— De modo algum. Há notícias que precisa ouvir. Lorde Stannis finalmente abandonou a Muralha.
Aquilo quase pôs Ramsay em pé, com um sorriso reluzindo nos lábios grossos e úmidos.
— Marcha sobre o Forte do Pavor?
— Não, infelizmente. Arnolf não compreende. Jura que fez tudo o que pôde para armar a ratoeira.
— Tenho dúvidas. Coça um Karstark, e encontrará um Stark.
— Depois da coçadinha que o Jovem Lobo deu ao Lorde Rickard, isso pode ser de certa forma menos verdadeiro do que anteriormente. Mas seja como for. Lorde Stannis tirou Bosque Profundo das mãos dos homens de ferro e devolveu o castelo à Casa Glover. Pior, os clãs da montanha juntaram-se a ele, os Wull, os Norrey, os Liddle e os outros. A força dele está crescendo.
— A nossa é maior.
— Agora é.
— Agora é o momento de esmagá-lo. Deixe-me marchar sobre Bosque Profundo.
— Depois de se casar.
Ramsay baseu com a taça na mesa e os restos da cerveja entraram em erupção para cima da toalha.
— Estou farto de esperar. Temos uma menina, temos uma árvore e temos lordes suficientes para servirem de testemunhas. Caso-me com ela amanhã, planto-lhe um filho entre as pernas, e ponho-me em marcha antes de o seu sangue de donzela ter secado.
Ela rezará para lhe por em marcha, pensou Fedor, e rezará para nunca voltar para a sua cama.
— Plantará nela um filho — disse Roose Bolton — mas não será aqui. Decidi que vai casar com a menina em Winterfell.
A ideia não pareceu agradar ao Lorde Ramsay.
— Eu devastei Winterfell, será que se esqueceu?
— Não, mas parece que você se esqueceu... foram os homens de ferro a devastar Winterfell, e a massacrar toda a sua gente. Theon Vira-Casaca.
Ramsay deu a Fedor uma olhada desconfiada.
— Pois, é verdade, mas ainda assim... um casamento naquela ruína?
— Mesmo arruinado e quebrado, Winterfell continua a ser o lar da Senhora Arya. Que melhor lugar para casar com ela, dormir com ela e afirmar a sua pretensão? Mas isso é só metade da ideia. Seríamos uns tolos se marchássemos contra Stannis. Que Stannis marche contra nós. Ele é muito cauteloso para vir a Vila Acidentada... mas tem de ir a Winterfell. Os seus homens dos clãs não abandonarão a filha do seu precioso Ned nas mãos de alguém como você. Stannis tem de marchar, caso contrário os perderá. .. e sendo o comandante cauteloso que é, convocará todos os seus amigos e aliados quando se puser em marcha. Convocará Arnolf Karstark.
Ramsay lambeu os lábios gretados.
— E nós ficaremos com ele na mão.
— Se os deuses desejarem. — Roose pôs-se em pé. — Vai se casar em Winterfell. Informarei os senhores de que nos poremos em marcha dentro de três dias e os convidarei a acompanhar-nos.
— É o Protetor do Norte. Ordene-lhes.
— Um convite terá o mesmo resultado. O poder sabe melhor quando é adoçado pela cortesia. É melhor que aprenda isso se quer ter esperança de governar. — O Senhor do Forte do Pavor deu uma olhada a Fedor. — Ah, e tira as correntes do seu animal de estimação. Vou levá-lo.
— Levá-lo? Para onde? Ele é meu. Não pode ficar com ele.
Roose pareceu divertido com aquilo.
— Tudo o que você tem fui eu que lhe dei. Faria bem em lembrar-se disso, bastardo. E quanto a este... Fedor... se não o arruinou irrecuperavel- mente, ainda pode vir a ter alguma utilidade para nós. Vai buscar as chaves e tira-lhe aquelas correntes antes de fazer com que me arrependa do dia em que violei a sua mãe.
Fedor viu o modo como a boca de Ramsay se torceu, a saliva reluzindo nos lábios. Temeu que ele pudesse pular a mesa de punhal na mão. Mas em vez disso ficou muito corado, afastou os olhos claros dos olhos ainda mais claros do pai, e foi buscar as chaves. Mas quando ajoelhou para desprender as grilhetas que rodeavam os pulsos e tornozelos do Fedor, aproximou-se e murmurou:
— Não lhe diga nada e lembra-se de cada palavra que ele disser. Vou ter-lhe de volta, independentemente do que aquela cadela da Dustin possa lhe dizer. Quem é?
