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Catelyn lembrou-se de que Tyrion Lannister havia dito algo muito semelhante enquanto atravessavam as Montanhas da Lua. Recusara-se a crer nele. Petyr jurara que as coisas tinham sido diferentes. O Petyr que fora quase um irmão, que a amara tanto que tinha lutado em duelo por sua mão… E, no entanto, se Jaime e Tyrion contavam a mesma história, qual seria o significado disso? Os irmãos não tinham se encontrado desde a partida de Winterfell, mais de um ano antes.

– Está tentando me enganar? – havia ali, em algum lugar, uma armadilha.

– Já admiti ter atirado seu precioso diabrete por uma janela, o que ganharia se mentisse a respeito dessa faca? – ele emborcou outra taça de vinho. – Acredite no que quiser, já passou o tempo em que me preocupava com o que as pessoas dizem de mim. E é a minha vez. Os irmãos de Robert puseram-se em campo?

– Sim.

– Eis uma resposta avara. Dê-me mais do que isso, senão sua próxima resposta será igualmente pobre.

– Stannis marcha contra Porto Real – ela disse de má vontade. – Renly está morto, assassinado em Ponteamarga pelo irmão, através de alguma arte negra que não compreendo.

– É uma pena. Gostava bastante de Renly, se bem que Stannis seja uma história bem diferente. Qual lado os Tyrell escolheram?

– A princípio, o de Renly. Agora não sei dizer.

– Seu garoto deve andar se sentindo solitário.

– Robb fez dezesseis anos há alguns dias… É um homem-feito, e um rei. Venceu todas as batalhas que travou. Segundo as últimas notícias que recebemos, conquistou o Despenhadeiro aos ocidentais.

– Ainda não se defrontou com meu pai, não é?

– Quando o fizer, vai derrotá-lo. Como fez convosco.

– Pegou-me desprevenido. Um truque de covarde.

– Atreve-se a falar de truques? Seu irmão Tyrion enviou-nos assassinos vestidos de enviados, sob uma bandeira de paz.

– Se fosse um de seus filhos nesta cela, os irmãos dele não fariam o mesmo?

Meu filho não tem irmãos, pensou Catelyn, mas não dividiria sua dor com uma criatura como aquela.

Jaime bebeu mais um pouco de vinho.

– O que é a vida de um irmão quando a honra está em causa, hã? – outro gole. – Tyrion é suficientemente inteligente para compreender que seu filho nunca consentirá em libertar-me mediante resgate.

Catelyn não podia negá-lo.

– Os vassalos de Robb prefeririam vê-lo morto. Em particular Rickard Karstark. Matou dois de seus filhos no Bosque dos Murmúrios.

– Eram os dois com o esplendor branco? – Jaime encolheu os ombros. – A bem da verdade, quem eu estava tentando matar era o seu filho. Os outros entraram em meu caminho. Matei-os numa luta justa, no calor da batalha. Qualquer outro cavaleiro teria feito a mesma coisa.

– Como é possível que se considere ainda um cavaleiro, depois de ter posto de lado todos os votos que jurou?

Jaime estendeu a mão para o jarro, a fim de voltar a encher a taça.

– Tantos votos… Obrigam-nos a jurar e voltar a jurar. Defender o rei. Obedecer ao rei. Guardar seus segredos. Fazer o que ele nos pedir. Nossa vida pela dele. Além de obedecer ao nosso pai. Amar a nossa irmã. Proteger os inocentes. Defender os fracos. Respeitar os deuses. Obedecer às leis. É demais. Faça o que fizer, é preciso pôr de lado um voto ou outro – bebeu um bom trago de vinho e fechou os olhos por um instante, encostando a cabeça na mancha de salitre da parede. – Fui o homem mais novo a usar o manto branco na história.

– E o mais novo a trair tudo o que o manto simbolizava, Regicida.

Regicida – ele pronunciou com cuidado. – E que rei ele era! – ergueu a taça: – A Aerys Targaryen, o Segundo do Seu Nome, Senhor dos Sete Reinos e Protetor do Território. E à espada que abriu sua garganta. Uma espada dourada, sabe? Até que o sangue dele correu vermelho pela lâmina. São essas as cores Lannister, vermelho e dourado.

Enquanto ele ria, Catelyn compreendeu que o vinho fizera seu trabalho; Jaime tinha bebido a maior parte do jarro e estava bêbado.

