– Vossa Graça – disse –, deverei chamar um novo adversário para Brune ou prosseguir com a próxima justa?
– Nem uma coisa nem outra. Esses aí são mosquitos, e não cavaleiros. Teria condenado todos à morte se não fosse o dia do meu nome. O torneio acabou. Leve todos para longe da minha vista.
O mestre de cerimônias fez uma reverência, mas o Príncipe Tommen foi menos obediente.
– Eu ia enfrentar o homem de palha.
– Hoje não.
– Mas eu quero.
– Não me interessa o que você quer.
– A mãe disse que eu podia.
– É verdade – concordou a Princesa Myrcella.
– A mãe disse – zombou o rei. – Não seja infantil.
– Somos crianças – Myrcella declarou com altivez. – Espera-se que sejamos infantis.
Cão de Caça soltou uma gargalhada:
– Ela pegou você.
Joffrey aceitou a derrota.
– Muito bem. Nem meu irmão poderá combater pior que os outros. Mestre, traga o manequim. Tommen quer ser um mosquito.
Tommen soltou um grito de alegria e correu para ser preparado, com as pequenas pernas roliças batendo com força no chão.
– Boa sorte – Sansa gritou para ele.
Colocaram o manequim na extremidade mais distante da arena, enquanto o pônei do príncipe era selado. O oponente de Tommen era um guerreiro de couro do tamanho de uma criança, estofado com palha e montado num eixo, com um escudo numa mão e uma maça acolchoada na outra. Alguém tinha prendido um par de chifres de veado na cabeça do cavaleiro. Sansa lembrava-se que o pai de Joffrey, o Rei Robert, usava chifres no elmo, mas também os usava Lorde Renly, irmão de Robert, que tinha se tornado traidor e se coroado rei.
Um par de escudeiros afivelou no príncipe sua ornamentada armadura prateada e carmim. Uma grande crista de penas vermelhas brotava do topo do seu elmo, e o leão de Lannister e o veado coroado de Baratheon brincavam juntos no seu escudo. Os escudeiros ajudaram-no a montar, e Sor Aron Santagar, mestre de armas da Fortaleza Vermelha, avançou e entregou a Tommen uma espada prateada, sem fio, com uma lâmina em forma de folha, concebida para se ajustar a uma mão de oito anos.
Tommen ergueu a lâmina bem alto.
– Rochedo Casterly – gritou, numa aguda voz de garoto, ao bater com os calcanhares no pônei e começar a investida contra o manequim. A Senhora Tanda e Lorde Gyles soltaram vivas desencontrados, e Sansa juntou sua voz às deles. O rei caiu no silêncio.
Tommen fez o pônei seguir a trote ligeiro, brandiu vigorosamente a espada e deu um golpe sólido no escudo do cavaleiro quando passou por ele. O manequim rodopiou, a maça voou e foi dar uma poderosa cacetada na nuca do príncipe. Tommen caiu da sela, fazendo sua armadura nova retinir como um saco de penicos velhos ao atingir o chão. A espada voou para longe, o pônei fugiu a meio galope pelo pátio afora, e uma grande rajada de escárnio agitou o ar. Rei Joffrey foi, de todos, quem riu mais e durante mais tempo.
– Oh – gritou a Princesa Myrcella. Saltou do camarote e correu até o irmão mais novo.
Sansa deu por si possuída por uma estranha e leviana coragem.
– Devia ir com ela – disse ao rei. – Seu irmão pode estar ferido.
Joffrey encolheu os ombros.
– E se estiver?
– Devia ajudá-lo a ficar em pé e lhe dizer que montou bem – Sansa parecia não conseguir se conter.
– Foi derrubado do cavalo e caiu no chão – ressaltou o rei. – Isso não é montar bem.
– Olhe – Cão de Caça os interrompeu. – O rapaz tem coragem. Vai tentar novamente.
Estavam ajudando o Príncipe Tommen a montar no seu pônei. Se ao menos Tommen fosse o mais velho em vez de Joffrey, pensou Sansa. Não me importaria de me casar com Tommen.
Os sons vindos da guarita apanharam-nos de surpresa. Correntes retiniram quando a porta levadiça foi içada, e os grandes portões abriram-se entre rangidos de dobradiças de ferro.
