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Theon não podia deixar os assassinatos impunes. Farlen era um suspeito tão provável como qualquer outro. Tinha montado um julgamento, declarado o homem culpado e condenado-o à morte. Mas até isso havia corrido mal. Ao se ajoelhar junto ao cepo, o mestre dos canis dissera:

– O senhor Eddard cuidava sempre de suas mortes.

Theon tivera de empunhar ele próprio o machado para não parecer um fracote. Como suava, o cabo virou em suas mãos ao brandi-lo, e o primeiro golpe atingira Farlen entre os ombros. Foram necessários mais três golpes para cortar todos aqueles ossos e músculos e separar a cabeça do corpo, e depois Theon ficou mal, recordando todas as vezes que tinham se sentado à mesa, diante de uma taça de hidromel, conversando sobre cães e caça. Não tive escolha, quis gritar ao cadáver. Os homens de ferro não sabem guardar segredos, tinham de morrer, e alguém precisava arcar com a culpa. Só desejava tê-lo matado de forma mais limpa. Ned Stark nunca precisara de mais do que um único golpe para decapitar um homem.

Os assassinatos pararam após a morte de Farlen, mas mesmo assim seus homens continuaram mal-humorados e ansiosos.

– Não temem nenhum inimigo em batalha aberta – Lorren Negro lhe dissera –, mas é diferente viver entre inimigos, sem nunca saber se a lavadeira quer beijá-lo ou matá-lo, ou se o criado está enchendo sua taça com cerveja ou veneno. O melhor que faríamos era sair deste lugar.

– Eu sou o Príncipe de Winterfell! – Theon gritara. – Este é o meu domínio, nenhum homem me arrancará daqui. Não, e mulher nenhuma também.

Asha. Era obra dela. Minha querida irmã, que os Outros a enrabem com uma espada. Queria vê-lo morto, para poder roubar seu lugar como herdeiro do pai. Era por isso que o deixara ali definhando, ignorando as ordens urgentes que lhe enviara.

Foi encontrá-la no cadeirão dos Stark, desfazendo um capão com os dedos. O salão ressoava com as vozes de seus homens, compartilhando histórias com os de Theon enquanto bebiam juntos. Eram tão barulhentos que sua entrada quase passou despercebida.

– Onde estão os outros? – perguntou Fedor. Não havia mais de cinquenta homens nas mesas de montar, e a maior parte eram seus. O Grande Salão de Winterfell poderia ter acomodado dez vezes esse número.

– Isto é a companhia toda, senhor príncipe.

Toda… Quantos homens ela trouxe?

– Pelas minhas contas, vinte.

Theon Greyjoy encaminhou-se a passos largos para onde a irmã estava instalada. Asha ria de qualquer coisa que um de seus homens tinha dito, mas parou quando o viu aproximar-se.

– Ora, é o Príncipe de Winterfell – atirou um osso a um dos cães que andavam farejando pelo salão. Por baixo daquele bico de falcão que tinha como nariz, sua boca larga retorceu-se num sorriso de zombaria. – Ou será o Príncipe dos Tolos?

– A inveja cai mal a uma donzela.

Asha chupou gordura dos dedos. Uma madeixa de cabelo negro caiu sobre seus olhos. Seus homens gritavam por pão e bacon. Faziam bastante barulho, por poucos que fossem.

– Inveja, Theon?

– Que outro nome lhe daria? Com trinta homens capturei Winterfell numa noite. Você precisou de mil e de uma volta de lua para tomar Bosque Profundo.

– Bem, não sou um grande guerreiro como você, irmão – tragou meio corno de cerveja e limpou a boca com as costas da mão. – Vi as cabeças por cima de seus portões. Diga-me a verdade, qual deles deu mais trabalho na luta, o aleijado ou o bebê?

Theon sentiu o sangue afluindo ao seu rosto. Não se regozijava mais com aquelas cabeças do que se regozijara com a exibição dos corpos decapitados das crianças perante o castelo. A Velha Ama tinha ficado imóvel, abrindo e fechando, sem um som, sua boca mole e desdentada, e Farlen atirara-se a Theon, rosnando como um de seus cães. Urzen e Cadwyl foram forçados a espancá-lo com os cabos das lanças até o deixarem sem sentidos. Como cheguei a esse ponto?, lembrava-se de ter pensado enquanto se mantinha em pé sobre os corpos cobertos de moscas.

