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Os cavaleiros estavam desmontando quando ele empurrou a Jeyne Vermelha de cima de si e se pôs de joelhos com dificuldade. Duas dúzias de cavaleiros tinham saído e duas dúzias haviam regressado, o que queria dizer que a busca fora um fracasso. Isso era ruim. Ramsay não gostava do sabor do fracasso. Ele vai querer magoar alguém.

Nos últimos tempos o seu senhor forçara-se a se conter, pois Vila Acidentada estava cheia de homens de que a Casa Bolton precisava e Ramsay sabia ter cuidado junto dos Dustin, dos Ryswell e dos outros fidalgos. Com eles era sempre cortês e sorridente. O que era por trás de portas fechadas era outra coisa.

Ramsay Bolton estava trajado como era próprio do senhor de Boscorno e do herdeiro do Forte do Pavor. O seu manto era feito de peles de lobo cosidas umas às outras, e aquilo que o fechava contra o frio de outono eram os dentes amarelecidos da cabeça de lobo que usava ao ombro direito. A uma anca usava uma cimitarra, cuja lâmina era tão grossa e pesada como um cutelo; à outra anca trazia um longo punhal e uma pequena e curva faca de esfolar de ponta em gancho e um fio aguçado como uma navalha. Todas as três lâminas tinham cabos de osso amarelo a condizer.

— Fedor — chamou sua senhoria de cima da grande sela de Sangue — você fede. Consigo cheirar-lhe do outro lado do pátio.

— Eu sei senhor — teve Fedor de dizer. — Peço-lhe perdão.

— Trouxe-lhe um presente. — Ramsay torceu-se, estendeu a mão para trás de si, puxou qualquer coisa da sela e arremessou-a. — Agarra!

Entre a corrente, as grilhetas e os seus dedos em falta, Fedor era mais desastrado do que fora antes de aprender o seu nome. A cabeça atin-giu-lhe as mãos mutiladas, ressaltou nos tocos dos seus dedos e aterrou a seus pés, numa chuva de larvas. Estava tão coberta de sangue seco que se tornava irreconhecível.

— Eu disse-lhe para a agarrares — disse Ramsay. — Apanha-a.

Fedor tentou erguer a cabeça pela orelha. Não resultou. A carne estava verde e pútrida e a orelha rasgou-se-lhe entre os dedos. O Walder Pequeno riu-se, e um momento mais tarde todos os outros homens estavam também a rir.

— Oh, deixa-o em paz — disse Ramsay. — Trata só do Sangue. Cavalguei duramente o sacana.

— Sim, senhor. Eu trato. — Fedor dirigiu-se apressadamente para o cavalo, deixando a cabeça cortada para os cães.

— Hoje cheira a merda de porco, Fedor — disse Ramsay.

— Nele, isso é uma melhoria — disse Damon Dança-Para-Mim, sorrindo enquanto enrolava o chicote.

Walder Pequeno saltou da sela.

— Também pode tratar do meu cavalo, Fedor. E do cavalo do meu primo.

— Eu cuido do meu próprio cavalo — disse o Walder Grande. O Walder Pequeno transformara-se num assistente do Lorde Ramsay, e tornava-se mais parecido com ele todos os dias, mas o Frey menor era feito de outro material e raramente participava dos jogos e crueldades do primo.

Fedor não ligou aos escudeiros. Levou Sangue para os estábulos, saltando para o lado quando o garanhão tentou escoiceá-lo. Os caçadores entraram no palácio a passos largos, todos menos Ben Ossos, que praguejava com os cães para tentar fazer com que parassem de lutar pela cabeça cortada.

Walder Grande seguiu-o para os estábulos, levando a montaria pela arreata. Fedor deitou-lhe uma olhadela enquanto tirava o freio a Sangue.

— Quem era? — disse em voz baixa para que os outros moços de estrebaria não ouvissem.

— Ninguém. — Walder Grande tirou a sela ao seu cavalo cinzento. — Um velho que encontramos na estrada, nada mais. Conduzia uma velha cabra de criação e quatro cabritos.

— Sua senhoria matou-o pelas cabras?

— Sua senhoria matou-o por ter lhe chamado Lorde Snow. Mas as cabras eram boas. Mugimos a mãe e assamos os cabritos.

