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Tyrion depressa a pôs a chamar ao navio Intendente Fedorento, embora ficasse algo irada sempre que ele chamava "Bacon" à Bonita. Para expiar essa falta, Tyrion fez uma tentativa de lhe ensinar cyvasse, mas depressa percebeu de que essa era uma causa perdida.

— Não — disse, uma dúzia de vezes — é o dragão que voa, não os elefantes.

Nessa mesma noite, ela pôs as cartas na mesa e perguntou-lhe se ele gostaria de investir com ela.

— Não — respondeu. Só mais tarde lhe ocorreu que talvez investir não quisesse dizer investir. A resposta seria na mesma não, mas podia não ter sido tão brusco.

De volta à cabine que partilhava com Jorah Mormont, Tyrion levou horas virando-se na rede, adormecendo e acordando. Tinha os sonhos cheios de mãos cinzentas e pétreas que tentavam agarrá-lo do meio do nevoeiro, e de uma escada que levava ao seu pai.

Por fim, desistiu e subiu a fim de respirar um pouco do ar noturno. O Selaesori Qhoran enrolara a sua grande vela listada para a noite, e o convés estava praticamente deserto. Via-se um dos imediatos no castelo de popa, e a meia-nau encontrava-se Moqorro sentado junto ao seu braseiro, onde um punhado de pequenas chamas ainda dançava por entre as brasas.

Só as estrelas mais brilhantes estavam visíveis, todas a oeste. Um brilho mortiço e vermelho iluminava o céu a nordeste, a cor de uma mancha de sangue. Tyrion nunca viu uma Lua maior. Monstruosa, inchada, parecia ter engolido o Sol e despertado com febre. A sua gêmea, flutuando no mar fora do barco, cintilava vermelha a cada onda.

— Que horas são? — perguntou a Moqorro. — Aquilo não pode ser o Sol nascente, a menos que o leste tenha mudado de lugar. Porque está o céu vermelho?

— O céu é sempre vermelho por cima de Valíria, Hugor Hill.

Um arrepio percorreu-lhe a espinha.

— Estamos perto?

— Mais perto do que a tripulação gostaria de estar — disse Moqorro com a sua voz profunda. — Conhece as histórias, nos seus reinos do poente?

— Sei que há marinheiros que dizem que qualquer homem que ponha os olhos naquela costa está condenado. — Ele próprio não acreditava mais em tais histórias do que o tio acreditou. Gerion Lannister zarpou para Valíria quando Tyrion tinha dezoito anos, decidido a recuperar a espada ancestral perdida da Casa Lannister e todos os outros tesouros que pudessem ter sobrevivido à Destruição. Tyrion desejou desesperadamente ir com eles, mas o senhor seu pai chamou à viagem a "demanda de um palerma," e o proibiu de participar.

E talvez não estivesse assim tão enganado. Passou-se quase uma década desde que o Leão Sorridente saiu de Lanisporto, e Gerion nunca regressou. Os homens que Tywin enviou em busca dele tinham-lhe seguido o rasto até Volantis, onde metade da tripulação o abandonou e ele comprou escravos para substituí-la. Nenhum homem livre se engajaria voluntariamente num navio cujo capitão falava abertamente da sua intenção de navegar para o Mar Fumegante.

— Então o que estamos vendo são os fogos das Catorze Chamas refletirem nas nuvens?

— Catorze ou catorze mil. Que homem se atreve a contá-las? Não é sensato para os mortais olharem com muita atenção para esses fogos, meu amigo. Aqueles são os fogos da fúria do próprio deus, e nenhuma chama humana pode lhes comparar. Somos criaturas pequenas, os homens.

