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Fedor tinha a garganta seca. Conseguia ouvir o vento sacudir os ramos nus dos ulmeiros que bordejavam a rua.

— Senhor, eu...

— Senhor, lembra-se?

— Senhor. Se puder perguntar... porque foi que me quis? Não presto para ninguém, nem sequer sou um homem, estou quebrado, e... o cheiro...

— Um banho e uma troca de roupa irão melhorar-lhe o cheiro.

— Um banho? — Fedor sentiu as tripas apertadas. — Eu... eu preferia que não, Senhor. Por favor. Tenho... ferimentos, eu... e esta roupa, o Lorde Ramsay me deu, ele... ele disse que eu não podia nunca tirá-la exceto por suas ordens...

— Está usando farrapos — disse Lorde Bolton, com grande paciência. — Coisas imundas, rasgadas, manchadas e fedendo a sangue e urina. E pouco espessas. Deve ter frio. Vamos pôr-lhe dentro de lã de ovelha, suave e quente. Talvez um manto forrado de peles. Gostaria disso?

— Não. — Não podia deixar que lhe tirassem a roupa que Lorde Ramsay lhe dera. Não podia deixar que o vissem.

— Prefere vestir-se de seda e veludo? Lembro-me de que houve um tempo em que gostava dessas coisas.

— Não — insistiu, esganiçado. — Não, só quero esta roupa. A roupa do Fedor. Eu sou o Fedor, rima com bolor. — Tinha o coração batendo como um tambor, e a voz ergueu-se num guincho assustado. — Não quero banho nenhum. Por favor, Senhor, não me tire a roupa.

— Deixa lavá-las, pelo menos?

— Não. Não, Senhor. Por favor. — Apertou a túnica ao peito, com ambas as mãos, e corcovou-se sobre a sela, com medo de que Roose Bolton ordenasse aos guardas para lhe arrancarem a roupa de cima ali mesmo na rua.

— Como quiser. — Os olhos claros de Bolton pareciam vazios ao luar, como se não existisse absolutamente ninguém por trás deles. — Não lhe desejo mal, sabe? Devo-lhe mais do que muito

— Me deve? — uma parte dele gritava: isto é uma armadilha, ele está brincando contigo, o filho é só a sombra do pai. Lorde Ramsay andava sempre brincando com as suas esperanças. — O que... o que me deve, Senhor?

— O Norte. Os Stark ficaram feitos e acabados na noite em que tomou Winterfell. — Acenou com uma mão pálida, depreciativo. — Tudo isto não passa de questiúnculas por despojos.

A curta viagem chegou ao fim junto às muralhas de madeira do Solar Acidentado. Esvoaçavam estandartes nas suas torres quadradas, agitados pelo vento; o homem esfolado do Forte do Pavor, o machado de batalha de Cerwyn, os pinheiros de Tallhart, o tritão de Manderly, as chaves cruzadas do velho Lorde Locke, o gigante de Umber e a mão de pedra de Flint, o alce de Hornwood. Pelos Stout, asnado de castanho-avermelhado e dourado, pelos Slate um campo cinzento no interior de uma dupla bordadura de branco. Quatro cabeças de cavalo proclamavam os quatro Ryswell dos Regatos; uma cinzenta, uma preta, uma dourada, uma castanha. O gracejo dizia que os Ryswell nem sequer conseguiam concordar sobre a cor das suas armas. Por cima deles esvoaçava o veado e leão do rapaz que se sentava no Trono de Ferro a mil léguas de distância.

Fedor ouviu as velas girando no velho moinho ao passarem sob o portão e penetrarem num pátio coberto de erva onde moços de estrebaria saíram correndo para lhes segurar nos cavalos.

— Por aqui, por favor. — Lorde Bolton levou-o para a torre, onde os estandartes eram os do falecido Lorde Dustin e da sua viúva. Os dele mostravam uma coroa cheia de pontas sobre machados cruzados; os dela esquartelavam essas mesmas armas com a cabeça de cavalo dourada de Rodrik Ryswell.

