— O nome levou-a a erguer o olhar. — Até esse ponto? — Aos risinhos, cruzou as pernas atrofiadas e bebeu um gole.
— Sinto aversão por desempenhar o papel que o queijeiro tem em mente para mim, seja ele qual for, mas como posso recusá-lo? Os portões estão guardados. Talvez possas fazer-me sair debaixo das suas saias? Ficava tão grato, olha, até me casava contigo. Já tenho duas esposas, porque não três? Ah, mas onde viveríamos? — dirigiu-lhe o mais agradável sorriso que um homem com meio nariz conseguia arranjar. — Tenho uma sobrinha em Lançassolar, já te tinha dito? Podia fazer muitas travessuras em Dorne com Myrcella. Podia pôr a minha sobrinha e o meu sobrinho em guerra, não era engraçado? — a lavadeira pôs para secar uma das túnicas de Illyrio, suficientemente grande para também servir de vela. — Devia ter vergonha de ter pensamentos tão maldosos, tem toda a razão. Era melhor que procurasse a Muralha. Dizem que todos os crimes são limpos quando um homem se junta à Patrulha da Noite. Se bem que tema que não me deixassem ficar contigo, doçura. Não há mulheres na Patrulha, não há doces esposas sardentas para nos aquecer a cama à noite, só ventos frios, bacalhau salgado e má cerveja. Acha que eu pareceria mais alto de preto, senhora? — Voltou a encher a taça. — Que diz? Norte ou sul? Deverei expiar velhos pecados ou cometer alguns novos?
A lavadeira deitou-lhe um último relance, pegou no balde e afastou-se. Parece que não consigo segurar uma esposa por muito tempo, refletiu Tyrion. Sem que soubesse como, o jarro secara. Talvez deva voltar aos tropeções para a adega. Mas o vinho forte estava fazendo-lhe a cabeça rodopiar, e os degraus da adega eram muito íngremes.
— Para onde vão as rameiras? — perguntou à roupa lavada que secava na corda. Talvez devesse ter perguntado à lavadeira. Não estou insinuando que vocêu seja uma rameira, querida, mas talvez saiba para onde elas vão. Ou melhor ainda, devia ter perguntado ao meu pai.
— Onde quer que as rameiras vão — dissera Lorde Tywin. Ela amava-me. Era filha de um caseiro, amava-me e casou comigo, entregou-me a sua confiança.
O jarro vazio escorregou-lhe da mão e rolou pelo pátio afora. Tyrion empurrou-se para fora do banco e foi buscá-lo. Quando o fez, viu uns quantos cogumelos cresciam em um ladrilho rachado. Eram de um branco claro, com manchas, e tinham uma parte de baixo cheia de lamelas vermelhas tão escuras como sangue. O anão arrancou um e cheirou-o. Delicioso, pensou, e mortífero.
Os cogumelos eram sete. Talvez os Sete estivessem tentando dizer-lhe qualquer coisa. Colheu-os a todos, tirou uma luva da corda, enrolou-os cuidadosamente, e enfiou-os no bolso. O esforço deixou-o tonto, pelo que voltou em seguida a engatinhar para o banco, enrolou-se e fechou os olhos.
Quando voltou a acordar, estava de volta ao seu quarto, de novo afogando-se no colchão de penugem de ganso enquanto uma moça loira lhe sacudia o ombro.
— Senhor — disse ela — o seu banho aguarda. O Magíster Illyrio o espera à mesa dentro de uma hora. Tyrion apoiou-se às almofadas, com a cabeça nas mãos.
— Estou sonhando ou você fala o idioma comum?
— Sim, senhor. Fui trazida para agradar ao rei. — Tinha olhos azuis e era bonita, jovem e esbelta.
— Tenho a certeza que sim. Preciso de uma taça de vinho. Ela serviu-o.
— O Magíster Illyrio disse que devo te esfregar as costas e lhe aquecer a cama. O meu nome…
—… não me interessa para nada. Sabe para onde vão as rameiras? Ela corou.
As rameiras vendem-se por dinheiro. Ou por joias, ou por vestidos, ou por castelos. Mas para onde vão? A menina não conseguia compreender a pergunta.