Só Meistre Luwin tolerara se aproximar. Com um rosto de pedra, o pequeno homem cinzento pedira licença para costurar a cabeça dos garotos ao corpo, para poderem ser sepultados nas criptas subterrâneas, com os outros mortos dos Stark.

– Não – dissera-lhe Theon. – Nas criptas, não.

– Mas por que, senhor? Certamente que já não podem lhe fazer mal. E lá é o lugar deles. Todos os ossos dos Stark…

– Eu disse não.

Precisava das cabeças para a muralha, mas queimara os corpos decapitados naquele mesmo dia, vestidos com suas belas roupas. Depois, ajoelhou-se entre os ossos e cinzas para recuperar uma escória de prata derretida e azeviche rachado, tudo o que restava do broche em forma de cabeça de lobo que antes pertencera a Bran. Ainda a tinha consigo.

– Tratei Bran e Rickon com generosidade – disse à irmã. – Foram eles que chamaram a si seu destino.

– Tal como todos fazemos, irmãozinho.

Theon tinha a paciência no fim.

– Como espera que eu defenda Winterfell se me traz apenas vinte homens?

– Dez – Asha corrigiu. – Os outros voltam comigo. Não vai querer que sua querida irmã enfrente os perigos da floresta sem uma escolta, não é? Há lobos gigantes patrulhando a escuridão – desenrolou-se de dentro do grande cadeirão de pedra e ficou em pé. – Venha, vamos para algum lugar onde possamos conversar com mais privacidade.

Theon sabia que ela tinha razão, mas amargurava-o que tivesse sido ela a tomar essa decisão. Nunca devia ter vindo ao salão, compreendeu tardiamente. Devia ter ordenado que ela fosse trazida até mim.

Mas agora era tarde demais para isso. Theon não tinha escolha a não ser levar Asha ao aposento privado de Ned Stark. Lá, diante das cinzas de um fogo morto, exclamou:

– Dagmer perdeu a luta em Praça de Torrhen.

– O velho castelão abriu uma brecha em sua muralha de escudos, sim – disse Asha com voz calma – O que esperava? Esse Sor Rodrik conhece intimamente o terreno, e Boca Rachada não, e muitos dos nortenhos estavam a cavalo. Aos homens de ferro falta a disciplina para aguentar um ataque de cavalaria protegida por armaduras. Dagmer sobreviveu, seja grato por isso. Está levando os sobreviventes de volta à Costa Pedregosa.

Ela sabe mais do que eu, Theon percebeu. E isso só o deixou mais zangado.

– A vitória deu a Leobald Tallhart coragem para sair da proteção de suas muralhas e ir se juntar a Sor Rodrik. E recebi relatos que afirmam que Lorde Manderly enviou uma dúzia de barcaças rio acima, atulhadas de cavaleiros, cavalos de guerra e máquinas de cerco. Os Umber também reúnem homens para lá do Rio Último. Terei um exército aos meus portões antes do virar da lua, e você me traz só dez homens?

– Não tinha de ter trazido nenhum.

– Eu ordenei…

– O pai ordenou-me que tomasse Bosque Profundo – ela o interrompeu. – Não me disse nada sobre ter de ir salvar meu irmão mais novo.

– Que se dane Bosque Profundo. É um penico de madeira em cima de um monte. Winterfell é o coração do território, mas, como posso defendê-lo sem uma guarnição?

– Podia ter pensado nisso antes de tomá-lo. Oh, foi coisa esperta, admito. Se ao menos tivesse tido o bom-senso de arrasar o castelo e levar os dois principezinhos de volta a Pyke como reféns, podia ter ganhado a guerra com um golpe.

– Gostaria disso, não é verdade? De ver minha presa reduzida a cinzas e escombros.

– Sua presa vai ser a sua perdição. As lulas gigantes levantam-se do mar, Theon, ou será que se esqueceu disso durante os anos em que passou entre os lobos? Nossa força está nos dracares. Meu penico de madeira fica suficientemente perto do mar para que abastecimentos e homens novos cheguem sempre que forem necessários. Mas Winterfell está a centenas de léguas para o interior, rodeado de florestas, montes e castros, e castelos hostis. E agora, cada homem em mil léguas ao redor é seu inimigo, não se iluda. Certificou-se disso quando colocou aquelas cabeças em sua guarita – Asha sacudiu a cabeça. – Como pôde ser tão burro? Crianças