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Lorde Hoster estava profundamente adormecido.

– Bebeu uma taça de vinho de sonhos há não muito tempo, senhora – disse Meistre Vyman. – Para as dores. Não saberá que está aqui.

– Não tem importância – Catelyn respondeu. Está mais morto do que vivo, mas mais vivo do que os meus pobres e filhos queridos.

– Senhora, há alguma coisa que possa fazer pela senhora? Uma poção para dormir, talvez?

– Obrigada, Meistre, mas não. Não irei afastar o pesar com o sono. Bran e Rickon merecem mais de mim. Vá e junte-se à festa, eu farei companhia ao meu pai por algum tempo.

– Como quiser, senhora – Vyman fez uma reverência e a deixou.

Lorde Hoster estava deitado de costas, com a boca aberta, a respiração transformada num tênue suspiro sibilante. Uma mão caía da borda do colchão, uma coisa pálida, frágil e descarnada, mas que estava morna quando Catelyn a tocou. Entrelaçou seus dedos nos dele e os fechou. Não importa a força com que o segure, não sou capaz de mantê-lo aqui, pensou tristemente. Largue-o. Mas os dedos não pareciam ser capazes de se abrir.

– Não tenho ninguém com quem falar, pai – disse-lhe. – Rezo, mas os deuses não respondem – deu um leve beijo em sua mão. A pele estava morna, com veias azuis ramificando-se como rios sob a pele pálida e translúcida. Lá fora, os grandes rios fluíam, o Ramo Vermelho e o Pedregoso, e fluiriam para sempre, mas não seria assim com os rios na mão do pai. Muito em breve aquela corrente pararia. – Na noite passada sonhei com aquele dia em que Lysa e eu nos perdemos quando voltávamos de Guardamar. Lembra? Aquele estranho nevoeiro chegou e nós nos afastamos do resto do grupo. Tudo estava cinza, e eu não conseguia ver um palmo à frente do focinho do cavalo. Perdemos a estrada. Os galhos das árvores eram como longos braços magros que se estendiam para nos agarrar quando passávamos por eles. Lysa começou a chorar, e quando eu gritei, o nevoeiro pareceu engolir o som. Mas Petyr sabia onde estávamos, voltou e nos encontrou… Mas agora não há ninguém que me encontre, não é? Dessa vez tenho de encontrar o nosso caminho, e é difícil, muito difícil. O lema dos Stark não sai da minha cabeça. O Inverno chegou, pai. Para mim. Para mim. Robb tem agora de lutar contra os Greyjoy e contra os Lannister. E para quê? Por um chapéu de ouro e uma cadeira de ferro? Certamente a terra já sangrou o suficiente. Quero as minhas meninas de volta, quero que Robb deponha a espada e escolha uma filha modesta de Walder Frey que o faça feliz e lhe dê filhos. Quero ter Bran e Rickon de volta, quero… – Catelyn deixou a cabeça pender. – Quero – disse uma vez mais, e então ficou sem palavras.

Após algum tempo, a vela oscilou e se apagou. O luar inclinou-se por entre as ripas das venezianas, depositando barras pálidas e prateadas no rosto do pai. Conseguia ouvir o suave murmúrio de sua respiração laboriosa, o infindável correr das águas, os tênues acordes de uma canção de amor qualquer que vinham do pátio, tão tristes e doces.

Amei uma donzela ruiva como o Outono – cantava Rymund – com o pôr do sol nos cabelos.

Catelyn não chegou a reparar no momento em que a cantoria havia terminado. Tinham se passado horas, mas pareceu apenas um momento antes que Brienne surgisse à porta.

– Senhora – ela a chamou em voz baixa. – A meia-noite chegou.

A meia-noite chegou, pai, pensou, e tenho de cumprir o meu dever. Largou sua mão.

O carcereiro era um homenzinho furtivo com veias rompidas no nariz. Encontraram-no debruçado sobre uma caneca de cerveja e os restos de um empadão de pombo, mais do que um pouco bêbado. Olhou-as de esguelha, desconfiado.

– Peço-lhe perdão, senhora, mas Lorde Edmure diz que ninguém deve visitar o Regicida sem um escrito dele, fechado com o selo.

Lorde Edmure? Será que meu pai morreu sem que ninguém tenha me dito nada?

O carcereiro passou a língua pelos lábios.

– Não, senhora, que eu saiba não.

– Ou abre a cela ou vem comigo ao aposento privado de Lorde Hoster contar-lhe por que motivo achou adequado me desafiar.

Os olhos do homem baixaram:

– Como a senhora quiser – as chaves estavam acorrentadas ao cinto de couro com rebites que cingia sua cintura. Resmungou enquanto procurava, até encontrar aquela que servia na porta da cela do Regicida.

– Volte para a sua cerveja, deixe-nos – ordenou Catelyn. Uma lâmpada de azeite pendia de um gancho, no teto baixo. Catelyn pegou-a e avivou a chama. – Brienne, certifique-se de que eu não seja incomodada.

Anuindo com a cabeça, Brienne tomou posição à porta da cela, descansando a mão no botão do punho da espada.

– A senhora chamará se precisar de mim.

Catelyn abriu a pesada porta de madeira e ferro com o ombro e entrou na escuridão malcheirosa. Aquelas eram as tripas de Correrrio, e o cheiro correspondia à descrição. Palha velha estalava sob os pés. As paredes estavam descoloridas por manchas de salitre. Por entre as pedras conseguia ouvir a tênue corrente do Pedregoso. A luz da lâmpada revelou um balde transbordando de fezes em um canto e uma forma amontoada em outro. O jarro de vinho encontrava-se junto da porta, intacto. Lá se vai a manobra. Suponho que deva me sentir grata por o carcereiro não ter bebido o vinho.

Jaime ergueu as mãos para cobrir o rosto, fazendo tinir as correntes que prendiam seus pulsos.

– Senhora Stark – disse, numa voz rouca pelo desuso. – Temo não me encontrar em condições de recebê-la.

– Olhe para mim, sor.

– A luz fere meus olhos. Um momento, por favor – Jaime Lannister não tivera permissão de usar uma navalha desde a noite em que fora capturado no Bosque dos Murmúrios, e uma barba hirsuta cobria seu rosto, antes tão semelhante ao da rainha. Cintilando, dourada, à luz da lâmpada, a barba fazia-o parecer um grande animal amarelo qualquer, magnífico, mesmo acorrentado. O cabelo por lavar caía sobre seus ombros em cordões e nós, as roupas apodreciam em seu corpo, o rosto estava pálido e desolado… E, mesmo assim, o poder e a beleza do homem ainda eram visíveis.

– Vejo que não teve gosto pelo vinho que lhe enviei.

– Uma generosidade súbita assim pareceu-me um pouco suspeita.

– Posso mandar que cortem sua cabeça a qualquer momento. Por que motivo precisaria envenená-lo?

– A morte pelo veneno pode parecer natural. É mais difícil defender que minha cabeça simplesmente caiu – lançou do chão um olhar de viés, com os olhos verdes como os de um gato acostumando-se lentamente à luz. – Convidaria a senhora a se sentar, mas seu irmão se esqueceu de me fornecer uma cadeira.

– Posso ficar bastante bem em pé.

– Pode? Devo dizer que está com um aspecto horrível. Embora talvez seja apenas a luz que há aqui – ele estava agrilhoado nos pulsos e nos tornozelos, com cada algema presa às outras por correntes, de forma que nem era capaz de ficar em pé nem de se deitar confortavelmente. As correntes dos tornozelos estavam presas à parede. – Minhas pulseiras são suficientemente pesadas para a senhora, ou veio acrescentar mais algumas? Eu as chocalho lindamente, se quiser.

– Foi você quem provocou isto – lembrou-lhe. – Oferecemos o conforto de uma cela de torre adequada ao seu nascimento e posição. Pagou-nos tentando escapar.

– Uma cela é uma cela. Há algumas sob Rochedo Casterly que fazem com que esta pareça um jardim ensolarado. Um dia talvez mostre-as à senhora.

Se está intimidado, sabe esconder bem, Catelyn pensou.

– Um homem acorrentado pelos pés e pelas mãos devia ter na boca uma língua mais cortês, sor. Não vim aqui para ser ameaçada.

– Não? Então decerto que foi para obter prazer de mim? Dizem que as viúvas se cansam das suas camas vazias. Nós, na Guarda Real, juramos nunca casar, mas suponho que ainda poderia servi-la se for isso o que lhe faz falta. Sirva-nos um pouco daquele vinho e tire esse vestido, e veremos se estou em condições.