Enquanto subia um amplo lance de escadas de madeira que levava ao palácio, as pernas de Fedor começaram a tremer. Teve de parar para firmá-las, fitando as encostas relvadas do Grande Outeiro. Havia quem afirmasse que se tratava da sepultura do Primeiro Rei, que liderara os Primeiros Homens até Westeros. Outros argumentavam que devia ser algum rei dos Gigantes a estar alí enterrado, para justificar o tamanho. Sabia-se até de alguns que tinham dito que não era sepultura alguma, só uma colina, mas se assim era tratava-se de uma colina solitária, pois a maior parte das terras acidentadas era plana e varrida pelo vento.

Dentro do salão, uma mulher estava em pé junto à lareira, aquecendo as mãos por cima das brasas de um fogo quase apagado. Estava toda vestida de preto, dos pés à cabeça, e não usava nem ouro nem pedras preciosas, mas era bem nascida, isso via-se claramente. Embora houvesse rugas nos cantos da sua boca e mais em torno dos olhos, ainda se mantinha alta, direita e bem aparentada. O cabelo era castanho e cinzento em partes iguais, embora o usasse preso atrás da cabeça num carrapito de viúva.

— Quem é esse? — disse. — Onde está o rapaz? O seu bastardo recusou-se a entregá-lo? Este velho é o... oh, pela bondade dos deuses, que cheiro é este? Esta criatura borrou-se?

— Esteve com Ramsay. Senhora Barbrey, permita-me que lhe apresente o legítimo Senhor das Ilhas de Ferro, Theon da Casa Greyjoy.

Não, pensou Fedor, não, não digas esse nome, Ramsay vai ouvi-lo, ele saberá, ele saberá, ele me magoará.

A boca dela projetou-se.

— Não é o que eu esperava.

— É aquilo que temos.

— O que foi que o seu bastardo lhe fez?

— Tirou-lhe um pouco de pele, imagino. Alguns bocados pequenos. Nada muito essencial.

— Está louco?

— Talvez esteja. Isso importa?

Fedor não conseguiu ouvir mais.

— Por favor, Senhor, Senhora, houve algum engano. — Caiu de joelhos, tremendo como uma folha numa tempestade de inverno, com lágrimas escorrendo-lhe pela cara devastada. — Eu não sou ele, não sou o vira-casaca, ele morreu em Winterfell. O meu nome é Fedor. — Tinha de se lembrar do seu nome. — Rima com ardor.

TYRION

O Selaesori Qhoran estava a sete dias de Volantis quando Centava finalmente saiu da cabine, subindo ao convés como se fosse uma tímida criatura da floresta emergindo do longo sono de inverno.

Era ocaso e o sacerdote vermelho acendeu o seu fogo noturno no grande braseiro de ferro a meia-nau, enquanto a tripulação se reunia em volta para rezar. A voz de Moqorro era um tambor grave que parecia ressoar desde algum lugar no interior profundo do seu enorme torso.

— Agradecemos pelo Sol que nos mantém quentes — orou. — Agradecemos pelas estrelas que nos vigiam enquanto velejamos por este mar frio e negro. — Sendo um homem enorme, mais alto do que Sor Jorah e com largura suficiente para fazer dois dele, o sacerdote usava vestes escarlate bordadas na manga, na bainha e no colarinho com chamas de cetim laranja. A sua pele era negra como breu, o cabelo branco como a neve, as chamas tatuadas nas bochechas e testa amarela e cor-de-laranja. O seu bastão de ferro era tão alto como ele próprio e coroado com uma cabeça de dragão. Quando o sacerdote batia com o cabo do bastão no convés, a goela do dragão cuspia crepitantes chamas verdes.

Os seus guardas, quatro guerreiros escravos da Mão Fogosa, lideravam as respostas. Entoavam cânticos na língua da Velha Volantis, mas Tyrion ouviu as preces vezes suficientes para compreender a sua essência. Ilumine o nosso fogo e nos proteja da escuridão, blá, blá, ilumine o nosso caminho e nos mantenha quentes até torrarmos, a noite é escura e cheia de terrores, salve-nos das coisas assustadoras e mais um bocado de blá, blá, blá.