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Havia fardos de feno no chão do sótão e ele se agachou e separou um punhado de sementes e se sentou mastigando-as. Ásperas e secas e empoeiradas. Tinham que conter algum nutriente. Ele se levantou e rolou dois dos fardos pelo chão e deixou-os cair no celeiro lá embaixo. Dois baques empoeirados. Ele voltou para junto da empena e ficou estudando o que podia ver da casa para além da quina do celeiro. Então desceu a escada.

A grama entre a casa e o celeiro parecia intocada. Ele atravessou até a varanda. A tela da varanda podre e caindo. Uma bicicleta de criança. A porta da cozinha estava aberta e ele atravessou a varanda e parou na porta. Revestimento barato de compensado curvado com a umidade. Desmoronando dentro da cozinha. Uma mesa vermelha de fórmica. Atravessou a cozinha e abriu a porta da geladeira. Havia alguma coisa numa das prateleiras sob uma camada de pêlo cinza. Ele fechou a porta. Lixo em toda parte. Pegou uma vassoura num canto e cutucou ao redor com o cabo. Subiu no bdcão e tateou em meio à poeira no alto dos armários. Uma ratoeira. Um pacote de alguma coisa. Ele soprou a poeira. Era um pó com sabor de uva para fazer bebidas. Colocou num bolso do casaco.

Vasculhou a casa quarto por quarto. Não encontrou nada. Uma colher na gaveta da mesa-de-cabeceira. Colocou-a no bolso. Pensou que poderia haver algumas roupas num armário ou roupa de cama mas não havia nada. Voltou e foi até a garagem. Examinou as ferramentas. Ancinhos. Uma pá. Frascos de vidro com pregos e parafusos numa estante. Um estilete. Segurou-o sob a luz, olhou para a lâmina enferrujada e colocou-o de volta. Depois pegou-o de novo. Apanhou uma chave de fenda numa lata de café e abriu o cabo. Dentro havia quatro lâminas novas. Tirou a lâmina velha e deixou-a na prateleira e colocou uma das novas e aparafusou o cabo do estilete outra vez e recolheu a lâmina e colocou o estilete dentro do bolso. Depois pegou a chave de fenda e colocou-a no bolso também.

Voltou para o celeiro lá fora. Tinha um pedaço de pano que pretendia usar para juntar sementes dos fardos de feno mas quando chegou ao celeiro parou e ficou escutando o vento. Um estalar de folha-de-flandres em algum lugar no teto acima dele. Havia um odor remanescente de vacas no celeiro e ele ficou parado em pé ali pensando em vacas e se dando conta de que estavam extintas. Era verdade? Poderia haver uma vaca em algum lugar sendo alimentada e cuidada. Poderia? Alimentada com o quê? Guardada para quê? Do outro lado da porta aberta a grama morta fazia um som áspero e seco sob o vento. Ele foi lá para fora e ficou parado olhando através dos campos para a floresta de pinheiros onde o menino dormia. Caminhou através do pomar e entao parou outra vez. Tinha pisado em alguma coisa. Recuou um passo e se ajoelhou e afastou a grama com as mãos. Era uma maçã. Apanhou-a e segurou-a sob a luz. Dura e marrom e murcha. Limpou-a com o pano e mordeu-a. Seca e quase sem gosto. Mas uma maça. Comeu-a inteira, sementes e tudo. Segurou o cabo entre o polegar e o indicador e deixou-o cair. Então começou a caminhar cuidadosamente pela grama. Seus pés ainda estavam envolvidos pelos restos do casaco e os pedaços da lona e ele se sentou e desamarrou tudo e enfiou os trapos no bolso e percorreu as fileiras de árvores descalço. Quando chegou ao outro lado do pomar tinha mais quatro maçãs e colocou-as no bolso e voltou. Caminhou fileira por fileira até ter percorrido um quebra-cabeça na grama. Tinha mais maçãs do que conseguia carregar. Tateou nos espaços ao redor dos troncos e encheu os bolsos e empilhou maçãs no capuz de sua parca atrás da cabeça e carregou maçãs empilhadas junto aos antebraços de encontro ao peito. Despejou-as numa pilha na porta do celeiro e se sentou ali e envolveu com os trapos seu pé entorpecido.