– Só um homem como você se sentiria orgulhoso de um ato desses.

– Já lhe disse que não há homens como eu. Responda-me o seguinte, Senhora Stark… Seu Ned alguma vez lhe contou o modo como o pai dele morreu? Ou o irmão?

– Estrangularam Brandon enquanto o pai observava, e depois mataram também Lorde Rickard – uma história feia, e velha, de dezesseis anos. Por que ele estaria falando dela agora?

– Sim, mataram, mas como?

– A corda ou o machado, suponho.

Jaime bebeu um gole, limpou a boca:

– Não há dúvida de que Ned desejou poupá-la. Sua doce e jovem noiva, ainda que não fosse propriamente donzela. Bem, queria a verdade. Perguntou-me. Fizemos um acordo, nada posso lhe negar. Pergunte.

– O que está morto, morto está – não quero saber disso.

– Brandon era diferente do irmão, não era? Tinha sangue nas veias, e não água fria. Era mais parecido comigo.

– Brandon não se parecia em nada com você.

– Se você diz. Você e ele iam se casar.

– Ele vinha a caminho de Correrrio quando… – estranho como contar aquilo ainda fazia sua garganta apertar-se, depois de todos aqueles anos. – … Quando ouviu notícias de Lyanna e se dirigiu a Porto Real. Foi um ato precipitado – lembrava-se de como o pai tinha se enfurecido quando as notícias foram trazidas a Correrrio. O pateta galante, assim ele chamara Brandon.

Jaime serviu-se da última meia taça de vinho.

– Ele entrou a cavalo na Fortaleza Vermelha com alguns companheiros, desafiando aos gritos o Príncipe Rhaegar a sair e morrer. Mas Rhaegar não estava lá. Aerys mandou os guardas prenderem-nos a todos, acusados de planejar o assassinato do filho. Os outros eram também filhos de senhores, parece-me.

– Ethan Glover era escudeiro de Brandon – Catelyn disse. – Foi o único sobrevivente. Os outros eram Joffrey Mallister, Kyle Royce e Elbert Arryn, sobrinho e herdeiro de Jon Arryn – era estranho como ainda se lembrava dos nomes, depois de tantos anos. – Aerys acusou-os de traição e convocou os pais à corte para responder à acusação, mantendo os filhos como reféns. Quando chegaram, mandou assassiná-los sem julgamento. Tanto os pais como os filhos.

– Houve julgamento. De certo modo. Lorde Rickard exigiu o julgamento por combate, e o rei concedeu-lhe o pedido. O Stark armou-se como se fosse para a batalha, pensando que iria travar um duelo com um membro da Guarda Real. Talvez eu. Em vez disso, levaram-no para a sala do trono e suspenderam-no das vigas enquanto dois dos piromantes de Aerys acendiam uma fogueira por baixo dele. O rei disse-lhe que o campeão da Casa Targaryen era o fogo. Portanto, tudo o que Lorde Rickard tinha de fazer para provar que era inocente de traição era… bem, não arder. Depois de atearem fogo, Brandon foi trazido. Vinha com as mãos acorrentadas atrás das costas e trazia, em volta do pescoço, um cordão de couro molhado e ligado a um dispositivo que o rei trouxera de Tyrosh. Mas as pernas tinham sido deixadas livres, e a espada fora depositada bem longe de seu alcance. Os piromantes assaram Lorde Rickard lentamente, abafando e atiçando o fogo com cuidado, para obter um calor bom e uniforme. A primeira coisa a se incendiar foi seu manto, depois foi a capa, e em breve não usava nada a não ser metal e cinzas. Em seguida iria começar a arder, prometeu Aerys… A menos que o filho conseguisse libertá-lo. Brandon tentou, mas quanto mais se esforçava, mais o cordão se apertava em torno de sua garganta. No fim, estrangulou-se a si próprio. Quanto a Lorde Rickard, o aço de sua placa de peito ficou cor de cereja antes do fim, e o ouro das esporas derreteu e pingou na fogueira. Eu permaneci em pé, na base do Trono de Ferro com minha armadura e manto brancos, enchendo a cabeça com pensamentos sobre Cersei. Depois daquilo, o próprio Gerold Hightower chamou-me de lado e me disse: “Fez o voto de defender o rei, não de julgá-lo”. O Touro Branco era assim, leal até o fim e um homem melhor do que eu, todos concordam.