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— A menina finalmente pôs o nariz no convés — disse-lhe Tyrion. — Deitou-me uma olhadela e correu de volta para baixo.

— Você não é uma coisa bonita de se ver.

— Nem todos podemos ser tão bem aparecidos como você. A menina está perdida. Não me surpreenderia se a pobre criatura estivesse se esgueirando até lá acima para saltar pela amurada e se afogar.

— O nome da pobre criatura é Centava.

— Eu sei o nome dela. — Odiava o nome dela. O irmão respondia pelo nome de Tostão, embora o seu verdadeiro nome fosse Oppo. Tostão e Centava. As moedas menores, as que valiam menos e, o que era pior, eles próprios tinham escolhido os nomes. Aquilo deixava um amargor desagradável na boca de Tyrion. — Seja o nome qual for, ela precisa de um amigo.

Sor Jorah sentou-se na sua rede.

— Então torne-se amigo dela. Por mim até pode se casar com ela.

Aquilo também lhe deixou um amargor desagradável na boca.

— Semelhante com semelhante, é essa a sua ideia? Quer encontrar uma ursa para você, sor?

— Foi você que insistiu para a trazermos.

— Eu disse que não a podíamos abandonar em Volantis. Isso não quer dizer que queira fodê-la. Ela me quer morto, se esqueceu? Sou a última pessoa que é provável que queira como amigo.

— São ambos anões.

— Sim, e o irmão dela também era. O irmão que foi morto porque uns idiotas bêbados o confundiram comigo.

— Está se sentindo culpado, é?

— Não. — Tyrion irritou-se. — Tenho suficientes pecados por que responder, não quero nenhum papel neste. Posso ter nutrido alguma má vontade para com ela e o irmão pelo papel que desempenharam na noite do casamento de Joffrey, mas nunca lhes quis mal.

— É uma criatura inofensiva, com certeza. Inocente como um cordeiro. — Sor Jorah pôs-se em pé. — A anã é fardo seu. Beije-a, mate-a ou evite-a, como queira. A mim não interessa nada. — Passou por Tyrion com um encontrão e saiu da cabine.

Duas vezes exilado, e pouco admira, pensou Tyrion. Eu também o exilava, se pudesse. O homem é frio, melancólico, carrancudo, surdo ao humor. E essas são as suas qualidades. Sor Jorah passava a maior parte das horas de vigília percorrendo o castelo de proa ou encostado à amurada fitando o mar. À procura da sua rainha prateada. À procura de Daenerys, tentando fazer com que o navio navegue mais depressa pela força da vontade. Bem, eu talvez fizesse o mesmo se Tysha esperasse em Meereen.

Poderia ser para a Baía dos Escravos que iam as rameiras? Parecia improvável. Ajuizando por aquilo que leu, as cidades dos escravagistas eram o lugar onde as rameiras eram feitas. Mormont devia ter comprado uma para si. Uma escrava bonita podia ter feito maravilhas para melhorar o feitio dele... especialmente uma de cabelo prateado como a rameira que esteve sentada na pica dele em Selhorys.

No rio, Tyrion teve de suportar Griff, mas pelo menos houve o mistério da verdadeira identidade do capitão para distraí-lo, e o companheirismo mais agradável do resto do pequeno grupo do barco de varejar. Na coca, infelizmente, todos eram precisamente o que pareciam ser, ninguém era agradável por aí além, e só o sacerdote vermelho era interessante. Ele, e talvez Centava. Mas a menina odeia-me, e tem razão para isso.