— É uma adivinha, senhor? Não sou boa com adivinhas. Não me irá dizer a resposta?
Não, pensou. Pessoalmente, desprezo adivinhas.
— Não quero-lhe dizer nada. Faz-me o mesmo favor. — A única parte de você que me interessa é a parte que tem entre as pernas, quase disse. As palavras estiveram na sua língua, mas sem que soubesse por que nunca lhe ultrapassaram os lábios. Ela não é a Shae, disse o anão para si. É só uma tolinha qualquer que pensa que eu brinco de adivinhas. Em boa verdade, nem mesmo a sua boceta lhe interessava por algum tempo. Devo estar doente ou morto. — Mencionara um banho? Não podemos deixar o grande queijeiro à espera. Enquanto se banhava, a mulher lavou-lhe os pés, esfregou-lhe as costas e escovou-lhe o cabelo. Depois, esfregou-lhe uma pomada com um cheiro doce nas barrigas das pernas para lhe atenuar as dores, e voltou a vesti-lo com roupa de rapaz, um par mofado de calças de cor borgonha e um gibão de veludo azul forrado de fio de ouro.
— O senhor vai querer-me depois de comer? — perguntou ela enquanto lhe atava as botas.
— Não. Para mim acabaram-se as mulheres. — Rameiras.
A menina acolheu aquela desilusão bem demais para o gosto de Tyrion.
— Se o senhor preferir um rapaz, posso arranjar um para esperar na sua cama.
O senhor preferia a esposa. O senhor preferia uma moça chamada Tysha.
— Só se ele souber para onde vão as rameiras.
A boca da menina apertou-se. Ela despreza-me, percebeu Tyrion, mas não mais do que eu me desprezo. Tyrion não duvidava de que tinha fodido muitas mulheres que abominavam o simples ato de o ver, mas as outras tinham ao menos tido a educação de fingir afeição. Um pouco de desprezo honesto pode ser refrescante, como um vinho amargo depois de um muito doce.
— Acho que mudei de ideia — disse-lhe. — Espera por mim na cama. — Nua, por favor, que vou estar bêbado demais para andar às apalpadelas com a sua roupa. Mantém a boca fechada e as pernas abertas e vamos dar-nos magnificamente os dois. — Deitou-lhe um olhar de esguelha, na esperança de ver um pouco de medo, mas tudo o que ela lhe mostrou foi repugnância. Ninguém teme um anão. Nem mesmo Lorde Tywin tivera medo, apesar de Tyrion ter uma besta nas mãos. — Gemes quando estás a ser fodida? — perguntou à aquecedora de cama.
— Se agradar ao senhor.
— Pode agradar ao senhor te estrangular. Foi assim que lidei com a minha última rameira. Acha que o seu amo ia levantar objeções? Com certeza que não. Ele tem mais uma centena como você, mas mais ninguém como eu. — Desta vez, quando sorriu, obteve o medo que desejava.
Illyrio estava reclinado num sofá almofadado, devorando pimentas e alho-poró que tirava de uma tigela de madeira. Tinha a testa salpicada de gotículas de suor, e os olhinhos de porco brilhavam por cima das bochechas gordas. Joias dançavam quando ele movia as mãos; ónix e opalas, olhos de tigre e turmalinas, rubis, ametistas, safiras, esmeraldas, azeviche e jade, um diamante preto e uma pérola verde. Eu poderia viver durante anos dos anéis dele, refletiu Tyrion, se bem que precisasse de um cutelo para lhes tirar.
— Venha sentar-se, meu pequeno amigo. — Illyrio fez-lhe sinal para que se aproximasse.
O anão trepou em uma cadeira. Era enorme para ele, um trono almofadado destinado a acolher as gigantescas nádegas do magíster, com grossas e resistentes pernas para lhe suportar o peso. Tyrion Lannister vivera toda a vida num mundo que era grande demais para ele, mas na mansão de Illyrio Mopatis a sensação de desproporção assumia dimensões grotescas. Sou um rato no covil de um mamute, refletiu, se bem que o mamute tenha uma boa adega. Dos males, o menor. A ideia deixou-o com sede. Pediu vinho.