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O anão deixou-se ficar na cozinha depois do jantar, festejando a sua sobrevivência com a partilha de alguns golinhos de rum negro com alcatrão junto do cozinheiro do navio, um grande, gorduroso e boçal volanteno que só sabia uma palavra no idioma comum ("Jòda")y mas jogava furiosamente cyvasse, em especial quando estava bêbado. Jogaram três jogos nessa noite. Tyrion ganhou o primeiro, depois perdeu os outros dois. Depois disso, decidiu que já lhe chegava e subiu aos tropeções ao convés para limpar a cabeça tanto de rum como de elefantes.

Foi descobrir Centava no castelo de proa, onde tantas vezes encontrara Sor Jorah, em pé à amurada ao lado da hedionda e meio podre figura de proa da coca, fitando o mar escuro como tinta. Vista de trás, parecia tão pequena e vulnerável como uma criança.

Tyrion achou melhor deixá-la em paz, mas era tarde demais. Ela o ouviu.

— Hugor Hill

— Se quiser. — Ambos sabemos que não. — Lamento perturbar-lhe. Vou-me embora.

— Não. — A cara dela estava pálida e triste, mas não parecia ter estado chorando. — Eu também lamento. Aquilo do vinho. Não foi você que matou o meu irmão ou aquele pobre homem em Tyrosh.

— Desempenhei um papel, embora não por minha vontade.

— Tenho tantas saudades dele. Do meu irmão. Eu...

— Eu compreendo. — Deu por si a pensar em Jaime. Pode se achar sortuda. O seu irmão morreu antes de ter tempo de traí-la.

— Achei que queria morrer — disse ela — mas agora, quando a tempestade chegou e julguei que o navio ia afundar, eu... eu...

— Percebeu que afinal queria viver. — Também aí estive. Mais uma coisa que temos em comum.

Os dentes dela eram tortos, o que a tornava tímida com os sorrisos, mas agora sorria.

— Cozinhou mesmo um cantor num estufado?

— Quem, eu? Não. Eu não cozinho.

Quando Centava soltou um risinho, soou como a doce menina que era... dezessete, dezoito, não mais de dezenove anos.

— O que foi que ele fez, esse cantor?

— Escreveu uma canção sobre mim. — Porque ela era o secreto tesouro, a sua vergonha e seu prazer. E corrente e forte nada são, comparados com beijos de mulher. Foi estranho como se lembrou depressa das palavras. Talvez nunca as tivesse esquecido. Mãos de ouro são sempre frias, mas há calor numas mãos de mulher.

— Deve ter sido uma canção muito má.

— Nem por isso. Não era nenhuma Chuvas de Castamere, atenção, mas algumas partes eram... bem...

— Como era?

Ele riu.

— Não. Você não quer me ouvir cantar.

— A minha mãe costumava cantar para nós quando éramos crianças. Para mim e para o meu irmão. Dizia sempre que não importava se a voz era boa ou má, desde que se amasse a canção.

— Ela era...

— ... uma pessoa pequena? Não, mas o nosso pai era. O pai dele vendeu-o a um traficante de escravos quando tinha três anos, mas cresceu para se tornar um saltimbanco tão famoso que comprou a liberdade. Viajou por todas as Cidades Livres, e também por Westeros. Em Vilavelha costumavam chamar-lhe Grão-Saltitão.

Claro que sim. Tyrion tentou não estremecer.

— Já morreu — prosseguiu Centava. — A minha mãe também. O Oppo... ele era o último membro da minha família, e agora também se foi. — Virou a cabeça para o lado e olhou para o mar. — O que vou eu fazer? Para onde irei? Não tenho nenhum ofício, só o espetáculo das justas, e para isso são precisos dois.

Não, pensou Tyrion. Esse não é lugar para onde queira ir, menina. Não me peça isso. Nem sequer pense nisso.

— Arranja um órfão promissor — sugeriu.

Centava não pareceu ouvi-lo.

— Fazer os combates foi ideia do pai. Ele até treinou a primeira porca, mas nessa altura já estava muito doente para monta-la, portanto Oppo fez no lugar dele. Eu montei sempre o cão. Atuamos uma vez para o Senhor do Mar de Braavos, e ele riu-se tanto que depois deu a cada um de nós um... um magnífico presente.

— Foi aí que a minha irmã os encontrou? Em Braavos?

— A sua irmã? — a menina pareceu perdida.

— A Rainha Cersei.

Centava abanou a cabeça.

— Ela não... foi um homem que veio falar conosco, em Pentos. Osmund. Não, Oswald. Qualquer coisa do género. Foi Oppo que se encontrou com ele, não fui eu. Era Oppo que fazia todos os nossos negócios. O meu irmão sabia sempre o que fazer, para onde devíamos ir de seguida.

— É para Meereen que vamos em seguida.

Ela deu-lhe um olhar confuso.

— Qarth, você quer dizer. Estamos indo para Qarth, com escala em Nova Ghis.

— Meereen. Vai montar o seu cão para a rainha dos dragões e sair de lá com o seu peso em ouro. É melhor começar a comer mais para estar bem rechonchudinha quando justar perante Sua Graça.

Centava não respondeu ao sorriso.

— Sozinha, a única coisa que posso fazer é cavalgar aos círculos. E mesmo se a rainha risse, para onde ia a seguir? Nunca ficamos muito tempo no mesmo local. Da primeira vez que nos veem, riem e riem, mas à quarta ou quinta vez sabem o que vamos fazer antes de o fazermos. Nessa altura param de rir, portanto temos de ir para um novo local. Onde ganhamos mais dinheiro é nas cidades grandes, mas eu sempre gostei mais das vilazinhas. Em lugares como esses as pessoas não têm prata, mas nos dão de comer às suas mesas, e as crianças seguem-nos para todo o lado.

Isso é porque nunca viram um anão nos miseráveis penicos das suas vilas pensou Tyrion. Os sacanas dos fedelhos eram capazes de andar atrás de uma cabra de duas cabeças se alguma aparecesse. Até se fartarem dos seus balidos e a abaterem para o jantar. Mas não tinha vontade de fazê-la voltar a chorar. Em vez daquilo, disse:

— Daenerys tem um coração bondoso e uma natureza generosa. — Era o que ela precisava ouvir. — Há de arranjar lugar para você na corte, sem dúvida. Um lugar seguro, fora do alcance da minha irmã.

Centava virou-lhe as costas.

— E você também estará lá.

A menos que Daenerys decida que precisa de algum sangue Lannistery para pagar pelo sangue Targaryen que o meu irmão derramou.

— Estarei.

Depois daquilo, a anã foi vista com mais frequência no convés. No dia seguinte, Tyrion a eneontrou e à sua porca malhada a meia-nau no meio da tarde, quando o ar estava quente e o mar calmo.

— O nome dela é Bonita — disse-lhe a menina com timidez.

Bonita, a porca, e Centava, a menina, pensou. Alguém tem bastante porque responder. Centava deu a Tyrion umas quantas bolotas, e ele deixou que Bonita as comesse da sua mão. Não julgue que eu não percebo o que está fazendo; menina, pensou, enquanto a grande porca foçava e grunhia.

Depressa começaram a tomar juntos as refeições. Em algumas noites eram só os dois; a outras refeições juntavam-se aos guardas de Moqorro. Tyrion chamou-lhes "os dedos;" eram homens da Mão Fogosa, afinal de contas, e eram cinco. Centava riu disso, um som doce, embora não um som que ele ouvisse com frequência. A ferida dela era muito recente, o seu desgosto muito profundo.