— Ele... ele disse... — Disse para não lhe dizer nada. As palavras ficaram-lhe presas na garganta e começou a tossir e a sufocar.
— Respire fundo. Eu sei o que ele disse. Deve me espiar e guardar os segredos dele. — Bolton soltou um risinho. — Como se ele tivesse segredos. Alyn Azedo, Luton, Esfolador e os outros, de onde julga que eles vêm? Poderá realmente acreditar que são homens seus?
— Homens seus — ecoou Fedor. Pareceu-lhe que se esperava dele algum comentário, mas não soube o que dizer.
— O meu bastardo alguma vez vos contou como o arranjei?
— Isso ele sabia, para seu alívio.
— Sim, se... senhor. Encontrou a mãe dele enquanto passeava a cavalo e ficou encantado pela sua beleza.
— Encantado? — Bolton riu. — Ele usou essa palavra? Ora, o rapaz tem uma alma de cantor... se bem que se você acredita nessa canção pode bem ser ainda mais obtuso do que o primeiro Fedor. Até a parte do passeio está errada. Andava caçando uma raposa ao longo das Águas Chorosas quando encontrei um moinho e vi uma jovem lavando roupa no ribeiro. O velho moleiro tinha arranjado uma mulher nova, uma menina que não tinha nem metade da idade dele. Era uma criatura alta e esbelta, com um ar muito saudável. Pernas compridas e seios pequenos e firmes, como duas ameixas maduras. Bonita, de uma forma comum. No momento em que pus os olhos nela, desejei-a. Era o meu direito. Os meistres dirão que o Rei Jaehaerys aboliu o direito do senhor à primeira noite para aplacar a rabugenta da sua rainha, mas onde os deuses antigos dominam, os velhos costumes resistem. Os Umber também mantém a primeira noite, por mais que possam negar. Alguns dos clãs das montanhas também, e em Skagos... bem, só as árvores coração veem metade do que eles fazem em Skagos.
Este casamento do moleiro tinha sido levado a cabo sem a minha licença e conhecimento. O homem tinha-me aldrabado. Portanto, mandei enforcá-lo, e reclamei os meus direitos à sombra da árvore de onde ele balançava. Em boa verdade, a mulher mal valia a corda. A raposa também escapou e, no caminho de regresso ao Forte do Pavor, o meu corcel preferido ficou coxo, portanto, tudo somado, o dia foi horrível.
Um ano mais tarde, a mesma mulher teve o desplante de aparecer no Forte do Pavor com um monstro de cara vermelha que não parava de guinchar e que ela afirmava ser de minha descendência. Devia ter mandado chicotear a mãe e atirado o filho a um poço... mas o bebê tinha os meus olhos. Ela disse-me que quando o irmão do marido morto viu esses olhos baseu-lhe até fazer sangue e correu com ela do moinho. Isso me aborreceu, então dei-lhe o moinho e mandei cortar a língua do irmão, para me assegurar de que não correria para Winterfell com histórias que pudessem perturbar o Lorde Rickard. Todos os anos enviei à mulher uns leitões, umas galinhas e um saco de estrelas, com a condição de ela nunca dizer ao rapaz quem era o seu pai. Uma terra pacífica, um povo pacífico, sempre foram essas as minhas regras.
— Boas regras, Senhor.
— Mas a mulher me desobedeceu. Veja o que Ramsay é. Foi ela que o fez assim, ela e o Fedor, sempre a murmurarem-lhe aos ouvidos sobre os seus direitos. Ele devia ter-se contentado em moer cereais. Será que pensa mesmo que alguma vez poderá governar o Norte?
— Ele luta por você — disse apressadamente Fedor. — É forte.
— Os touros são fortes. Os ursos. Eu vi o meu bastardo lutar. Não é inteiramente culpa dele. O seu tutor foi Fedor, o primeiro Fedor, e o Fedor nunca tinha sido treinado com as armas. O Ramsay é feroz, isso admito, mas brande aquela espada como um carniceiro cortando carne.
— Ele não tem medo de ninguém, Senhor.
— Devia ter. O medo é o que mantém um homem vivo neste mundo de traições e enganos. Até aqui em Vila Acidentada, os corvos voam em círculos, à espera de se banquetearem com a nossa carne. Os Cerwyn e os Tallhart não são dignos de confiança, o meu amigo gordo, o Lorde Wyman, planeja traições, e o Terror das Rameiras... os Umber podem parecer simplórios, mas não lhes falta uma certa baixa astúcia. Ramsay devia temers a todos, como eu temo. Da próxima vez que o vir, diga-lhe isso.
— Dizer-lhe... dizer-lhe para ter medo? — Fedor sentiu-se doente só de pensar em tal coisa. — Senhor, eu... se eu fizesse isso, ele...
— Eu sei. — Lorde Bolton suspirou. — O sangue dele é mau. Precisa de ser sangrado. As sanguessugas sugam o sangue mau, toda a raiva e a dor. Nenhum homem consegue pensar assim tão cheio de raiva. Mas Ramsay... temo que o seu sangue maculado até sanguessugas envenenaria.
— Ele é o seu único filho.
— Agora é. Tive outro em tempos. Domeric. Um rapaz calmo, mas muito talentoso. Serviu durante quatro anos como pajem da Senhora Dustin, e três no Vale como escudeiro do Lorde Redfort. Tocava harpa vertical, lia histórias e cavalgava como o vento. Cavalos... o rapaz era louco por cavalos, a Senhora Dustin há de dizer-lhe. Nem mesmo a filha do Lorde Rickard conseguia ganhar-lhe em cavalgada, e essa era ela própria meio equina. Redfort dizia que ele se mostrava muito promissor nas liças. Um grande justador tem de começar por ser um grande cavaleiro.
— Sim, Senhor. Domeric. Eu... eu ouvi o nome dele...
— Ramsay matou-o. Uma doença das tripas, segundo diz o Meistre Uthor, mas eu digo que foi veneno. No Vale, Domeric desfrutava da companhia dos filhos de Redfort. Queria um irmão a seu lado, portanto cavalgou até Águas Chorosas para procurar o meu bastardo. Eu o proibi, mas Domeric era um homem feito e achava-se mais sabedor do que o pai. Agora, os seus ossos jazem debaixo do Forte do Pavor com os ossos dos irmãos que morreram ainda no berço, e eu tenho de me contentar com Ramsay. Diga-me, senhor... se o assassino de parentes é maldito, que deve fazer um pai quando um filho mata outro?
A pergunta assustou-o. Em tempos, ouvira Esfolador dizer que o Bastardo tinha matado o irmão legítimo, mas nunca se atrevera a acreditar nisso. Ele pode estar enganado. Os irmãos às vezes morrem, isso não quer dizer que tenham sido mortos. Os meus irmãos morreram, e eu não os matei.
— O senhor tem uma nova esposa para lhe dar filhos.
— E o meu bastardo não vai adorar isso? A Senhora Walda é uma Frey, e tem um ar fértil. Ganhei uma estranha amizade pela minha mulherzinha gorda. As duas antes dela nunca faziam um som na cama, mas esta guincha e estremece. Acho isso muito encantador. Se puser filhos aqui fora como enfia tartes lá dentro, o Forte do Pavor depressa ficará enxameado de Boltons. Ramsay matará a todos, claro. Ainda bem. Não viverei o suficiente para acompanhar mais filhos até serem homens, e senhores rapazes são a perdição de qualquer Casa. Mas Walda sofrerá por vê-los morrer.