– Disse que não seria machucada.
– Ela lutou – ao contrário dos irmãos, Osney Kettleblack estava perfeitamente barbeado, e viam-se bem os arranhões no rosto despido de pelos. – Esta aqui tem garras como as de um gato-das-sombras.
– Os hematomas somem – Cersei disse num tom entediado. – A vadia sobreviverá. Desde que Joff sobreviva.
Tyrion quis rir dela. Teria sido tão bom, tão, mas tão bom, mas isso significaria entregar o jogo. Perdeu, Cersei, e os Kettleblack são idiotas ainda maiores do que Bronn dizia. Só precisava dizer as palavras.
Em vez disso, olhou para a garota e disse:
– Jura que a libertará depois da batalha?
– Se libertar Tommen, sim.
Tyrion ficou de pé:
– Então fique com ela, mas mantenha-a em segurança. Se esses animais julgam que podem usá-la… Bem, querida irmã, deixe-me só reforçar que uma balança pende para os dois lados – seu tom de voz era calmo, monocórdio, indiferente; tinha procurado a voz do pai, e a encontrou. – O que quer que lhe aconteça acontecerá também a Tommen, e isso inclui espancamentos e violações – se me considera tão monstruoso, desempenharei o papel para ela.
Cersei não esperava aquilo:
– Não se atreveria.
Tyrion obrigou-se a sorrir, um sorriso lento e frio. Verde e negro, seus olhos riram dela.
– Atrever? Vou fazê-lo em pessoa.
A mão da irmã avançou sobre seu rosto, mas ele pegou seu pulso e o torceu, até ela gritar. Osfryd moveu-se em seu auxílio.
– Mais um passo e quebro o braço dela – o anão o preveniu. O homem parou. – Lembra-se de quando lhe disse que não voltaria a me bater, Cersei? – atirou-a ao chão e virou-se para os Kettleblack: – Desamarrem-na, e tirem essa mordaça.
A corda estava tão apertada que tinha impedido seu sangue de chegar às mãos. A moça gritou de dor quando a circulação voltou. Tyrion massageou seus dedos suavemente até a sensibilidade voltar.
– Querida – disse –, precisa ter coragem. Lamento que a tenham machucado.
– Eu sei que me libertará, senhor.
– Libertarei – ele prometeu, e Alayaya dobrou-se e lhe deu um beijo na testa. Seus lábios feridos deixaram uma mancha de sangue onde o tocaram. Um beijo ensanguentado é mais do que eu mereço, pensou Tyrion. Ela nunca teria sofrido se não fosse por minha causa.
O sangue dela ainda o manchava quando olhou para a rainha.
– Nunca gostei de você, Cersei, mas era minha irmã, e nunca lhe fiz nenhum mal. Você acabou com isso. Vou feri-la por causa disto. Ainda não sei como, mas dê-me tempo. Chegará um dia em que você vai se achar a salvo e feliz, e de repente a alegria vai se transformar em cinzas na sua boca, e saberá que a dívida está paga.
Na guerra, dissera-lhe o pai um dia, a batalha acaba no instante em que um exército cede e foge. Não importa que continuem a ser tão numerosos como eram no momento anterior, ainda com armas e armaduras; uma vez que fugiram à nossa frente, não retornarão para lutar. Aconteceu o mesmo com Cersei.
– Sai! – foi toda a resposta que conseguiu encontrar. – Sai da minha vista!
Tyrion fez uma reverência:
– Então, boa noite. E tenha sonhos agradáveis.
Dirigiu-se à Torre da Mão com mil pés de aço marchando através do seu crânio. Devia ter previsto isso da primeira vez em que me enfiei pela parte de trás do guarda-roupa de Chataya. Talvez não tivesse querido ver. Suas pernas doíam fortemente no fim da subida. Mandou Pod buscar um jarro de vinho e abriu caminho até o quarto.
Shae estava sentada de pernas cruzadas na cama de dossel, vestida apenas com o pesado colar de ouro que se encurvava em volta de seus seios: uma corrente de mãos de ouro interligadas, cada uma agarrando a seguinte.
Tyrion não a esperava:
– O que está fazendo aqui?
Rindo, ela afagou o colar.
– Quis sentir mãos em meus peitinhos… Mas essas pequeninas mãos de ouro são frias.
