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— Então beba um pouco de vinho. — Encheu uma taça e a fez deslizar para ela. — Cumprimentos do nosso capitão. Se parece mais com mijo do que com dourado da Árvore, em boa verdade, mas até o mijo desce melhor do que o rum preto como alcatrão que os marinheiros bebem. Pode ajudar-lhe a dormir.

A menina não fez qualquer movimento para tocar na taça.

— Obrigada, senhor, mas não. — Recuou. — Não devia estar o incomodando.

— Tenciona passar a vida inteira fugindo? — perguntou Tyrion antes de ela ter tempo de se esgueirar pela porta afora.

Aquilo a fez parar. Ficou com as bochechas de um rosa vivo, e Tyrion teve receio de que estivesse prestes a desatar outra vez a chorar. Mas a menina projetou o lábio num desafio e disse:

— Você também está fugindo.

— Sim, estou — confessou o anão — mas eu estou fugindo para e você está fugindo de, e há aí um mundo de diferença.

— Nós nunca teríamos de fugir, se não fosse você.

Foi precisa alguma coragem, para me dizer aquilo na cara.

— Está falando de Porto Real ou de Volantis?

— Das duas coisas. — Lágrimas reluziram nos seus olhos. — De tudo. Porque não podia simplesmente ter vindo lutar com a gente, como o rei queria? Não o teria ofendido. O que teria custado, senhor, subir para cima do nosso cão e fazer uma investida? Era só um bocadinho de divertimento. Eles teriam rido de você, nada mais.

— Eles teriam rido de mim — disse Tyrion. Em vez disso obrigamos a rir de Joff. E não foi um truque esperto?

— O meu irmão diz que fazer as pessoas rir é coisa boa. Uma coisa nobre, e honrosa. O meu irmão diz... ele... — As lágrimas caíram nessa hora, rolando-lhe pela cara abaixo.

— Lamento pelo seu irmão. — Tyrion já lhe disse as mesmas palavras, em Volantis, mas ela alí esteve muito submersa em desgosto e ele duvidava de que o tivesse ouvido.

Naquele momento ouviu.

— Lamenta. Você lamenta. — Tinha o lábio tremendo, a cara úmida, os olhos eram covas bordejadas de vermelho. — Abandonamos Porto Real nessa mesma noite. O meu irmão disse que era melhor assim, antes de alguém querer saber se tínhamos desempenhado algum papel na morte do rei e decidir torturar-nos para descobrir. Fomos primeiro para Tyrosh. O meu irmão achou que seria suficientemente longe, mas não era. Conhecíamos um malabarista de lá. Levou anos e anos fazendo malabarismo todos os dias perto da Fonte do Deus Bêbado. Era velho, de modo que as mãos já não eram tão hábeis como tinham sido, e às vezes deixava cair as bolas e corria atrás delas pela praça fora, mas os tyroshi riam-se e atiravam-lhe moedas na mesma. Mas uma manhã, ouvimos dizer que o corpo dele tinha sido encontrado no Templo de Trios. Trios tem tres cabeças, e há uma grande estátua dele ao lado das portas do templo. O velho tinha sido cortado em três partes e enfiado nas bocas triplas de Trios. Só que quando os bocados foram unidos, a cabeça tinha desaparecido.

— Um presente para a minha querida irmã. Era outro anão.

— Um homem pequeno, sim. Como você, e Oppo. Tostão. Também lamenta pelo malabarista?

— Nunca soube que o seu malabarista existia até este momento... mas sim, lamento que esteja morto.

— Ele morreu por você. O sangue dele está nas suas mãos.

A acusação o feriu, tendo aparecido tão pouco tempo depois das palavras de Jorah Mormont.

— O sangue dele está nas mãos da minha irmã e nas mãos das bestas que o mataram. As minhas mãos... — Tyrion virou-as, inspecionou-as, fechou-as em punhos. — ... As minhas mãos estão cobertas de sangue antigo, sim. Me chame de assassino de parentes, e não se enganará. Regicida, também responderei por esse nome. Matei mães, pais, sobrinhos, amantes, homens e mulheres, reis e rameiras. Um sacana de um cantor um dia me aborreceu, portanto mandei estufá-lo. Mas nunca matei um malabarista, nem um anão, e não é culpa minha o que aconteceu ao raio do seu irmão.