— Sou Fedor, senhor. O seu homem. Sou Fedor, rima com pavor.
— Pois rima. Quando o meu pai lhe trouxer de volta, vou tirar-lhe outro dedo. Deixo-lhe escolher qual.
Sem serem chamadas, lágrimas começaram a correr-lhe pela cara abaixo.
— Porquê? — chorou, com a voz se quebrando. — Eu não pedi para ele me levar. Eu faço tudo o que quiser, sirvo, obedeço, eu... por favor, não...
Ramsay esbofeteou-o.
— Leve-o — disse ao pai. — Nem sequer é um homem. O cheiro que deixa me dá volta no estômago.
A Lua estava erguendo-se por cima das muralhas de madeira de Vila Acidentada quando saíram para o exterior. Fedor conseguia ouvir o vento varrendo as planícies onduladas para lá da vila. Era menos de uma milha a distância entre o Solar Acidentado e a modesta fortaleza de Harwood Stout ao lado dos portões orientais. Lorde Bolton ofereceu-lhe um cavalo.
— Consegue cavalgar?
— Eu... senhor, eu... acho que sim.
— Walton, ajude-o a montar.
Mesmo sem grilhetas, Fedor mexia-se.como um velho. A pele pendia solta dos seus ossos, e Alyn Azedo e Ben Ossos diziam que ele tinha tiques. E o cheiro... até a égua que tinham trazido para ele se afastou quando tentou montar.
Mas era um cavalo simpático, e sabia o caminho até ao Solar Acidentado. Lorde Bolton pôs-se a seu lado ao atravessarem o portão. Os guardas deixaram-se ficar para trás a uma distância discreta.
— Como quer que o chame? — perguntou o senhor enquanto trotavam pelas ruas largas e retas de Vila Acidentada.
Fedory eu sou o Fedor, rima com tambor.
—Fedor — disse — se agradar ao senhor.
— Senhor. — Os lábios de Roose Bolton separaram-se só o suficiente para mostrar meio centímetro de dentes. Podia ter sido um sorriso.
Fedor não compreendeu.
— Senhor? Eu disse...
— ... Senhor, quando devia ter dito senhor. A língua denuncia-lhe o nascimento a cada palavra que diz. Se quer soar como um camponês como deve ser, diga a palavra como se tivesse lama na boca ou como se fosse muito estúpido para que percebeba de que existe ali uma vogal.
— Se agradar ao... senhor.
— Melhor. O fedor que deixa é bastante horrível.
— Sim, Senhor. Peço-lhe perdão, Senhor.
— Por quê? O modo como cheira é obra do meu filho, não sua. Estou bem consciente disso. — Passaram por um estábulo e por uma estalagem de portadas fechadas, com um molho de trigo pintado na tabuleta. Fedor ouviu música que vinha das janelas da estalagem. — Eu conheci o primeiro Fedor. Ele fedia, mas não era por falta de se lavar. Em boa verdade, nunca conheci criatura mais limpa. Tomava banho três vezes por dia e usava flores no cabelo como se fosse uma donzela. Uma vez, quando a minha segunda esposa ainda estava viva, foi apanhado roubando perfume do seu quarto. Mandei-o chicotear por causa disso, uma dúzia de vergastadas. Até o sangue tinha o cheiro errado. No ano seguinte, ele voltou a tentar. Desta vez bebeu o perfume e quase morreu por causa disso. De nada serviu. O cheiro era uma coisa com que tinha nascido. Unia maldição, segundo os plebeus. Os deuses tinham-no feito feder para que os homens soubessem que tinha a alma apodrecendo. O meu velho meistre insistia que era sinal de doença, mas, tirando o cheiro, o rapaz era forte como um touro jovem. Ninguém conseguia aguentar ficar ao pé dele, portanto dormia com os porcos... até ao dia em que a mãe de Ramsay apareceu aos meus portões exigindo que eu arranjasse um criado para o meu bastardo, que estava crescendo selvagem e indisciplinado. Dei-lhe o Fedor. A ideia era divertir-me, mas ele e Ramsay tornaram-se inseparáveis. Às vezes pergunto-me... terá sido Ramsay a corromper o Fedor ou o Fedor a Ramsay? — Sua senhoria deu ao novo Fedor um relance com olhos tão claros e estranhos como duas luas brancas. — O que estava ele sussurrando quando lhe desacorrentou?