Na entrada da cozinha tinha visto um velho cesto de vime cheio de jarros. Arrastou o cesto para o chão e tirou os potes de dentro e virou o cesto de cabeça para baixo e deu pancadinhas para tirar a poeira. Depois parou. O que tinha visto? Um cano de escoamento. Uma treliça. A serpentina escura de uma parreira morta correndo por ela como a trajetória de alguma empresa num gráfico. Ele se levantou e atravessou de novo a cozinha e saiu para o quintal e ficou parado olhando para a casa. As janelas refletindo o dia cinzento e sem nome. O cano descia pelo canto da porta. Ele ainda segurava o cesto e colocou-o na grama e subiu os degraus novamente. O cano descia pela coluna lateral e ia dar num tanque de concreto. Ele limpou o lixo e alguns pedaços apodrecidos de tela da tampa. Voltou para a cozinha e pegou a vassoura e saiu e varreu a tampa e colocou a vassoura no canto e levantou a tampa do tanque. Lá dentro havia uma bandeja cheia de um lodo úmido e cinzento do teto misturado com um composto de folhas mortas e galhos. Ele removeu a bandeja e colocou-a no chão. Sob ela havia cascalho branco. Ele afastou o cascalho com a mão. O tanque ali embaixo estava cheio de carvão, pedaços queimados de galhos e ramos inteiros em efígies de carbono das próprias árvores. Ele colocou a bandeja de volta. No chão havia um anel verde de metal para puxar. Ele estendeu a mão e pegou a vassoura e varreu as cinzas. Havia linhas de serragem nas bordas. Ele limpou as bordas com a vassoura e se ajoelhou e colocou o dedo no anel e levantou a porta do alçapão e abriu-a. Lá embaixo na escuridão havia uma cisterna cheia de água tão doce que ele podia sentir o cheiro. Deitou-se de barriga no chão e esticou o braço. Só conseguia tocar a água. Chegou mais para a frente e estendeu o braço de novo e pegou um punhado e cheirou e provou e então bebeu. Ficou deitado ali por um bom tempo, levando a água à boca um punhado de cada vez. Nada em sua memória em parte alguma de algo tão bom.

Voltou à entrada da cozinha e retornou com dois dos potes e uma velha panela esmaltada azul. Limpou a panela e mergulhou-a até enchê-la de água e usou-a para limpar os potes. Então estendeu o braço e afundou um dos jarros até estar cheio e levantou-o gotejante. A água era tão clara. Segurou-a sob a luz. Um único pedacinho de sedimento serpenteando no jarro em algum vagaroso eixo hidráulico. Inclinou o jarro e bebeu e bebeu devagar mas ainda assim bebeu quase o jarro inteiro. Ficou sentado ali com o estômago inchado. Podia ter bebido mais mas não bebeu. Derramou o restante da água no outro jarro e enxaguou-o e encheu os dois jarros e abaixou a tampa de madeira sobre a cisterna e se levantou com os bolsos cheios de maçãs e levando os jarros d’água seguiu através dos campos na direção da floresta de pinheiros.

Ele tinha ficado afastado por mais tempo do que pretendia e se apressou ao máximo, a água sacudindo e gorgolejando na bolsa murcha do seu estômago. Parou para descansar e recomeçou. Quando chegou à floresta o menino não parecia ter sequer se mexido e ele se ajoelhou e colocou os jarros cuidadosamente sobre as folhas mortas e pegou o revólver e colocou-o no cinto e ficou sentado ali olhando para ele.

Passaram a tarde sentados embrulhados nos cobertores e comendo maçãs. Bebericando a água dos jarros. Ele pegou o pacote com sabor de uva do bolso e abriu-o e despejou-o no jarro e mexeu e deu para o menino. Você fez bem Papai, ele disse. Dormiu enquanto o menino ficava de guarda e à noite eles pegaram os sapatos e os colocaram e foram até a casa e pegaram o restante das maçãs. Encheram três jarros com água e encontraram algumas tampas que serviram para fechá-las. Entao ele embrulhou tudo num dos cobertores e guardou na mochila e amarrou os outros cobertores no alto da mochila e colocou-a nos ombros. Ficaram parados na porta observando a luz baixando sobre o mundo a oeste. Então desceram pelo caminho de entrada e foram para a estrada novamente.

O menino se segurava no casaco dele e ele se mantinha na beira da estrada e tentava sentir o pavimento sob seus pés na escuridão. Podia ouvir trovões a distância e depois de algum tempo apareciam pálidos tremores de luz à sua frente. Ele tirou a folha de plástico da mochila mas mal restava o suficiente para cobri-los e depois de um tempo começou a chover. Eles seguiam lado a lado aos tropeços. Não havia lugar algum aonde ir. Usavam os capuzes de seus casacos mas os casacos estavam ficando molhados e pesados com a chuva. Ele parou na estrada e tentou rearrumar a lona. O menino tremia muito.