Centava pegou na taça de vinho que ele lhe serviu e atirou à cara. Exatamente como a minha querida irmã. Ouviu a porta da cozinha bater, mas não a viu sair. Tinha os olhos piscando, e o mundo era uma mancha. Quanto a tornar-me amigo delay estamos conversados.

Tyrion Lannister tinha escassa experiência com outros anões. O senhor seu pai não acolheu bem nada que lhe fizesse lembrar as deformidades do filho, e saltimbancos que incluíssem gente pequena nas suas trupes depressa aprenderam a manterem-se afastados de Lanisporto e de Rochedo Casterly, para não arriscarem desagradar-lhe. Enquanto crescia, Tyrion ouviu falar de um bobo anão no castelo do dornês Lorde Fowler, de um meistre anão ao serviço nos Dedos, e de uma anã entre as irmãs silenciosas, mas nunca sentiu a mínima necessidade de ir à procura deles. Também lhe chegaram aos ouvidos histórias menos dignas de confiança sobre uma bruxa anã que assombrava uma colina nas terras fluviais, e sobre uma rameira anã em Porto Real, afamada por acasalar com cães. Foi a sua querida irmã que lhe falou dessa última, oferecendo-se mesmo para lhe arranjar uma cadela no cio para ele experimentar. Quando perguntou educadamente se ela estaria se referir a si própria, Cersei atirou-lhe uma taça de vinho à cara. Esse era tinto, se bem me lembro, e este é dourado. Tyrion limpou a cara com uma manga. Ainda tinha os olhos piscando.

Não voltou a ver Centava até o dia da tempestade.

O ar salgado estava imóvel e pesado nessa manhã, mas o céu ocidental mostrava um vermelho fogoso, cortado de nuvens ameaçadoras que brilhavam tão vivamente como o carmesim dos Lannister. Marinheiros precipitavam-se de um lado para o outro reforçando escotilhas, prendendo cabos, limpando o convés, amarrando tudo o que não estivesse já amarrado.

— Vento mau vem aí — avisou um. — Sem-Nariz devia descer.

Tyrion se lembrou da tempestade que suportou na travessia do mar estreito, do modo como a coberta saltou sob os seus pés, dos hediondos rangidos que o navio soltou, do sabor a vinho e a vômito.

— O Sem-Nariz vai ficar aqui em cima. — Se os deuses o quisessem, preferia morrer afogado do que engasgado no próprio vômito. E por cima da sua cabeça, a vela de tela da coca ondulou lentamente, como a pelagem de um grande animal despertando de um longo sono, e depois encheu-se com um súbito crac que fez virar todas as cabeças no navio.

Os ventos empurraram a coca à sua frente, bem para longe da rota. Atrás deles, nuvens negras encavalitaram-se umas nas outras num céu vermelho como sangue. Pelo meio da manhã já viam relâmpagos tremeluzindo a oeste, seguidos por distantes estrondos de trovões. O mar tornou-se mais encrespado, e ondas escuras ergueram-se para se esmagarem contra o casco do Intendente Fedorento. Foi por volta das dez que a tripulação começou a arrear a tela. Tyrion estava servindo de empecilho a meia-nau, por isso subiu o castelo de proa e agachou-se, saboreando o vergastar da chuva fria no rosto. A coca subiu e desceu, corcoveando mais violentamente do que qualquer cavalo que já tivesse montado, erguendo-se com cada vaga antes de deslizar para dentro da depressão que a separava da próxima, abalando-o até os ossos. Mesmo assim, estava melhor ali onde conseguia ver do que lá em baixo, trancado em alguma cabine sem ar.

Quando a tempestade arrebentou, caiu tudo em cima deles e Tyrion Lannister ficou ensopado até à roupa de baixo, mas sentia-se eufórico sem saber por quê... e mais ainda mais tarde, quando foi descobrir Jorah Mormont bêbado numa poça de vômito na cabine que partilhavam.