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O rapaz olhou para a tigela com incerteza.

— O que é?

— Uma pasta de sementes de represeiro.

Algo no aspecto da coisa deixou Bran maldisposto. Supunha que os veios vermelhos fossem só seiva de represeiro, mas à luz dos archotes pare- ciam-se notavelmente com sangue. Mergulhou a colher na pasta e hesitou.

— Isso fará de mim um vidente verde?

— O seu sangue faz de você um vidente verde — disse Lorde Brynden. — Isto vai ajudar a despertar os seus dons, e vai casar-te com as árvores.

Bran não queria ficar casado com uma árvore... mas quem mais se casaria com um rapaz quebrado como ele? Mil olhos, cem peles, sabedoria profunda como as raízes de árvores antigas. Um vidente verde.

Comeu.

Tinha um sabor amargo, embora não fosse tão amargo como pasta de bolotas. A primeira colherada foi a mais difícil de empurrar para baixo. Quase a vomitou de imediato. A segunda desceu melhor. A terceira pareceu quase doce. As outras devorou avidamente. Porque teria achado a pasta amarga? Descia a mel, e neve acabada de cair, a pimenta e gengibre e ao último beijo que a mãe lhe deu. A tigela vazia escorregou-lhe dos dedos e retiniu no chão da caverna.

— Não me sinto diferente. O que acontece em seguida?

Folha tocou-lhe na mão.

— As árvores lhe ensinarão. As árvores recordam. — Ergueu uma mão e os outros cantores começaram a deslocar-se pela caverna, apagando os archotes um por um. A escuridão aprofundou-se e aproximou-se deles.

— Feche os olhos — disse o corvo de três olhos. — Saia da sua pele, como faz quando se une ao Verão. Mas desta vez penetre nas raízes. Segue-as através da terra, até às árvores no alto da colina e me diz o que vê.

Bran fechou os olhos e libertou-se da pele. Para dentro das raízes, pensou. Para dentro do represeiro. Transforme-se na árvore. Por um instante conseguiu ver a caverna no seu manto negro, conseguiu ouvir o rio correndo em baixo.

Depois, de repente, estava de novo em casa.

O Lorde Eddard Stark estava sentado numa pedra ao lado da profunda lagoa negra no bosque sagrado, com as pálidas raízes da árvore-coração a retorcerem-se à volta dele como os braços nodosos de um velho. A espada Gelo estava no colo do Lorde Eddard, e ele limpava a lâmina com um oleado.

— Winterfell — murmurou Bran.

O pai ergueu o olhar.

— Quem está aí? — perguntou, virando-se...

... E Bran, assustado, afastou-se. O pai e a lagoa negra e o bosque sagrado desvaneceram-se e desapareceram e ele se viu de volta à caverna, com as pálidas e grossas raízes do seu trono de represeiro embalando os seus membros como uma mãe embala um filho. Um archote ganhou vida na sua frente.

— Diga o que viu. — De longe, Folha parecia quase uma menina, com a idade de Bran ou de uma das irmãs, mas de perto parecia muito mais velha. Afirmava ter visto duzentos anos.

Bran tinha a garganta muito seca. Tentou engolir.

— Winterfell. Estava de volta a Winterfell. Vi o meu pai. Ele não está morto, não está, eu o vi, está de regresso a Winterfell, ainda está vivo.

— Não — disse Folha. — Ele desapareceu, rapaz. Não tente trazê-lo de volta dos mortos.

— Eu o vi. — Bran sentia madeira áspera encostada a uma bochecha. — Ele estava limpando Gelo.

— Viu o que desejava ver. O seu coração anseia pelo seu pai e pelo seu lar, portanto foi isso que viu.

