistas matraquearam suavemente no chão de mármore. Hizdahr zo Loraq era um homem muito flexível.

Podia ser bonito, se não fosse aquele cabelo pateta. Reznak e a Graça Verde tinham andado insistindo com Dany para tomar um nobre meereenês como marido, a fim de reconciliar a cidade com o seu governo. Hizdahrzo Loraq podia ser digno de ser examinado com atenção. Antes ele do que Skahaz. O Tolarrapada oferecera-se para pôr de lado a mulher por ela, mas a ideia fazia-a estremecer. Hizdahr pelo menos sabia como sorrir.

— Magnificência — disse Reznak, consultando a lista — o nobre Grazdan zo Galare deseja falar-vos. Quereis escutá-lo?

— Terei todo o prazer — disse Dany, admirando a cintilação do ouro e o brilho das pérolas negras nos chinelos de Cleon enquanto fazia os possíveis para ignorar o apertão nos dedos. Fora avisada de que Grazdan era primo da Graça Verde, cujo apoio achara inestimável. A sacerdotisa era uma voz de paz, aceitação e obediência à legítima autoridade. Posso conceder ao primo uma audiência respeitosa, seja o que for que ele deseje.

O que ele desejava revelou ser ouro. Dany recusara-se a compensar qualquer um dos Grandes Mestres pelo valor dos seus escravos, mas os meereeneses não paravam de conceber outras maneiras de espremer moedas do seu bolso. Segundo parecia, o nobre Grazdan fora em tempos dono de uma escrava que era uma tecedeira muito boa; os frutos do seu tear eram muito apreciados, não só em Meereen, mas em Nova Ghis, Astapor e Qarth. Quando essa mulher envelhecera, Grazdan comprara meia dúzia de meninas e ordenara à velha que as instruísse nos segredos do seu ofício. A velha estava agora morta. As novas, libertadas, tinham aberto uma loja perto da muralha do porto para vender tecidos. Grazdan zo Galare pedia que lhe fosse outorgada uma porção dos seus lucros.

— Elas devem a mim a sua perícia — insistia. — Fui eu quem as arrancou ao recinto de leilões e as entregou ao tear.

Dany escutou em silêncio, com a cara imóvel. Quando ele terminou, disse:

— Como se chamava a velha tecedeira?

 A escrava? — Grazdan mudou o peso de um pé para o outro, franzindo as sobrancelhas. — Era… talvez fosse Elza. Ou Ella. Morreu há seis anos. Fui dono de tantos escravos, Vossa Graça.

 Digamos que era Elza. Eis a nossa decisão. Das meninas, não obterá nada. Foi Elza, não você, quem lhes ensinou a tecer. De ti, as moças obterão um tear novo, o melhor que o dinheiro possa comprar. Isto é por se esquecer do nome da velha.

Reznak teria chamado em seguida outro tokar, mas Dany insistiu para que chamasse um liberto. Daí em diante foi alternando entre os antigos amos e os antigos escravos. Eram mais do que muitos os assuntos que eram trazidos à sua consideração envolvendo reparações. Meereen fora brutalmente saqueada depois da queda. As pirâmides de degraus dos poderosos haviam sido poupadas ao pior das pilhagens, mas as partes mais humildes da cidade tinham sido entregues a uma orgia de saque e morte quando os escravos da cidade se revoltaram e as hordas esfomeadas que a seguiram desde Yunkai e Astapor jorraram através dos portões quebrados. Os seus Imaculados tinham acabado por restaurar a ordem, mas o saque deixara na sua esteira uma praga de problemas. E por esse motivo, eles vinham falar com a rainha.

Apareceu uma mulher rica, cujo marido e filhos tinham morrido defendendo as muralhas da cidade. Durante o saque fugira para junto do irmão, com medo. Quando regressara, descobrira que a sua casa fora transformada num bordel. As rameiras tinham-se adornado com as suas joias e roupas. Queria a casa de volta e as joias também.

— Elas podem ficar com a roupa — concedeu. Dany atribuiu-lhe as joias, mas determinou que a casa foi perdida quando ela a abandonara.

Apareceu um antigo escravo, para acusar certo nobre do Zhak. O homem tomara recentemente como esposa uma liberta que fora a aquecedora de cama do nobre antes de a cidade cair. O nobre tirara-lhe a virgindade, usara-a para seu prazer e deixara-a grávida. O novo marido queria que o nobre fosse castrado pelo crime de violação, e desejava também uma bolsa de ouro, para lhe pagar por criar o bastardo do nobre como seu. Dany concedeu-lhe o ouro, mas não a castração.

— Quando se deitou com ela, a sua mulher era propriedade dele, para fazer com ela o que quisesse. Por lei, não houve qualquer violação. — Dany viu que a decisão não agradou ao homem, mas se castrasse todos os que tinham forçado uma criada de cama depressa se veria a governar uma cidade de eunucos.

Apareceu um rapaz, mais novo do que Dany, franzino e com cicatrizes, vestido com um tokar cinzento e puído que arrastava uma fímbria de prata. A voz se quebrou quando falou de como dois dos escravos domésticos do pai tinham se revoltado na noite em que o portão se quebrara. Um matara-lhe o pai, o outro o irmão mais velho. Ambos tinham violado a mãe antes de a matarem também. O rapaz escapara apenas com a cicatriz na cara, mas um dos assassinos continuava a viver na casa do pai e o outro se juntara aos soldados da rainha como um dos Homens da Mãe. Queria vê-los a ambos enforcados.

Sou rainha de uma cidade feita de poeira e morte. Dany não teve alternativa a dizer-lhe que não. Declarara um perdão geral para todos os crimes cometidos durante o saque. E não iria punir escravos por se revoltarem contra os seus amos.

Quando lhe disse, o rapaz correu para ela, mas, aos seus pés, tropeçou no tokar e estatelou-se de cabeça sobre o mármore púrpura… Belwas, o Forte, caiu imediatamente sobre ele. O enorme eunuco castanho o pôs em pé só com uma mão e sacudiu-o como um mastim a sacudir uma ratazana.

— Basta, Belwas — gritou Dany. — Liberte-o. — Ao rapaz, disse: —Estima esse tokar, porque te salvou a vida. Não passa de um rapaz, portanto, vamos esquecer o que aconteceu aqui. Devia fazer o mesmo. — Mas ao sair, o rapaz olhou-a por sobre o ombro, e quando lhe viu os olhos, Dany pensou: a harpia tem mais um filho.