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O caminho era tão íngreme quanto estreito, serpenteando sempre para cima. Onde o passo se apertava tanto que os cavaleiros tinham de seguir em fila indiana, o Escudeiro Dalbridge tomava a dianteira, examinando as alturas enquanto avançava, sempre com o arco ao alcance da mão. Dizia-se que ele tinha os olhos mais aguçados da Patrulha da Noite.

Fantasma caminhava desassossegadamente ao lado de Jon. De vez em quando parava e se virava, de orelhas levantadas, como se ouvisse qualquer coisa atrás deles. Jon pensava que os gatos-das-sombras não atacariam homens vivos, desde que não estivessem famintos, mas mesmo assim desatou a bainha de Garralonga.

Um arco de pedra cinza escavado pelo vento marcava o ponto mais elevado do passo. Naquele local, o caminho alargava-se ao começar a longa descida para o vale do Guadeleite. Qhorin decretou que descansariam ali até que as sombras voltassem a crescer.

– As sombras são amigas de homens vestidos de preto – ele disse.

Jon via sensatez naquilo. Seria agradável avançar com luz durante algum tempo, deixar que o brilhante sol da montanha embebesse seus mantos e afastasse o frio de seus ossos, mas não se atreviam. Onde havia três vigias podia haver outros, à espera de soar o alarme.

Cobra das Pedras enrolou-se sob seu esfarrapado manto de peles e adormeceu quase de imediato. Jon dividiu sua carne salgada com Fantasma, enquanto Ebben e o Escudeiro Dalbridge alimentavam os cavalos. Qhorin Meia-Mão sentou-se com as costas apoiadas numa rocha, amolando a espada com movimentos longos e lentos. Jon observou o patrulheiro por alguns momentos, depois, reuniu coragem e se dirigiu a ele.

– Senhor – disse –, nunca me perguntou como foi. Com a moça.

– Eu não sou senhor nenhum, Jon Snow – Qhorin deslizou a pedra pelo aço com sua mão de dois dedos.

– Ela disse que Mance me acolheria se eu fugisse com ela.

– Disse a verdade.

– Até disse que éramos parentes. Contou-me uma história…

– … sobre Bael, o Bardo, e a rosa de Winterfell. Foi o que Cobra das Pedras me contou. Acontece que eu conheço a canção. Mance costumava cantá-la, antigamente, quando voltava de uma patrulha. Tinha paixão pela música dos selvagens. Sim, e também por suas mulheres.

– Você o conheceu?

– Todos nós o conhecemos – a voz de Qhorin era triste.

Eram amigos além de irmãos, Jon compreendeu, e agora são inimigos jurados.

– Por que foi que ele desertou?

– Por uma mulher, dizem alguns. Outros dizem que foi por uma coroa – Qhorin testou o gume da espada com a base do polegar. – Gostava de mulheres, o velho Mance, e não era homem cujos joelhos se dobrassem facilmente, é verdade. Mas foi mais do que isso. Gostava mais da floresta do que da Muralha. Estava no seu sangue. Ele tinha nascido selvagem, levado ainda novo quando alguns corsários foram passados pela espada. Quando deixou a Torre Sombria, estava apenas voltando para casa.

– Era um bom patrulheiro?

– O melhor de todos nós – Meia-Mão respondeu –, e também o pior. Só palermas como Thoren Smallwood desprezam os selvagens. São tão corajosos como nós, Jon. Tão fortes, tão rápidos, tão inteligentes. Mas não têm disciplina. Chamam a si próprios de povo livre, e cada um se acha tão bom quanto um rei, e mais sábio do que um meistre. Mance era igual. Nunca aprendeu a obedecer.

– Tal como eu – Jon disse em voz baixa.

Os olhos argutos de Qhorin pareceram ver através dele.

– Então, deixou-a ir? – não parecia nem um pouco surpreso.

– Já sabia?

– Sei agora. Diga-me por que a poupou.

Era difícil colocar aquilo em palavras.

– Meu pai nunca usou um carrasco. Dizia que devia aos homens que matava olhá-los nos olhos e ouvir suas últimas palavras. E quando olhei Ygritte nos olhos… – Jon fitou as mãos, desamparado. – Sei que era inimiga, mas não havia mal nela.

