— É verdade, senhor Álvaro, — atalhou Miguel, ela ia casar-se, por assim dizer, forçada. O senhor Leôncio, como condição da liberdade dela obrigava-a a casar-se com aquele pobre homem que V. S.ª ali vê.
— Com aquele homem?! — exclamou Álvaro cheio de pasmo e indignação, olhando para o homúnculo que Miguel lhe indicava com o dedo.
— Sim, senhor, — continuou Miguel, — e se ela não se sujeitasse a esse casamento, teria de passar o resto da vida presa em um quarto escuro, incomunicável, com o pé enfiado em uma grossa corrente, como tem vivido desde que veio do Recife até o dia de hoje...
— Verdugo! — bradou Álvaro, não podendo mais sopear sua indignação. — A mão da justiça divina pesa enfim sobre ti para punir tuas monstruosas atrocidades!
— O que vergonha!.., que opróbrio, meu Deus! — exclamou Malvina, debruçando-se a uma mesa, e escondendo o rosto entre as mãos.
— Pobre Isaura! — disse Álvaro com voz comovida, estendendo os braços à cativa. — Chega-te a mim... Eu protestei no fundo de minha alma e por minha honra desafrontar-te do jugo opressor e aviltante, que te esmagava, porque via em ti a pureza de um anjo, e a nobre e altiva resignação da mártir. Foi uma missão santa, que julgo ter recebido do céu, e que hoje vejo coroada do mais feliz e completo resultado. Deus enfim, por minhas mãos vinga a inocência e a virtude oprimida, e esmaga o algoz.
— Deixe-se de blasonar, senhor! — gritou Leôncio agitando-se em gesticulações de furor: — isto não passa de uma infâmia, uma traição, e ladroeira...
— Isaura! — continuou Álvaro com voz sempre firme e grave: — se esse algoz ainda há pouco tinha em suas mãos a tua liberdade e a tua vida, e não tas cedia senão com a condição de desposares um ente disforme e desprezível, agora tens nas tuas a sua propriedade; sim, que as tenho nas minhas, e as passo para as tuas. Isaura, tu és hoje a senhora, e ele o escravo; se não quiser mendigar o pão, há de recorrer à nossa generosidade.
— Senhor! — exclamou Isaura correndo a lançar-se aos pés de Álvaro; — oh! quanto sois bom e generoso para com esta infeliz escrava!... mas em nome dessa mesma generosidade, de joelhos eu vos peço, perdão! perdão para eles...
— Levanta-te, mulher generosa e sublime! — disse Álvaro estendo-lhe as mãos para levantar-se. — Levanta-te, Isaura; não é a meus pés, mas sim em meus braços, aqui bem perto do meu coração, que te deves lançar, pois a despeito de todos os preconceitos do mundo, eu me julgo o mais feliz dos mortais em poder oferecer-te a mão de esposo!...
— Senhor, — bradou Leôncio com os lábios espumantes e os olhos desvairados, — aí tendes tudo quanto possuo; pode saciar sua vingança, mas eu lhe juro, nunca há de ter o prazer de ver-me implorar a sua generosidade.
E dizendo isto entrou arrebatadamente em uma alcova contígua à sala.
— Leôncio! Leôncio!... onde vais! — exclamou Malvina precipitando-se para ele; mal, porém, havia ela chegado à porta, ouviu-se a explosão atroadora de um tiro.
— Ai!... — gritou Malvina, e caiu redondamente em terra.
Leôncio tinha-se rebentado o crânio com um tiro de pistola.