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– Deveríamos pôr os Walder no bosque sagrado. Poderiam brincar de senhor da travessia o quanto quisessem, e Verão poderia voltar a dormir comigo. Se eu sou o príncipe, por que não me obedece? Quis montar a Dançarina, mas Alebelly não me deixou atravessar o portão.

– E com razão. A mata de lobos está cheia de perigos. Sua última cavalgada deveria lhe ter ensinado isso. Gostaria que algum fora da lei o capturasse e o vendesse aos Lannister?

– Verão me salvaria – Bran insistiu teimosamente. – Os príncipes deviam ser autorizados a velejar pelos mares, a caçar javalis na mata de lobos e a justar com lanças.

– Bran, meu filho, por que se aflige assim? Um dia poderá fazer algumas dessas coisas, mas agora é apenas um garoto de oito anos.

– Preferia ser um lobo. Assim, eu poderia viver na floresta e dormir quando quisesse, e poderia encontrar Arya e Sansa. Farejaria onde elas estavam e iria salvá-las, e quando Robb partisse para a batalha, lutaria a seu lado, como Vento Cinzento. Rasgaria a garganta do Regicida com os dentes, zás, e depois a guerra chegaria ao fim e todo mundo voltaria a Winterfell. Se eu fosse um lobo… – o menino voltou a uivar. – Uuu-uu-uuuuuuuuuuuu.

Luwin levantou a voz.

– Um verdadeiro príncipe daria as boas-vindas…

AAHUUUUUU – Bran uivou, com mais força. – UUUUUUU-UUUUUU.

O meistre se rendeu:

– Como quiser, menino – com um olhar que era em parte tristeza e em parte aborrecimento, saiu do quarto.

Uivar perdeu a graça depois que Bran ficou sozinho. Algum tempo depois, aquietou-se. Eu dei as boas-vindas a eles, disse a si mesmo, com ressentimento. Fui senhor de Winterfell, um verdadeiro senhor, ele não pode dizer que não. Quando os Walder tinham chegado das Gêmeas, fora Rickon quem quis que fossem embora. Rickon, um garotinho de quatro anos, gritou que queria a mãe, o pai e Robb, não aqueles estranhos. Bran teve de acalmá-lo e desejar as boas-vindas aos Frey. Ofereceu-lhes comida e bebida, e uma cadeira junto ao fogo, e até Meistre Luwin dissera, depois, que ele se portara bem.

Só que isso tinha sido antes do jogo.

Para o jogo, eram necessários um tronco, um bastão, um curso d’água e muitos gritos. A água era o mais importante, asseguraram Walder e Walder a Bran. Podia-se usar uma prancha, ou até uma série de pedras, e um galho podia servir de bastão. Não era preciso gritar. Mas, sem água, não havia jogo. Como Meistre Luwin e Sor Rodrik não iam deixar as crianças vaguear pela mata de lobos em busca de um riacho, tinham de se virar com uma das lagoas sombrias que havia no bosque sagrado. Walder e Walder nunca antes tinham visto água quente sair do chão borbulhando, mas ambos acharam que tornaria o jogo ainda melhor.

Ambos se chamavam Walder Frey. O Grande Walder dizia que havia vários Walder nas Gêmeas, todos batizados em homenagem ao avô dos rapazes, Lorde Walder Frey.

– Em Winterfell, temos os nossos nomes – disse-lhes Rickon, com altivez, quando ouviu a história.

Para jogar, punha-se o tronco atravessando a água e um jogador ia para o meio com o bastão. Era o senhor da travessia, e, quando um dos outros jogadores se aproximava, ele tinha de dizer: “Eu sou o senhor da travessia, quem vem lá?”. E o outro jogador tinha de inventar um discurso sobre quem era e o motivo pelo qual devia ser autorizado a atravessar. O senhor podia obrigá-los a prestar juramento e a responder a perguntas. Não tinham de dizer a verdade, mas os juramentos deviam ser cumpridos, a não ser que incluíssem a palavra “talvez”. Portanto, o truque era dizer essa palavra sem que o senhor da travessia notasse. Então, podia-se tentar atirá-lo na água, e quem conseguisse passaria a ser o senhor da travessia, mas só se tivesse dito “talvez”. Caso contrário, ficaria fora do jogo. O senhor podia atirar qualquer um na água sempre que quisesse, e era o único que podia usar um bastão.

Na prática, o jogo parecia resumir-se a empurrões, pancadas e quedas na água, acompanhados de sonoras discussões sobre se alguém tinha ou não dito “talvez”. Normalmente, era o Pequeno Walder o senhor da travessia.

Apesar do nome, Pequeno Walder era alto e troncudo, com uma cara vermelha e uma grande barriga redonda. Já Grande Walder tinha feições angulosas, era magro, e quinze centímetros mais baixo.

– Ele é cinquenta e dois dias mais velho que eu – explicou Pequeno Walder –, e por isso, a princípio, era maior, mas eu cresci mais depressa.

– Nós somos primos, não irmãos – acrescentou Grande Walder, o menor. – Eu sou Walder, filho de Jammos. Meu pai é filho de Lorde Walder e da sua quarta esposa. Ele é Walder, filho de Merrett. A avó dele era a terceira esposa de Lorde Walder, a Crakehall. Ele está na minha frente na linha de sucessão, apesar de eu ser mais velho.

– Só por cinquenta e dois dias – retrucou Pequeno Walder. – E nenhum de nós jamais ficará com as Gêmeas, seu estúpido.

– Eu ficarei – declarou Grande Walder. – E não somos os únicos Walder. Sor Stevron tem um neto, Walder Negro, que é o quarto na linha de sucessão; e há o Walder Vermelho, filho de Sor Emmon; e Walder Bastardo, que não está na linha. Chama-se Walder Rivers, e não Walder Frey. Além disso, há meninas chamadas Walda.

– E o Tyr. Você esquece sempre do Tyr.

– Ele é Waltyr, não Walder – Grande Walder respondeu com rapidez. – E está depois de nós, portanto não importa. Seja como for, nunca gostei dele.

Sor Rodrik decretou que os protegidos dividiriam o antigo quarto de Jon Snow, já que este estava na Patrulha da Noite e nunca voltaria. Bran detestou a ideia; sentia que era como se os Frey estivessem roubando o lugar de Jon.

Bran observava, tristonho, enquanto os Walder lutavam com Nabo, o filho do cozinheiro, e as filhas de Joseth, Bandy e Shyra. Os donos do jogo tinham decretado que Bran seria o juiz e decidiria se os jogadores tinham dito “talvez”, mas, assim que começaram a jogar, esqueceram-no por completo.

Os ruídos e espirros d’água em breve atraíram outros: Palla, a moça do canil; o filho de Cayn, Calon; e também Tom, cujo pai, Gordo Tom, tinha morrido com o pai de Bran em Porto Real. Não demorou muito tempo até ficarem todos encharcados e enlameados. Palla estava marrom da cabeça aos pés, com musgo no cabelo, sem fôlego, de tanto rir. Bran não ouvia tantas gargalhadas desde a noite em que chegara o corvo ensanguentado. Se tivesse as minhas pernas, atiraria todos na água, pensou amargamente. Ninguém seria senhor da travessia, a não ser eu.

Por fim, Rickon chegou correndo ao bosque sagrado, com Cão Felpudo logo atrás. Ficou vendo Nabo e o Pequeno Walder lutarem pelo bastão, até que Nabo se desequilibrou e caiu, provocando um grande esguicho de água, balançando os braços. Rickon gritou:

– Eu! Agora eu! Quero jogar! – Pequeno Walder fez sinal para ele subir, e Cão Felpudo começou a segui-lo. – Não, Felpudo – mandou o irmão. – Os lobos não podem brincar. Fica com Bran.

E o lobo ficou…

… até o momento em que o Pequeno Walder bateu com o bastão em Rickon, bem em cheio, na barriga. Antes que Bran piscasse os olhos, o lobo negro voou sobre a prancha. Havia sangue na água, e os Walder guinchavam como se fosse o fim do mundo. Rickon sentou-se na lama, rindo, e Hodor chegou pisando pesado, gritando “Hodor! Hodor! Hodor!”.

Depois daquilo, estranhamente, Rickon decidiu que gostava dos Walder. Não voltaram a brincar de senhor da travessia, mas jogavam outros jogos – monstros e donzelas, gatos e ratos, entra-no-meu-castelo, todo o tipo de coisas. Com Rickon a seu lado, os Walder saqueavam as cozinhas em busca de tortas e favos de mel, faziam corridas em volta das muralhas, atiravam ossos aos cachorros nos canis e treinavam com espadas de madeira sob o olhar atento de Sor Rodrik. Rickon até lhes mostrou as profundas abóbadas debaixo da terra onde o pedreiro esculpia a sepultura do pai.