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Sim. Estou bem aqui.

Posso beber um pouco d’água?

Sim. Sim, claro que pode. Como você está se sentindo?

Estou me sentindo meio esquisito.

Está com fome?

Na verdade só estou mesmo com sede.

Deixe-me pegar a água.

Ele puxou para trás os cobertores e se levantou e passou pela fogueira apagada e pegou a xícara do menino e encheu-a com água do jarro de plástico, voltou e se ajoelhou e segurou a xícara para ele. Você vai ficar bem, disse. O menino bebeu. Ele fez que sim e olhou para o pai. Depois bebeu o resto da água. Mais, falou.

Fez uma fogueira e pendurou as roupas molhadas do menino e levou para ele uma lata de suco de maçã. Você se lembra de alguma coisa? ele disse.

Sobre o quê?

Sobre ter ficado doente.

Eu me lembro de ter disparado a pistola sinalizadora.

Você se lembra de ter trazido as coisas do barco?

Ele ficou sentado bebendo o suco. Levantou os olhos. Não sou um retardado, ele disse.

Eu sei.

Tive uns sonhos estranhos.

Sobre o quê?

Não quero te contar.

Está tudo bem. Quero escovar seus dentes.

Com pasta de dente de verdade.

Sim.

Está bem.

Ele verificou todas as latas de comida mas não conseguiu encontrar nada suspeito. Jogou fora algumas que pareciam bastante enferrujadas. Ficaram sentados naquela noite junto ao fogo e o menino tomou sopa quente e o homem virou suas roupas fumegantes nas varas e ficou

sentado observando-o até que o menino se sentiu embaraçado. Pare de ficar me olhando, Papai, ele disse.

Está bem.

Mas ele não parou.

Dois dias depois caminhavam pela praia até o promontório e de volta, caminhando com dificuldade em seus sapatos de plástico. Comeram refeições imensas e ele fez um telhado de meia-água com pano de vela, cordas e varas para protegê-los do vento. Reduziu os suprimentos a um carregamento adequado para o carrinho e achava que poderiam partir dentro de mais dois dias. Então voltando ao acampamento tarde naquele dia ele viu marcas de botas na areia. Parou e ficou olhando para a praia.

Oh Cristo, ele disse. Oh Cristo.

O que foi, Papai?

Ele tirou o revólver do cinto. Venha ele disse. Rápido.

A lona tinha sumido. Seus cobertores. A garrafa d’água e seu suprimento de comida que estava no acampamento. O pano de vela tinha sido soprado até as dunas. Seus sapatos tinham sumido. Ele correu até a faixa de areia onde tinha deixado o carrinho mas o carrinho tinha sumido. Tudo. Seu idiota, ele disse. Seu idiota.

O menino estava parado ali de olhos arregalados. O que aconteceu, Papai?

Eles levaram tudo. Venha.

O menino levantou os olhos. Estava começando a chorar.

Fique perto de mim, o homem disse. Fique bem perto de mim.

Podia ver as marcas do carrinho onde eles tropeçavam pela areia fofa. Pegadas de bota. Quantas? Eles perderam de vista as marcas no terreno mais firme depois das samambaias e em seguida as encontraram de novo. Quando chegaram à estrada ele parou o menino com a mão. A estrada ficava exposta ao vento marinho e as cinzas tinham sido sopradas para longe, à exceção de pontos aqui e ali. Não pise na estrada, ele disse. E pare de chorar. Precisamos tirar toda a areia dos nossos pés. Venha. Sente-se.

Ele retirou os panos e plásticos que envolviam seus pés e sacudiu-os e amarrou-os de volta. Quero que você ajude, ele disse. Vamos procurar areia. Areia na estrada. Mesmo que só um pouquinho. Para ver em que direção eles foram. Está bem?

Está bem.

Eles partiram pela estrada em direções opostas. Não tinham ido muito longe quando o menino chamou. Está aqui, Papai. Eles foram nesta direção. Quando chegou lá o menino estava agachado na estrada. Exatamente aqui, ele disse. Era meia colher de chá de areia da praia caída de algum lugar na estrutura inferior do carrinho de compras. O homem ficou parado de pé e olhou para a estrada. Bom trabalho, ele disse. Vamos.

Puseram-se a caminho num trote regular. Um passo que achou que ele fosse conseguir acompanhar mas não conseguiu. Ele levantou os olhos para o menino, respirando com dificuldade. Temos que caminhar, ele disse. Se eles nos ouvirem vão se esconder na beira da estrada. Vamos.

Quantos são, Papai?

Não sei. Talvez só um.

A gente vai matar eles?

Não sei.

Seguiram em frente. O dia já ia adiantado e mais uma hora já tinha se passado e o longo crepúsculo avançava quando alcançaram o ladrão, curvado sobre o carrinho cheio, seguindo pela estrada diante deles. Quando olhou para trás e os viu tentou correr com o carrinho mas era inútil e por fim ele parou e ficou parado atrás do carrinho segurando uma faca de açougueiro. Quando viu o revólver recuou mas não deixou cair a faca.

Afaste-se do carrinho, o homem disse.

Ele olhou para eles. Olhou para o menino. Era um pária de uma das comunas e os dedos de sua mão direita tinham sido decepados. Tentou escondê-la atrás do corpo. Uma espécie de espátula carnuda. O carrinho estava cheio até o alto. Ele tinha levado tudo.

Afaste-se do carrinho e largue a faca.

Ele olhou ao redor. Como se pudesse haver ajuda em algum lugar. Esquelético, soturno, barbado, imundo. O casaco velho de plástico todo preso com fita isolante. O revólver era de ação dupla mas o homem engatilhou-o assim mesmo. Dois cliques altos. Fora isso apenas a respiração deles no silêncio da charneca salgada. Podiam sentir o cheiro dele em seus trapos imundos. Se você não largar a faca e se afastar do carrinho, o homem disse, vou estourar seus miolos. O ladrão olhou para a criança e o que ele viu fez com que se contivesse. Colocou a faca em cima dos cobertores, recuou e ficou parado.

Para trás. Mais.

Ele recuou de novo.

Papai? o menino disse.

Fique quieto.

Ele não tirava os olhos do ladrão.

Maldito, ele disse.

Papai por favor não mate esse homem.

Os olhos do ladrão giravam loucamente. O menino chorava.

Vamos lá, cara. Eu fiz o que você disse. Escute o menino.

Tire a roupa.

O quê?

Tire-a. Até a última droga de peça.

Espera aí. Não faça isso.

Eu vou te matar aí mesmo.

Não faça isso, cara.

Não vou falar outra vez.

Tudo bem. Tudo bem. Vá com calma.

Ele tirou a roupa devagar e empilhou seus trapos desprezíveis na estrada.

Os sapatos.

Qual é, cara.

O ladrão olhou para o menino. O menino tinha se virado e colocado as mãos sobre os ouvidos. Tudo bem, ele disse. Tudo bem. Sentou-se nu na estrada e começou a desamarrar os pedaços podres de couro atados aos seus pés. Depois se levantou, segurando-os numa das mãos.

Coloque no carrinho.

Ele se aproximou e colocou os sapatos em cima dos cobertores e recuou. De pé ali tosco e nu, imundo, faminto. Cobrindo-se com a mão. Já estava tremendo.

Coloque as roupas ali dentro.

Ele se abaixou e recolheu os trapos nos braços e empilhou-os por cima dos sapatos. Ficou parado ali abraçando o próprio corpo. Não faça isso, cara.

Você não se incomodou em fazer isso conosco.

Estou te implorando.

Papai, o menino disse.

Vamos lá. Escure o menino.