– Não mais do que nos outros dois.

– Era a vida deles ou a nossa – Jon retrucou. – Se nos tivessem visto, se tivessem tocado aquele berrante…

– Os selvagens nos perseguiriam, e nos matariam, é verdade.

– Mas agora é Cobra das Pedras quem tem o berrante, e ficamos com a faca e o machado de Ygritte. Ela vem atrás de nós, a pé, desarmada…

– E não é provável que seja uma ameaça – Qhorin concordou. – Se tivesse necessitado dela morta, teria deixado a garota com Ebben, ou tratado eu mesmo do assunto.

– Então, por que ordenou que eu o fizesse?

– Não ordenei. Disse-lhe para fazer o que tinha de ser feito, e deixei que decidisse o que isso significava – Qhorin ficou de pé e voltou a enfiar a espada na bainha. – Quando quero uma montanha escalada, chamo Cobra das Pedras. Se tivesse de espetar uma flecha no olho de um inimigo qualquer do outro lado de um campo de batalha ventoso, chamaria o Escudeiro Dalbridge. Ebben pode fazer com que qualquer homem abra mão de seus segredos. Para liderar homens é preciso conhecê-los, Jon Snow. E eu conheço mais de você agora do que conhecia hoje de manhã.

– E se a tivesse matado? – Jon quis saber.

– Ela estaria morta, e eu o conheceria melhor do que antes. Mas basta de conversa. Você devia estar dormindo. Temos léguas a percorrer e perigos a enfrentar. Vai precisar de suas forças.

Jon achava que o sono não viria facilmente, mas sabia que Meia-Mão tinha razão. Encontrou um lugar protegido do vento, por baixo de uma saliência de rocha, e tirou o manto para usá-lo como cobertor.

– Fantasma – ele chamou. – Aqui. Junto – dormia sempre melhor com o grande lobo branco ao seu lado; havia conforto em seu cheiro, e um calor bem-vindo naquele hirsuto pelo claro. Daquela vez, no entanto, Fantasma limitou-se a olhar para ele. Depois, virou-se, rodeou os garranos, e num instante tinha desaparecido. Quer caçar, ele pensou. Talvez houvesse cabras naquelas montanhas. Os gatos-das-sombras tinham de viver de alguma coisa. – Vê se não tenta matar um gato – murmurou. Mesmo para um lobo gigante, isso seria perigoso. Puxou o manto por cima de si e estendeu-se sob a rocha.

Quando fechou os olhos, sonhou com lobos gigantes.

Havia cinco onde devia haver seis, e estavam espalhados, todos separados uns dos outros. Sentiu uma profunda sensação de vazio, de incompletude. A floresta era vasta e fria, e eles eram tão pequenos, tão perdidos. Os irmãos estavam longe, em algum lugar, e a irmã também, mas tinha perdido seus rastros. Sentou-se nos quartos traseiros e levantou a cabeça para o céu que escurecia, e seu choro ecoou pela floresta, um som longo, solitário e lamentoso. Enquanto o som morria, aguçou as orelhas, à escuta de uma resposta, mas o único ruído foi o suspiro da neve soprada pelo vento.

Jon?

O chamado veio de suas costas, mais baixo do que um sussurro, mas forte. Pode um grito ser silencioso? Virou a cabeça, em busca do irmão, de um vislumbre de uma silhueta esguia e cinzenta em movimento sob as árvores, mas nada havia, só…

Um represeiro.

Parecia ter brotado da rocha sólida, com as raízes brancas contorcendo-se de uma miríade de fissuras e rachaduras finas como fios de cabelo. A árvore era fina comparada com outros represeiros que tinha visto antes, pouco mais do que um broto, mas crescia diante de seus olhos, com os galhos engrossando à medida que se estendiam para o céu. Com prudência, deu a volta no tronco branco e liso até encontrar o rosto. Olhos vermelhos olhavam-no. Eram olhos ferozes, mas satisfeitos por vê-lo. O represeiro tinha o semblante do irmão. Teria o irmão sempre tido três olhos?