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O abrigo tinha paredes de blocos de concreto. Um chão de concreto coberto com azulejos de cozinha. Havia um par de beliches de ferro com molas nuas, um junto a cada uma das paredes, os colchões enrolados ao pé deles à maneira do exército. Ele se virou e olhou para o menino agachado acima dele piscando os olhos sob a fumaça que saía da lamparina e então ele desceu os degraus mais abaixo e se sentou e estendeu o braço com a lamparina. Oh meu Deus, ele sussurrou. Oh meu Deus.

O que foi Papai?

Desça até aqui. Oh meu Deus. Desça até aqui.

Caixotes e mais caixotes de produtos enlatados. Tomates, pêssegos, feijões, damascos. Presunto enlatado. Carne em salmoura. Centenas de litros d’água em jarros plásticos de cerca de quarenta litros. Toalhas de papel, papel higiênico, pratos de papel. Sacos plásticos de lixo cheios de cobertores. Ele apoiou a testa na mão. Oh meu Deus, ele disse. Olhou para o menino atrás dele. Está tudo bem, ele disse. Desça até aqui.

Papai?

Desça até aqui. Desça até aqui e veja.

Ele colocou a lamparina sobre o degrau e subiu e tomou o menino pela mão. Venha, ele disse. Está tudo bem.

O que você encontrou?

Encontrei tudo. Tudo. Espere para ver. Ele o levou pela escada e pegou a garrafa e segurou a chama no alto. Consegue ver? ele disse. Consegue ver?

O que são essas coisas todas, Papai?

São comida. Você consegue ler.

Pêras. Ali diz pêras.

Sim. Diz sim. Oh diz sim.

Só havia altura suficiente para ele ficar de pé. Passou abaixado sob um lampião com uma cúpula verde de metal pendendo de um gancho. Segurou o menino pela mão e percorreram as fileiras de caixotes de papelão reproduzidos por estêncil.

Chile

, milho, ensopado, sopa, molho de espaguete. A riqueza de um mundo desaparecido. Por que isto está aqui? o menino disse. E real?

Oh sim. E real.

Ele puxou para baixo uma das caixas e rasgou-a para abri-la e pegou uma lata de pêssegos. Está aqui porque alguém pensou que poderia ser necessário.

Mas eles não chegaram a usar.

Não. Não chegaram.

Eles morreram.

Sim.

Tudo bem se a gente pegar?

Sim. Tudo bem. Eles gostariam que a gente pegasse. Assim como a gente gostaria que eles pegassem.

Eles eram os caras do bem?

Sim. Eram.

Como a gente.

Como a gente. Sim.

Então tudo bem.

Sim. Tudo bem.

Havia facas e utensílios de plástico e talheres e instrumentos de cozinha numa caixa de plástico. Um abridor de latas. Havia maçaricos elétricos que não funcionavam. Ele encontrou uma caixa de baterias e pilhas secas e examinou-as. A maior parte corroída e vazando uma substância pegajosa e ácida mas algumas pareciam em bom estado. Ele finalmente conseguiu fazer uma das lanternas funcionar e colocou-a sobre a mesa e apagou com um sopro a chama fumarenta da lamparina. Arrancou um pedaço da caixa de papelão aberta e afastou com ela a fumaça e então subiu e fechou o alçapão e se virou e olhou para o menino. O que você quer para o jantar? ele disse.

Pêras.

Boa escolha. Teremos pêras.

Ele pegou duas tigelas de papelão de uma pilha delas embrulhada em plástico e colocou-as na mesa. Desenrolou os colchões sobre os beliches para que eles se sentassem e abriu a caixa de pêras e pegou uma lata e colocou-a na mesa e furou a tampa com o abridor de latas e começou a girar a roda. Olhou para o menino. O menino estava sentado em silêncio no beliche, ainda envolvido no cobertor, observando. O homem pensou que ele provavelmente não tinha se entregado totalmente a nada daquilo. Você podia acordar na floresta escura e úmida a qualquer momento. Essas vão ser as melhores pêras que você já provou, ele disse. As melhores. Espere só.

