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– Você não tinha o direito! – gritou Bran ao irmão quando soube. – Aquele lugar é nosso, dos Stark!

Mas Rickon não tinha se importado.

A porta do seu quarto abriu-se. Meistre Luwin entrou, carregando um bule verde, e desta vez Osha e Hayhead vinham com ele.

– Fiz uma poção para você dormir, Bran.

Osha pegou-o com seus braços ossudos. Era muito alta para uma mulher, e forte como metal, e o levou sem esforço para a cama.

– Isto vai lhe dar um sono sem sonhos – disse Meistre Luwin, tirando a rolha do bule. – Um bom sono sem sonhos.

– Vai? – Bran perguntou, querendo acreditar.

– Sim. Beba.

Bran bebeu. A poção era espessa e calcária, mas continha mel, e desceu facilmente.

– Quando chegar a manhã, vai se sentir melhor.

Luwin deu a Bran um sorriso e uma palmadinha antes de se retirar.

Osha ficou por ali.

– São os sonhos do lobo de novo?

Bran confirmou com a cabeça.

– Não devia lutar tanto, rapaz. Vejo você falando com a árvore-coração. Talvez os deuses estejam tentando responder.

– Os deuses? – ele murmurou, já sonolento. A cara de Osha ficou embaçada e cinzenta. Um bom sono sem sonhos, Bran pensou.

Mas, quando a escuridão se fechou ao seu redor, deu por si no bosque sagrado, movendo-se em silêncio sob árvores-sentinela cinza-esverdeadas e carvalhos nodosos, velhos como o tempo. Estou andando, pensou, exultante. Parte dele sabia que era apenas um sonho, mas mesmo o sonho de andar era melhor do que a verdade do seu quarto, com as paredes, o teto e a porta.

Estava escuro entre as árvores, mas o cometa iluminava seu caminho, e seus pés eram firmes. Deslocava-se em quatro boas pernas, fortes e rápidas, e conseguia sentir o chão debaixo das patas, o suave crepitar das folhas caídas, as grossas raízes e as pedras duras, as profundas camadas de húmus. Era uma sensação boa.

Os cheiros enchiam sua cabeça, vivos e inebriantes; o fedor verde e lamacento das lagoas quentes, o perfume da rica terra que apodrecia sob as suas patas, os esquilos no topo dos carvalhos. O cheiro de esquilo fez com que recordasse o sabor do sangue quente e o jeito como os ossos estalariam entre os seus dentes. Sua boca encheu-se de saliva. Não comia há mais de meio dia, mas não havia qualquer graça na carne morta, mesmo que fosse de veado. Era capaz de ouvir os esquilos pipilando e sussurrando por cima da sua cabeça, em segurança entre as suas folhas, mas eram suficientemente prudentes para não descer até onde ele e o irmão rondavam.

Também cheirava o irmão, um odor familiar, forte e terroso, um odor tão negro como a sua pelagem. O irmão rondava ao redor dos muros, cheio de fúria. Dava voltas e mais voltas, noite e dia, incansável, à procura… de uma presa, de uma saída, da mãe, dos companheiros de ninhada, da matilha… à procura, à procura, sem nunca encontrar.

Atrás das árvores erguiam-se os muros, pilhas de rocha-de-homem morta que apareciam ao redor de toda aquela mancha de bosque vivo. Erguiam-se manchadas de cinza e salpicadas de musgo, mas espessas, fortes e mais altas do que qualquer lobo pudesse imaginar saltar. Ferro frio e madeira lascada fechavam os únicos buracos que havia entre as pedras empilhadas que os encerravam. O irmão parava junto a cada buraco e mostrava as presas, tomado de fúria, mas os caminhos permaneciam fechados.

Ele tinha feito o mesmo na primeira noite, e descobriu que não valia a pena. Ali, rosnados não abriam caminhos. Dar a volta junto aos muros não os faria recuar. Levantar uma pata e demarcar as árvores não manteria nenhum homem afastado. O mundo apertara-se em volta deles, mas para lá do bosque murado ainda se estendiam as grandes cavernas cinzentas da rocha-de-homem. Winterfell, lembrou-se, com o som chegando subitamente. E para lá das suas falésias altas como o céu, o verdadeiro mundo chamava, e ele sabia que tinha de responder, ou morreria.

Arya

Viajaram do nascer ao pôr do sol, passando por florestas, pomares e campos bem-cuidados, atravessando pequenas aldeias, vilas livres cheias de gente e robustos castros. Quando a noite chegava, montavam o acampamento e comiam à luz da Espada Vermelha. Os homens faziam turnos de guarda. Arya vislumbrava as fogueiras dos acampamentos de outros viajantes tremeluzindo por entre as árvores. Parecia haver mais acampamentos todas as noites, e mais tráfego na estrada do rei durante o dia.

Chegavam de manhã, à tarde e à noite, velhos e crianças, homens grandes e pequenos, garotas de pés descalços e mulheres com bebês no peito. Alguns conduziam carroças de campo ou eram sacudidos na parte de trás de carros de bois. Um número maior vinha montado em cavalos de tração, pôneis, mulas, burros, em qualquer coisa capaz de andar, correr ou rolar. Uma mulher puxava uma vaca leiteira com uma menininha no lombo. Arya viu um ferreiro que empurrava um carro de mão com suas ferramentas lá dentro, martelos e tenazes, e até uma bigorna, e pouco depois via outro homem com outro carro de mão, dessa vez contendo dois bebês enrolados numa manta. A maior parte vinha a pé, com as posses sobre os ombros e expressões muito, muito cansadas nos rostos. Caminhavam para o sul, na direção da cidade, para Porto Real, e só um em cem chegava a dirigir uma palavra a Yoren e àqueles que estavam sob sua responsabilidade, viajando para o norte. Perguntou a si mesma por que é que mais ninguém seguia na mesma direção que eles.

Muitos dos viajantes vinham armados; Arya viu punhais e adagas, foices e machados, e aqui e ali uma espada. Alguns tinham feito tacapes de galhos de árvore, ou esculpido bastões nodosos. Passavam os dedos pelas armas e lançavam olhares demorados às carroças que por eles passavam, mas, no fim, deixavam a coluna avançar. Contavam-se trinta, seja lá o que fosse que transportavam naquelas carroças.

Olha com os olhos, dizia Syrio, escuta com os ouvidos.

Um dia, uma louca desatou a gritar para eles da beira da estrada.

– Doidos! Eles matam vocês, doidos! – era magra como um espantalho, com olhos vazios e pés ensanguentados.

Na manhã seguinte, um mercador de rosto liso montado numa égua cinzenta parou ao lado de Yoren e ofereceu-se para comprar as carroças e tudo o que continham por um quarto do seu valor.

– É a guerra, eles levam o que quiserem, seria melhor se vendesse para mim, meu amigo.

Yoren lhe deu as costas com um giro dos ombros encurvados, e cuspiu.

Arya reparou na primeira sepultura nesse mesmo dia; um pequeno monte ao lado da estrada, escavado para uma criança. Um cristal tinha sido depositado na terra fofa, e Lommy insistiu para ficar com ele, até que o Touro lhe disse que faria melhor em deixar os mortos em paz. Algumas léguas mais à frente, Praed apontou para mais sepulturas, uma fileira inteira recém-cavada. Depois disso, quase não se passou um dia sem verem outras.

Certa vez, Arya acordou no escuro, assustada por algo que não conseguia definir. No alto, a Espada Vermelha dividia o céu com meio milhar de estrelas. A noite lhe parecia estranhamente silenciosa, embora conseguisse ouvir os roncos resmungados de Yoren, o crepitar do fogo e até os movimentos abafados dos burros. Mas, de algum modo, sentia-se como se o mundo inteiro estivesse segurando a respiração, e o silêncio a fazia tremer. Voltou ao sono agarrada à Agulha.

Ao chegar a manhã, quando Praed não acordou, Arya compreendeu que aquilo de que sentira falta tinha sido a tosse do homem. Então, cavaram eles mesmos a sepultura de Praed, enterrando o mercenário no local onde dormira. Yoren despiu-o das coisas de valor que possuía antes de jogarem terra sobre ele. Um homem ficou com suas botas, outro, com o punhal. A cota de malha e o elmo foram distribuídos. A espada longa foi entregue por Yoren a Touro.

– Pode ser que braços como os seus aprendam a usar isso – disse-lhe.