— Algumas menores do que outras. — Valíria. Estava escrito que no dia da Destruição todos os montes ao longo de quinhentas milhas tinham se despedaçado para encher o ar com cinzas, fumo e fogo, incêndios tão quentes e famintos que mesmo os dragões no céu foram envolvidos e consumidos. Grandes rasgos tinham-se aberto na terra, engolindo palácios, templos, cidades inteiras. Lagos ferveram e transformaram-se em ácido, montanhas arrebentaram, fontes de fogo cuspiram rocha fundida até uma altura de trezentos metros, de nuvens vermelhas choveu vidro de dragão e o sangue negro dos demônios, e ao norte o terreno fraturou-se, ruiu e caiu para dentro de si próprio, e um mar furioso jorrou para onde ele esteve. A mais orgulhosa cidade do mundo inteiro desapareceu num instante, o seu fabuloso império sumiu-se num dia, as Terras do Longo Verão foram queimadas, afogadas e arrasadas.

Um império construído de sangue e fogo. Os valirianos colheram a semente que tinham semeado.

— O nosso capitão tenciona testar a maldição?

— O nosso capitão preferia estar cinquenta léguas mais para o largo, bem longe daquela costa maldita, mas eu ordenei-lhe para rumar pela rota mais curta. Há outros que também procuram Daenerys.

Grijf com o seu jovem príncipe. Poderia todo aquele falatório sobre a Companhia Dourada zarpar para oeste ter sido uma simulação? Tyrion pensou em dizer alguma coisa, mas depois pensou melhor. Parecia-lhe que a profecia que guiava os sacerdotes vermelhos só tinha lugar para um herói. Um segundo Targaryen só serviria para confundi-los.

— Viu esses outros nas suas chamas? — perguntou, com cautela.

— Só as suas sombras — disse Moqorro. — Uma em especial. Uma coisa alta e retorcida com um olho negro e dez longos braços, navegando num mar de sangue.

BRAN

A Lua era crescente, fina e aguçada como a lâmina de uma faca. Um Sol pálido nasceu, pôs-se e voltou a nascer. Folhas vermelhas sussurraram ao vento. Nuvens escuras encheram os céus e transformaram-se em tempestades. Relâmpagos caíram e trovões trovejaram e mortos com mãos pretas e brilhantes olhos azuis arrastaram os pés em volta de uma fenda na vertente da colina, mas não conseguiram entrar. Debaixo da colina, o rapaz quebrado estava sentado num trono de represeiro, escutando murmúrios nas trevas enquanto corvos lhe percorriam os braços.

— Não voltará a andar — prometeu o corvo de três olhos — mas voará. — Às vezes, o som de canções chegava-lhe vindo de algum lugar, muito abaixo. Filhos da floresta, teria a Velha Nan chamado aos cantores, mas aqueles que cantam a canção da terra era o nome que davam a si próprios, no idioma verdadeiro que nenhum ser humano conseguia falar. Mas os corvos conseguiam. Os seus pequenos olhos pretos estavam cheios de segredos, e eles dirigiam-lhe crocitas e bicavam-lhe a pele quando ouviam as canções.

A Lua estava gorda e cheia. Estrelas rodopiavam num céu negro. Chuva caiu e gelou, e ramos de árvores se partiram com o peso do gelo. Bran e Meera inventaram nomes para aqueles que cantavam a canção da terra: Cinza e Folha e Escamas, Faca Preta e Madeixas de Neve e Carvões. Os seus nomes verdadeiros eram longos demais para línguas humanas, segundo afirmava a Folha. Só ela sabia falar o idioma comum, portanto Bran nunca soube o que os outros pensavam dos seus novos nomes.

Após o frio de triturar ossos das terras atrás da Muralha, as grutas eram abençoadamente quentes, e quando o frio exalava da rocha os cantores acendiam fogueiras para voltar a expulsá-lo. Lá em baixo não havia vento, não havia neve, não havia gelo, não havia coisas mortas tentando nos agarrar, só sonhos e velas de junco e os beijos dos corvos. E aquele que murmurava na escuridão.

O último vidente verde, chamavam os cantores, mas nos sonhos de Bran continuava a ser um corvo de três olhos. Quando Meera Reed quis saber qual era o seu verdadeiro nome, ele fez um som pavoroso que podia ter sido um risinho.

— Usei muitos nomes quando era rápido, mas até eu tive em tempos uma mãe, e o nome que ela me deu ao seu colo foi Brynden.