Lorde Snow. Fedor anuiu, fazendo tinir as correntes enquanto lutava com as correias da sela de Sangue. Seja qual for o nome que  lhe dê, Ramsay não é homem com quem se estar quando está furioso. Ou quando não está.

— Encontrou os seus primos, senhor?

— Não. Nunca achei que encontrássemos. Estão mortos. Lorde Wyman mandou matá-los. Era o que eu teria feito se fosse ele.

Fedor nada disse. Havia coisas que não era seguro dizer, nem mesmo nos estábulos com sua senhoria no salão. Uma palavra errada podia custar-lhe outro dedo do pé, até um da mão. Mas a língua não. Ele nunca me cortará a língua. Gosta de me ouvir a suplicar para me poupar à dor. Gosta de me obrigar a dizê-lo.

Os cavaleiros tinham passado dezesseis dias na caçada, apenas com pão duro e carne salgada para comer, à parte o ocasional cabrito roubado, por isso Lorde Ramsay ordenou que um banquete fosse organizado para celebrar o seu regresso a Vila Acidentada. O anfitrião, um pequeno senhor grisalho e maneta que dava pelo nome de Harwood Stout, sabia que não era boa ideia dizer-lhe que não, se bem que por aquela altura as suas despensas devessem estar praticamente vazias. Fedor ouvira os criados de Stout resmungando sobre o modo como o Bastardo e os seus homens andavam devorando as provisões de inverno.

— Dizem que ele vai dormir com a miudinha do Lorde Eddard — protestara a cozinheira de Stout sem saber que Fedor estava à escuta — mas quem vai ficar fodido quando as neves chegarem havemos de ser nós, tome nota do que eu digo.

Contudo, Lorde Ramsay decretara um banquete, portanto seria um banquete que teriam de ter. Mesas foram montadas no salão de Stout, um boi foi abatido, e nessa noite, enquanto o Sol se punha, os caçadores de mãos vazias comeram peças de lombo e costeletas, pão de cevada, um purê de cenoura e ervilha, empurrando tudo para baixo com quantidades prodigiosas de cerveja.

Recaiu sobre Walder Pequeno a tarefa de manter cheia a taça do Lorde Ramsay, enquanto Walder Grande servia os outros sentados na mesa elevada. Fedor estava acorrentado junto das portas para que o seu odor não fizesse com que os convivas perdessem o apetite. Comeria mais tarde quaisquer restos que Lorde Ramsay pensasse em enviar-lhe. Os cães, contudo, tinham o direito de percorrer o salão, e forneceram o melhor divertimento da noite quando Maude e a Jeyne Cinzenta se atiraram a um dos cães de caça do Lorde Stout por causa de um osso especialmente rico em carne que o Will Curto lhes atirara. Fedor foi o único homem no salão que não viu os três cães lutar. Manteve os olhos fixos em Ramsay Bolton.

A luta não terminou até que o cão do anfitrião estivesse morto. O velho cão de caça de Stout nunca tivera a menor hipótese. Fora um contra dois, e as cadelas de Ramsay eram jovens, fortes e selvagens. Ben Ossos, que gostava mais dos cães do que o dono, dissera a Fedor que todos tinham os nomes de camponesas que Ramsay caçara, violara e matara na época em que ainda era bastardo e andava com o primeiro Fedor.

— Aquelas que lhe dão boa luta, pelo menos. As que choram e suplicam e não fogem não conseguem voltar como cadelas. — Fedor não duvidava de que a ninhada seguinte a sair dos canis do Forte do Pavor iria incluir uma Kyra. — Ele treinou-as tamêm pra matar lobos — confidenciara o Ben Ossos. Fedor nada disse. Sabia que lobos as meninas se destinavam a matar, mas não tinha qualquer desejo de vê-las a lutar pelo seu dedo cortado.

Dois criados estavam levando para fora do salão a carcaça do cão morto e uma velha foi buscar uma escova, um ancinho e um balde para lidar com a palha ensopada de sangue, quando as portas do salão se abriram num rompante de vento e uma dúzia de homens com cotas de malha cinzentas e meios-elmos de ferro a atravessou a passos largos, passando ao encontrão pelos jovens e macilentos guardas de Stout com as suas brigantinas de couro e mantos dourados e castanhos-avermelhados. Um súbito silêncio dominou os convivas... todos menos Lorde Ramsay, que deitou fora o osso que estivera roendo, limpou a boca na manga, fez um sorriso gorduroso de lábios úmidos e disse: