Quando acordou, a luz pálida da manhã entrava pela janela, mas sentia-se tão mal e dolorida como se não tivesse dormido nada. Havia alguma coisa pegajosa em suas coxas. Quando jogou a manta para trás e viu o sangue, tudo o que conseguiu imaginar foi que o sonho tinha de algum modo se transformado em realidade. Lembrava-se das facas dentro dela, torcendo-se e rasgando. Afastou-se, horrorizada, chutando os lençóis e caindo ao chão, sua respiração entrecortada, nua, ensanguentada e com medo.
Mas ali, encolhida, apoiada nas mãos e nos joelhos, a compreensão veio.
– Por favor, não – lamuriou-se Sansa –, por favor, não – não queria que aquilo lhe acontecesse, não agora, não ali, agora não, agora não, agora não, agora não.
A loucura tomou conta dela. Levantando-se apoiada na coluna da cama, foi até a bacia e lavou-se, esfregando toda a matéria pegajosa até desaparecer. Quando terminou, a água estava cor-de-rosa devido ao sangue. Se as criadas de quarto vissem aquilo, saberiam. Então lembrou-se das roupas de cama. Correu para a cama e fitou horrorizada com a mancha vermelho-escura e a história que ela contava. Tudo em que conseguiu pensar foi que tinha de se ver livre daquilo, caso contrário elas veriam. Não podia deixar que vissem, senão iriam casá-la com Joffrey e obrigá-la a se deitar com ele.
Pegando a faca, Sansa cortou o lençol, arrancando a mancha. Se me fizerem perguntas sobre o buraco, o que direi? Lágrimas correram pelo seu rosto. Arrancou o lençol rasgado da cama, e a manta manchada também. Vou ter de queimá-los. Fez uma bola com as provas, enfiou-a na lareira, ensopou-a com o azeite da lâmpada de cabeceira e pôs-lhe fogo. De repente, percebeu que o sangue tinha atravessado o lençol e manchado o colchão de penas. Enrolou-o também, mas era grande e pesado, difícil de mover. Sansa só conseguiu pôr metade no fogo. Estava de joelhos, lutando para enfiar o colchão nas chamas, enquanto uma espessa fumaça cinza redemoinhava em volta dela e enchia o quarto, quando a porta se abriu de rompante e ouviu a criada prender a respiração.
Acabaram sendo necessárias três para afastá-la da lareira. E tudo foi em vão. A roupa de cama estava queimada, mas quando a levaram dali, tinha as coxas de novo ensanguentadas. Era como se seu próprio corpo a tivesse denunciado a Joffrey, hasteando uma bandeira do carmim Lannister para o mundo inteiro ver.
Depois de apagarem o fogo, levaram o colchão de penas chamuscado, afastaram a maior parte da fumaça para fora do quarto e trouxeram uma banheira. Mulheres andaram para lá e para cá, murmurando e olhando-a de forma estranha. Encheram a banheira com água escaldando, banharam-na, lavaram seu cabelo e deram-lhe um pano para usar entre as pernas. Nessa altura, Sansa já estava calma, e envergonhada da loucura que a acometera. A fumaça tinha estragado a maior parte de suas roupas. Uma das mulheres saiu e voltou de lá com um vestido verde que era quase do seu tamanho.
– Não é tão bonito quanto as suas coisas, mas deve servir – anunciou quando o enfiou pela cabeça de Sansa. – Seus sapatos não estragaram, portanto, pelo menos não terá de ir descalça à presença da rainha.
Cersei Lannister estava tomando o desjejum quando Sansa foi introduzida em seu aposento privado.
– Pode se sentar – a rainha disse atenciosamente. – Está com fome? – indicou a mesa com um gesto. Havia mingau de aveia, mel, leite, ovos cozidos e peixe frito e crocante.
A visão da comida encheu Sansa de náuseas. Tinha um nó na barriga.
– Não, obrigada, Vossa Graça.
– Não a censuro. Entre Tyrion e Lorde Stannis, tudo o que como tem gosto de cinza. E agora também anda fazendo fogueiras. O que esperava conseguir?