— Um homem tem de saber como olhar antes de poder ter esperança de ver — disse Lorde Brynden. — Isso que viu foram sombras de dias passados, Bran. Estava olhando através dos olhos da árvore-coração no seu bosque sagrado. O tempo para uma árvore é diferente do tempo para um homem. Sol, solo e água, são essas as coisas que um represeiro entende, não dias, anos e séculos. Para os homens, o tempo é um rio. Estamos encurralados no seu fluxo, correndo do passado para o presente, sempre na mesma direção. As vidas das árvores são diferentes. Enraízam-se, crescem e morrem no mesmo local, e esse rio não as desloca. O carvalho é a bolota, a bolota é o carvalho. E o represeiro... mil anos humanos são um momento para um represeiro, e através desses portões você e eu podemos olhar o passado.

— Mas — disse Bran — ele me ouviu.

— Ele ouviu um sussurro no vento, um restolhar entre as folhas. Não podes falar com ele, por mais que tente. Eu sei. Eu tenho os meus próprios fantasmas, Bran. Um irmão que amei, um irmão que odiei, uma mulher que desejei. Através das árvores ainda os vejo, mas nunca nenhuma palavra minha lhes chegou aos ouvidos. O passado continua a ser o passado. Podemos aprender com ele, mas não podemos alterá-lo.

— Vou voltar a ver o meu pai?

— Depois de ter dominado os seus dons, pode olhar para onde quiser e ver o que as árvores viram, seja ontem ou no ano passado ou há mil eras. Os homens vivem as suas vidas encurralados num eterno presente, entre as névoas da memória e o mar de sombras que é tudo o que conhecemos dos dias do por vir. Certas mariposas vivem as vidas inteiras num só dia, mas para elas esse pequeno intervalo de tempo deve parecer tão longo como a nós parecem anos e décadas. Um carvalho pode viver trezentos anos, uma árvore de pau-brasil três mil. Um represeiro viverá para sempre se não for perturbado. Para eles, as estações passam no bater de uma asa de mariposa, e passado, presente e futuro são um só. Além disso, a sua visão não ficará limitada ao seu bosque sagrado. Os cantores esculpiram olhos nas árvores-coração dos bosques sagrados para despertá-las, e esses são os primeiros olhos que um novo vidente verde aprende a usar... mas ao seu tempo verá bem para lá das árvores propriamente ditas.

— Quando? — quis Bran saber

— Dentro de um ano, ou de três, ou de dez. Isso eu ainda não vi. Chegará ao seu tempo, lhe garanto. Mas agora estou cansado, e as árvores me chamam. Continuamos amanhã.

Hodor levou Bran de volta à sua câmara, resmungando "Hodor" em voz baixa enquanto Folha seguia à frente deles com um archote. Esperara que Meera e Jojen lá estivessem para lhes poder contar o que viu, mas o seu confortável nicho na rocha estava frio e vazio. Hodor depositou Bran na sua cama, cobriu-o de peles, e fez uma fogueira para ambos. Mil olhos, cem peles, sabedoria profunda como as raízes de árvores antigas.

Observando as chamas, Bran decidiu que ficaria acordado até Meera regressar. Jojen estaria infeliz, bem o sabia, mas Meera ficaria feliz por ele. Não deu por fechar os olhos.

... Mas então, sem saber como, viu-se de novo em Winterfell, no bosque sagrado olhando o pai. Lorde Eddard parecia muito mais novo desta vez. O cabelo era castanho sem qualquer vestígio de cinzento nele, a cabeça estava baixa.

— ... Permiti que cresçam unidos como irmãos, só com amor entre ambos — rezava — e permiti que a senhora minha esposa encontre no coração capacidade para perdoar...

— Pai. — A voz de Bran era um sussurro no vento, um restolhar de folhas. — Pai, sou eu. É o Bran. Brandon.

Eddard Stark ergueu a cabeça e olhou longamente para o represeiro, franzindo as sobrancelhas, mas não falou. Ele não consegue me ver, compreendeu Bran, desesperando. Queria estender a mão e tocá-lo, mas tudo o que podia fazer era observar e escutar. Estou na árvore. Estou dentro da árvore coração, olhando através dos seus olhos vermelhos, mas o represeiro não pode falar; portanto eu também não.