Tyrion descobriu que a vida a bordo do Selaesori Qhoran era simplesmente um tédio. A parte mais entusiasmante do seu dia era picar os dedos das mãos e dos pés com uma faca. No rio houve maravilhas a contemplar; tartarugas gigantes, cidades arruinadas, homens de pedra, septãs nuas. Nunca se sabia o que podia estar à espera atrás da curva seguinte. Os dias e noites no mar eram todos iguais. Ao abandonar Volantis, a coca velejou a princípio à vista de terra, e Tyrion pode ver os promontórios que iam passando, observar nuvens de aves marinhas que levantavam voo de falésias de pedra e torres de vigia arruinadas, contar ilhas nuas e castanhas ao passar por elas. Via também muitos outros navios; barcos de pesca, pesados navios mercantes, orgulhosas galés com remos que chicoteavam as vagas transformando-as em espuma branca. Mas depois de avançarem para águas mais profundas passou a haver só mar e céu, ar e água. A água parecia água. O céu parecia céu. Às vezes havia uma nuvem. Muito azul.

E as noites eram piores. Tyrion dormia mal no melhor dos tempos, e aqueles estavam longe de o ser. Sono normalmente queria dizer sonhos, e nos seus sonhos aguardavam as Mágoas e um rei de pedra com a cara do pai. Isso deixava as miseráveis alternativas de subir para a cama de rede e ouvir Jorah Mormont ressonar por baixo de si, ou permanecer no convés contemplando o mar. Em noites sem luar, a água era negra como tinta de meistre, de horizonte a horizonte. Escura, profunda e sinistra, bela à sua maneira gelada, mas quando a olhava durante muito tempo, Tyrion dava por si matutando sobre como seria fácil deslizar por cima do talabardão e deixar-se cair nas trevas. Um chape muito pequeno, e a patética historiazinha que era a sua vida depressa terminaria. Mas e se existir um inferno e o meu pai estiver à minha espera?

A melhor parte de todas as noites era o jantar. A comida não era particularmente boa, mas era farta, portanto foi para lá que o anão foi em seguida. A cozinha onde tomava as refeições era um local apertado e desconfortável, com um teto tão baixo que os passageiros mais altos estavam sempre em perigo de rachar as cabeças, perigo a que os robustos soldados escravos da Mão Fogosa pareciam particularmente sujeitos. Por mais que Tyrion gostasse de rir disso, acabou por preferir tomar as refeições sozinho. Estar sentado numa mesa sobrelotada com homens que não tinham uma língua em comum com ele, ouvindo-os conversar e gracejar sem compreender nada, depressa se tornou cansativo. Em especial porque dava sempre por si com curiosidade de saber se os gracejos e os risos o teriam como alvo.

A cozinha era também onde se guardavam os livros do navio. Visto que o seu capitão era um homem particularmente amigo dos livros, havia três; uma compilação de poesia náutica que ia de mal a pior, um volume muito folheado sobre as aventuras eróticas de uma jovem escrava num bordel liseno, e o quarto e último volume de A Vida do Triarca Belicho, um famoso patriota volanteno cuja sucessão ininterrupta de conquistas e triunfos terminou de forma bastante abrupta quando foi comido por gigantes. Tyrion terminou todos no terceiro dia que o navio passou no mar. Depois, à falta de outros livros recomeçou a lê-los. A história da escrava era o mais mal escrito, mas o mais absorvente, e foi esse que levou para a mesa naquela noite como companhia para um jantar de beterrabas amanteigadas, estufado frio de peixe e biscoitos que podiam ter sido usados para espetar pregos.

Estava lendo o relato da menina sobre o dia em que ela e a irmã tinham sido capturadas por traficantes de escravos quando Centava entrou na cozinha.

— Oh — disse ela — pensei que... não queria incomodar o senhor, eu...

— Não está me incomodando. Não vai voltar a tentar me matar, espero.

— Não. — A menina afastou o olhar, com a cara a enrubescer.

— Nesse caso, acolho bem um pouco de companhia. Há bem pouca a bordo deste navio. — Tyrion fechou o livro. — Vem. Senta-te. Come. — A menina deixou a maior parte das refeições intactas à porta da sua cabine. Por aquela hora, já devia estar esfomeada. — O estufado está quase comestível. O peixe é fresco, pelo menos.

— Não, eu... uma vez engasguei-me com uma espinha de peixe, não posso comer peixe.