Sansa abaixou a cabeça:
– O sangue assustou-me.
– O sangue é o sinal de sua condição feminina. A Senhora Catelyn poderia tê-la preparado. Teve sua primeira floração, nada mais.
Sansa nunca tinha se sentido menos florida.
– A senhora minha mãe contou-me, mas eu… eu pensava que seria diferente.
– Diferente como?
– Não sei. Menos… menos sujo, e mais mágico.
A Rainha Cersei riu.
– Espere até dar à luz um filho, Sansa. A vida de uma mulher é nove partes de sujeira para uma de magia, deve aprender isso bem depressa… E as partes que parecem mágicas costumam se revelar as mais sujas de todas – ela bebeu um gole de leite. – Então agora é uma mulher. Será que faz a menor ideia do que isso significa?
– Significa que agora estou em condições de me casar, de dormir com o rei – Sansa respondeu –, e de lhe dar filhos.
A rainha deu um sorriso oblíquo:
– Uma perspectiva que já não a seduz como antes, pelo que vejo. Não a censurarei por isso. Joffrey sempre foi difícil. Até no nascimento… Trabalhei um dia e meio para dá-lo à luz. Não imagina a dor, Sansa. Gritei tão alto que imaginei que Robert conseguiria me ouvir na mata do rei.
– Sua Graça não estava com a senhora?
– Robert? Robert estava na caça. Era esse o seu costume. Sempre que meu tempo se aproximava, meu real esposo fugia para o meio das árvores com seus caçadores e cães de caça. Quando regressava, presenteava-me com umas peles ou uma cabeça de veado, e eu o presenteava com um bebê. Não que eu quisesse que ele ficasse, veja bem. Tinha o Grande Meistre Pycelle e um exército de parteiras, e o meu irmão. Quando diziam a Jaime que não lhe seria permitido acompanhar os partos, ele sorria e perguntava quem iria mantê-lo do lado de fora. Temo que Joffrey não lhe mostre nenhuma devoção que se assemelhe a isso. Poderia agradecer à sua irmã por isso, se não estivesse morta. Ele nunca conseguiu esquecer aquele dia no Tridente, quando a viu envergonhá-lo, e por isso envergonha você como troco. Mas você é mais forte do que parece. Confio que sobreviva a um pouco de humilhação. Eu sobrevivi. Pode nunca amar o rei, mas amará seus filhos.
– Eu amo Sua Graça de todo o coração – Sansa disse.
A rainha suspirou:
– É melhor que aprenda algumas mentiras novas, e depressa. Lorde Stannis não gostará dessa, garanto.
– O novo Alto Septão disse que os deuses nunca permitirão que Lorde Stannis vença, pois Joffrey é o legítimo herdeiro.
Um meio sorriso tremulou no rosto da rainha:
– Filho e herdeiro legítimo de Robert. Embora Joff chorasse sempre que Robert o pegava. Sua Graça não gostava disso. Seus subordinados sempre balbuciaram alegremente para ele, e chuparam seu dedo quando o punha em suas bocas ilegítimas. Robert queria sorrisos e vivas, sempre, e por isso ia para onde os encontrava, para junto dos amigos e das prostitutas. Robert queria ser amado. Meu irmão Tyrion sofre da mesma doença. Quer ser amada, Sansa?
– Todo mundo quer ser amado.
– Vejo que a floração não a deixou mais esperta. Sansa, permita-me partilhar com você um pouco de sabedoria feminina neste dia tão especial. O amor é veneno. Um doce veneno, sim, mas mata do mesmo jeito.
Jon
Estava escuro no Passo dos Guinchos. Os grandes flancos de pedra das montanhas escondiam o sol durante a maior parte do dia, e eles avançavam pela sombra, com a respiração de homens e animais transformando-se em vapor no ar frio. Dedos gelados de água escorriam da neve que cobria o terreno mais elevado até pequenas poças congeladas que estalavam e se quebravam sob os cascos dos garranos. Às vezes viam algumas ervas daninhas que lutavam para se enraizar em alguma fenda da rocha, ou uma mancha de liquens de cor clara, mas não havia grama e estavam agora acima das árvores.