Por um momento Tyrion não soube o que dizer. Como podia lhe dizer que outra mulher recebera o espancamento que lhe era destinado, e bem podia morrer no seu lugar caso algum infortúnio de batalha caísse sobre Joffrey? Limpou o sangue de Alayaya da testa com a parte inferior da mão.
– A Senhora Lollys…
– Está dormindo. Dormir é tudo o que quer fazer, a grande vaca. Dorme e come. Às vezes adormece enquanto está comendo. A comida cai para dentro de sua manta e ela rola em cima, e tenho de limpá-la – fez uma cara enojada. – Tudo o que fizeram foi fodê-la.
– A mãe diz que está doente.
– Tem um bebê na barriga, é só isso.
Tyrion olhou em volta. Tudo parecia estar como tinha deixado.
– Como foi que entrou? Mostre-me a porta escondida.
Ela encolheu os ombros:
– Lorde Varys obrigou-me a usar um capuz. Não vi nada, a não ser… houve um lugar, consegui espiar o chão pela parte de baixo do capuz. Era todo de pedrinhas, sabe, daquelas que fazem um desenho?
– Um mosaico?
Shae anuiu:
– Eram coloridas em vermelho e preto. Acho que a imagem era um dragão. Fora isso, estava tudo escuro. Descemos uma escada e andamos muito, até me deixar toda desorientada. Uma vez paramos para ele destrancar um portão de ferro. Raspei contra ele quando atravessamos. O dragão estava depois do portão. Depois, subimos outra escada, com um túnel no topo. Tive de me abaixar, e acho que Lorde Varys estava rastejando.
Tyrion fez uma ronda pelo quarto. Uma das arandelas parecia solta. Ficou nas pontas dos pés e tentou virá-la. Rodou lentamente, raspando contra a parede de pedra. Quando ficou de ponta-cabeça, o coto da vela caiu. As esteiras espalhadas pelo chão frio de pedra não pareciam mostrar nenhuma perturbação especial.
– O senhor não quer se deitar comigo? – Shae perguntou.
– Dentro de um momento – Tyrion escancarou o guarda-roupa, afastou as roupas e empurrou o painel do fundo. O que funcionava num bordel podia também funcionar num castelo… Mas não, a madeira era sólida e não cedia. Uma pedra junto ao banco da janela atraiu seu olhar, mas todos os seus empurrões e pancadas de nada serviram. Voltou para a cama frustrado e aborrecido.
Shae desapertou seus cordões e atirou os braços em torno de seu pescoço.
– Seus ombros estão duros como pedras – murmurou. – Depressa, quero senti-lo dentro de mim – mas quando as pernas dela se apertaram em volta de sua cintura, a virilidade o abandonou. Quando o sentiu amolecendo, Shae enfiou-se nos lençóis e colocou-o na boca, mas nem mesmo isso conseguiu despertá-lo.
Após alguns momentos, ele fez Shae parar.
– O que foi? – ela perguntou. Toda a doce inocência do mundo estava escrita ali, nas feições de seu jovem rosto.
Inocência? Idiota, ela é uma prostituta, Cersei tinha razão, você pensa com o pau, idiota, idiota.
– Vá dormir, querida – Tyrion disse, afagando seu cabelo. Mas muito depois de Shae ter seguido seu conselho, ele ainda estava acordado, com os dedos em taça em volta de um pequeno seio enquanto escutava o som de sua respiração.
Catelyn
O Grande Salão de Correrrio era um lugar solitário para duas pessoas se sentarem para jantar. Profundas sombras decoravam as paredes. Um dos archotes tinha se apagado, deixando apenas três. Catelyn fitava sua taça de vinho. A safra tinha gosto aguado e amargo. Brienne estava sentada na sua frente. Entre ambas, o cadeirão do pai encontrava-se tão vazio como o resto do salão. Até os criados tinham desaparecido. Ela lhes tinha dado licença para se juntarem à celebração.
As paredes da fortaleza eram espessas, mas mesmo assim conseguiam ouvir os sons abafados dos festejos vindos do pátio lá fora. Sor Desmond tinha trazido vinte barris da adega, e o povo celebrava o iminente regresso de Edmure e a conquista do Despenhadeiro por Robb, erguendo cornos de cerveja escura.