Sentaram-se lado a lado e comeram a lata de pêras. Depois comeram uma lata de pêssegos. Lamberam as colheres e viraram as tigelas e beberam seu xarope rico e doce. Olharam um para o outro.

Mais uma.

Não quero que você fique doente.

Não vou ficar doente.

Faz muito tempo que você não come.

Eu sei.

Está bem.

Ele colocou o menino na cama e alisou seu cabelo imundo no travesseiro e tapou-o com os cobertores. Quando subiu e levantou a porta estava quase escuro lá fora. Foi até a garagem, pegou a mochila, deu uma última olhada ao redor e então desceu os degraus e puxou a porta para fechá-la e passou um dos cabos do alicate através da pesada argola do cadeado do lado de dentro. A luz da lanterna elétrica começava a enfraquecer e ele vasculhou em meio ao depósito até encontrar alguns recipientes de óleo em latas de três litros. Pegou uma das latas e colocou-a sobre a mesa e desatarraxou a tampa e removeu o selo de metal com uma chave de fenda. Então tirou o lampião do gancho no teto e encheu-o. Já tinha encontrado uma caixa plástica de acendedores de butano e acendeu o lampião com um deles e ajustou a chama e pendurou-o de volta. Então simplesmente ficou sentado no beliche.

Enquanto o menino dormia ele começou a vasculhar metodicamente o depósito. Roupas, suéteres, meias. Uma bacia de aço inoxidável e esponjas e barras de sabão. Pasta de dentes e escovas de dentes. No fundo de uma grande jarra plástica com parafusos e tarraxas e ferragens em geral ele encontrou dois punhados de krugerrands de ouro num saco de pano. Despejou-as e apertou-as na mão e olhou para elas e derramou-as de novo na jarra junto com as ferragens e colocou a jarra de volta na prateleira.

Vasculhou tudo, mudando caixas e engradados de um lado do abrigo para o outro. Havia uma portinha de metal que dava num segundo quarto onde garrafas de gasolina estavam estocadas. No canto um banheiro químico. Havia tubos de ventilação nas paredes cobertos com telas de arame e havia escoadouros no chão. Estava ficando quente no abrigo e ele tinha tirado o casaco. Vasculhou tudo. Encontrou uma caixa de cartuchos para o revólver automático calibre 45 e três caixas de cápsulas para rifle calibre 30-30. O que ele não encontrou foi uma arma. Pegou a lanterna a pilha e caminhou pelo chão e examinou as paredes em busca de compartimentos ocultos. Depois de um tempo simplesmente se sentou no beliche comendo uma barra de chocolate. Não havia arma alguma e não haveria.

Quando acordou o lampião no teto sibilava baixinho. As paredes do abrigo estavam ali sob a luz e as caixas e os engradados. Ele não sabia onde estava. Jazia deitado com o casaco por cima. Sentou-se e olhou para o menino dormindo no outro beliche. Tinha tirado os sapatos mas também não se lembrava disso e pegou-os debaixo do beliche e calçou-os e subiu a escada e tirou o alicate da argola do cadeado e ergueu a porta e olhou para fora. De manhã cedo. Ele olhou para a casa e olhou para a estrada lá adiante e estava prestes a abaixar a porta outra vez quando parou. A vaga luz cinzenta estava a leste. Eles tinham dormido durante a noite inteira e o dia que se seguiu. Ele abaixou a porta e prendeu-a novamente e desceu os degraus de volta e se sentou no beliche. Olhou ao redor para as provisões. Estava pronto para morrer e agora já não ia mais e tinha que pensar nisso. Qualquer um podia ver o alçapão no quintal e saberiam de imediato do que se tratava. Ele tinha que pensar no que fazer. Isso não era se esconder na floresta. Era a coisa mais distante disso. Por fim levantou-se e foi até a mesa e montou o fogãozinho a gás de duas bocas e pegou uma frigideira e uma chaleira e abriu a caixa plástica de utensílios de cozinha.