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Por entre os remos brilhantes do Cetro e do Fiel, Davos viu uma estreita linha de galés atravessada no rio, com o sol cintilando na tinta dourada que distinguia seus cascos. Conhecia aqueles navios tão bem quanto os seus. Quando era contrabandista, sentia-se sempre mais seguro sabendo se a vela no horizonte assinalava um navio rápido ou lento, e se o seu capitão era um jovem faminto de glória ou um velho nos últimos dias de serviço.

Auuuuuuuuuuuuuuuuuu, berraram os cornos de guerra.

– Velocidade de batalha – Davos gritou. A bombordo e estibordo ouviu Dale e Allard darem a mesma ordem. Tambores começaram a bater furiosamente, remos erguiam-se e caíam, e o Betha Negra correu em frente. Quando olhou de relance o Espectro, Dale fez uma saudação. O Peixe-Espada estava de novo se atrasando, rebolando-se na esteira dos navios menores de ambos os lados; fora isso, a linha seguia reta como uma muralha de escudos.

O rio que parecera tão estreito a distância alargava-se agora como um mar, mas a cidade também se tornara gigantesca. Debruçada, mal-humorada, da Colina de Aegon, a Fortaleza Vermelha dominava as vias de aproximação. Suas ameias coroadas de ferro, sólidas torres e espessas muralhas vermelhas davam-lhe o aspecto de um animal feroz arqueando o dorso sobre o rio e as ruas. As falésias sobre as quais se acocorava eram abruptas e rochosas, manchadas de liquens e árvores deformadas e espinhosas. A frota teria de passar sob o castelo para atingir o porto e a cidade que ficavam mais adiante.

A primeira linha encontrava-se agora no rio, mas as galés inimigas recuavam. Querem nos atrair. Querem nossos navios amontoados, apertados, sem ter como contornar seus flancos… e com aquela represa atrás de nós. Percorreu o convés, projetando o pescoço para melhor observar a frota de Joffrey. Viu que os brinquedos do garoto incluíam o imponente Graça dos Deuses, o velho e lento Príncipe Aemon, o Senhora de Seda e seu irmão, Vergonha da Senhora, Vento Vivo, Portorrealense, Veado Branco, o Lança, Flor do Mar. Mas, onde estava o Estrela Leonina? Onde estava o belo Senhora Lyanna que o Rei Robert batizara em honra da donzela que amara e perdera? E onde estava o Martelo do Rei Robert? Era a maior galé de guerra da frota real, com quatrocentos remos, o único dos navios de guerra que o jovem rei possuía capaz de se sobrepor ao Fúria. Deveria constituir o coração de qualquer defesa.

Davos sentiu o sabor de uma armadilha, mas não viu sinal de inimigos aproximando-se por trás, só a grande frota de Stannis Baratheon em suas fileiras ordenadas, estendendo-se até o horizonte aquático. Será que erguerão a corrente e nos cortarão ao meio? Não via de que serviria isso. Os navios deixados na baía ainda poderiam desembarcar homens ao norte da cidade; uma travessia mais lenta, mas mais segura.

Um bando de tremeluzentes pássaros cor de laranja levantou voo do castelo, vinte ou trinta; potes de piche em chamas, voando em arco sobre o rio, trazendo atrás de si fios de chamas. As águas comeram a maior parte, mas alguns encontraram os conveses de galés na primeira linha de batalha, espalhando chamas onde se estilhaçavam. Havia homens de armas numa agitação frenética no convés do Rainha Alysanne, e era possível ver fumaça subindo de três locais diferentes na Perdição de Dragão, que estava mais perto da margem. Então, já um segundo bando vinha a caminho, e também caíam flechas, assobiando, provenientes dos ninhos de arqueiros salpicados no alto das torres. Um soldado tropeçou na amurada do Gato, caiu sobre os remos e afundou. O primeiro homem a morrer hoje, Davos pensou, mas não será o último.

No topo das ameias da Fortaleza Vermelha flutuavam os estandartes do rei rapaz: o veado coroado de Baratheon no seu fundo dourado, o leão de Lannister sobre carmim. Mais potes de piche chegaram voando. Davos ouviu homens gritar quando o fogo se espalhou sobre o Corajoso. Os remadores da galé estavam a salvo embaixo, protegidos dos projéteis pelo meio convés que os abrigava, mas os homens de armas aglomerados em cima não tinham tanta sorte. A ala a estibordo estava apanhando com todo o embate, tal como receara. Em breve será a nossa vez, recordou-se, preocupado. O Betha Negra estava bem ao alcance dos potes de fogo, o sexto navio a partir da margem norte. A estibordo, tinha apenas o Senhora Marya de Allard, o deselegante Peixe-Espada – agora tão atrasado que se encontrava mais próximo da terceira linha do que da segunda – e Piedade, Prece e Devoção, que precisariam de toda a intervenção divina que pudessem reunir no local vulnerável em que estavam.

Quando a segunda linha passou pelas torres gêmeas, Davos olhou-as melhor. Conseguia ver três elos de uma enorme corrente serpenteando de um buraco que não era maior do que a cabeça de um homem e desaparecendo na água. As torres tinham uma única porta, colocada a uns seis metros do chão. Arqueiros no telhado da torre norte estavam disparando sobre o Prece e o Devoção. Os arqueiros no Devoção responderam, e Davos ouviu um homem gritar quando as flechas o encontraram.

– Meu capitão – Matthos, seu filho, estava ao seu lado. – O seu elmo – Davos o pegou com ambas as mãos e o colocou na cabeça. O elmo não tinha viseira; detestava ter a visão restringida.

Então os potes de piche já choviam ao redor deles. Viu um estilhaçar-se no convés do Senhora Marya, mas a tripulação de Allard o apagou rapidamente. A bombordo, soaram cornos de guerra no Orgulho de Derivamarca. Os remos faziam jorros de água voar a cada remada. O dardo de um metro de comprimento de uma balista caiu a cerca de meio metro de Matthos e afundou-se na madeira do convés, com um ruído abafado. Em frente, a primeira linha encontrava-se ao alcance dos arcos do inimigo; enxames de flecha voaram entre os navios, silvando como serpentes.

Ao sul da Água Negra, Davos viu homens arrastando grosseiras jangadas para a água enquanto fileiras e colunas se formavam sob mil estandartes esvoaçantes. O coração flamejante estava por toda parte, embora o minúsculo veado negro aprisionado nas chamas fosse pequeno demais para se ver. Devíamos ter hasteado o veado coroado, pensou. O veado era o símbolo do Rei Robert, a cidade rejubilaria ao vê-lo. Esse estandarte de um estranho só serve para colocar os homens contra nós.

Não conseguia observar o coração flamejante sem pensar na sombra que Melisandre tinha parido na escuridão por baixo de Ponta Tempestade. Pelo menos lutamos essa batalha à luz, com as armas de homens honestos, disse a si mesmo. A mulher vermelha e seus filhos escuros não tomariam parte nela. Stannis a enviara para Pedra do Dragão com o sobrinho bastardo, Edric Storm. Seus capitães e vassalos tinham insistido que um campo de batalha não era lugar para uma mulher. Só os homens da rainha tinham manifestado opinião diferente, e não com grande vigor. Mesmo assim, o rei se mostrara propenso a não lhes dar ouvidos, até que Lorde Bryce Caron disse:

– Vossa Graça, se a feiticeira estiver conosco, depois da batalha os homens dirão que a vitória foi dela, não sua. Dirão que deve a coroa aos seus feitiços – isso havia mudado a maré. O próprio Davos mantivera a boca fechada durante a discussão, mas, a bem da verdade, não ficou triste por vê-la longe. Não queria nada com Melisandre ou seu deus.