– Quem lhes disse para abrir o portão? – Joff exigiu saber. Com a agitação na cidade, os portões da Fortaleza Vermelha estavam fechados havia dias.
Uma coluna de homens a cavalo emergiu por baixo da porta levadiça, com tinidos de aço e ruídos de cascos. Clegane se aproximou do rei, com uma mão no cabo da espada. Os visitantes vinham descompostos, rotos e empoeirados, mas o estandarte que transportavam era o leão de Lannister, dourado no seu fundo carmesim. Alguns usavam os mantos vermelhos e a cota de malha dos soldados Lannister, mas a maioria era de cavaleiros livres e mercenários, com armaduras desemparelhadas e eriçados com seu aço afiado… E havia outros, selvagens monstruosos saídos de uma das histórias da Velha Ama, aquelas assustadoras que Bran antes adorava. Trajavam peles puídas e couro fervido e usavam cabelo comprido e barbas ferozes. Alguns tinham ataduras manchadas de sangue na testa ou enroladas nas mãos e braços, e a outros faltavam olhos, orelhas e dedos.
No meio dos homens, montado num grande cavalo vermelho com uma estranha sela alta que o embalava para trás e para a frente, estava o irmão anão da rainha, Tyrion Lannister, aquele a quem chamavam Duende. Deixara a barba crescer até deixar sua cara enterrada e se transformar num hirsuto emaranhado de pelos amarelos e negros, duros como arame. Às suas costas, caía um manto de pele de gato-das-sombras, de pelo negro rajado de branco. As rédeas estavam na mão esquerda, e o braço direito vinha enfiado numa tira de seda branca, mas, fora isso, parecia tão grotesco como Sansa recordava da época de sua visita a Winterfell. Com sua testa proeminente e olhos de cores diferentes, ainda era o homem mais feio que já vira na vida.
Mas Tommen espetou as esporas no pônei e galopou precipitadamente pelo pátio afora, gritando de alegria. Um dos selvagens, um homem enorme e desajeitado, tão peludo que a cara quase desaparecia no meio da barba, puxou o rapaz da sela, com armadura e tudo, e depositou-o no chão ao lado do tio. O riso sem fôlego de Tommen ecoou nas muralhas quando Tyrion lhe deu uma palmada na placa das costas, e Sansa espantou-se ao notar que os dois eram da mesma altura. Myrcella veio correndo atrás do irmão, e o anão pegou-a pela cintura e fez a princesa rodopiar, gritando.
Quando a devolveu ao chão, o pequeno homem deu um beijo leve na sua testa e bamboleou através do pátio, na direção de Joffrey. Dois dos seus homens seguiram-no de perto; um mercenário de cabelo e olhos negros, que se movia como um gato caçando, e um jovem magro com uma órbita vazia no local onde um olho deveria estar. Tommen e Myrcella vieram atrás deles.
O anão caiu sobre um joelho em frente do rei.
– Vossa Graça.
– Você – disse Joffrey.
– Eu – concordou o Duende –, se bem que uma saudação mais cortês talvez fosse mais apropriada para um tio e um homem mais velho.
– Dizia-se que estava morto – disse Cão de Caça.
O pequeno homem lançou um olhar ao grande. Um dos seus olhos era verde, o outro, negro, e ambos eram frios.
– Falava com o rei, não com o cachorro dele.
– Eu estou feliz por não estar morto – disse a Princesa Myrcella.
– Compartilhamos essa opinião, querida filha.
Tyrion virou-se para Sansa.
– Minha senhora, lamento as suas perdas. Os deuses são realmente cruéis.
Sansa não conseguiu encontrar uma só palavra para lhe dizer. Como podia ele lamentar as suas perdas? Estaria caçoando dela? Não eram os deuses que eram cruéis, era Joffrey.
– Lamento também a sua perda, Joffrey – disse o anão.
– Que perda?
– O seu real pai? Um homem grande e impetuoso com uma barba negra; recordará dele se fizer um esforço. Foi rei antes do senhor.
– Ah, ele. Sim, foi muito triste, um javali o matou.
– É isso o que se diz, Vossa Graça?
Joffrey franziu a testa. Sansa sentiu que devia dizer qualquer coisa. O que a Septã Mordane costumava lhe dizer? A armadura de uma senhora é a cortesia, era isso. Colocou sua armadura e disse: