– Os primeiros traidores da noite – a rainha disse –, mas temo que não serão os últimos. Mande Sor Ilyn cuidar deles, e coloque suas cabeças em espigões à porta dos estábulos como aviso – enquanto os irmãos saíam, virou-se para Sansa: – Outra lição que devia aprender, se tem esperança de se sentar no trono ao lado de meu filho. Se for branda numa noite como esta, terá traição estourando por toda a sua volta, como cogumelos depois de uma chuva forte. A única maneira de manter seu povo leal é assegurando-se de que a temem mais do que ao inimigo.
– Vou me lembrar, Vossa Graça – Sansa respondeu, se bem que sempre tivesse ouvido dizer que o amor era um caminho mais seguro para a lealdade do povo do que o medo. Se chegar a ser uma rainha, farei com que me amem.
Empadões de pata de siri seguiram-se à salada. Depois veio carneiro assado com alho-poró e cenoura, servido em tabuleiros de casca de pão. Lollys comeu depressa demais, ficou enjoada e vomitou por cima de si e da irmã. Lorde Gyles tossiu, bebeu, tossiu, bebeu e desmaiou. A rainha fitou com repugnância o local onde ele jazia, com o rosto enfiado no tabuleiro e a mão numa poça de vinho.
– Os deuses deviam estar loucos para desperdiçar virilidade em homens como ele; e eu devia estar louca quando exigi sua libertação.
Osfryd Kettleblack regressou, fazendo rodopiar o manto carmim.
– Há povo juntando-se na praça, Vossa Graça, pedindo refúgio no castelo. Não é uma multidão, são comerciantes ricos e gente assim.
– Ordene-lhes que voltem às suas casas – disse a rainha. – Se não forem, ordene que seus besteiros matem alguns. Nada de surtidas; não quero os portões abertos por nenhum motivo.
– Às suas ordens – ele fez uma reverência e saiu.
O rosto da rainha mostrava-se duro e irritado.
– Bem que eu gostaria de levar uma espada aos seus pescoços pessoalmente – a voz de Cersei começava a ficar mole. – Quando pequenos, Jaime e eu éramos tão parecidos que até nosso pai não nos conseguia distinguir. Às vezes, para fazer graça, vestíamos a roupa um do outro e passávamos um dia inteiro como o outro. Mas, mesmo assim, quando deram a Jaime a primeira espada, não havia nenhuma para mim. “O que eu ganho?”, lembro-me de ter perguntado. Éramos tão parecidos que nunca entendi por que nos tratavam de forma tão diferente. Jaime aprendeu a lutar com espadas, lanças e maças, enquanto eu fui ensinada a sorrir, cantar e agradar. Ele era herdeiro de Rochedo Casterly, enquanto eu estava destinada a ser vendida a um estranho qualquer como se fosse um cavalo, para ser montada sempre que meu novo dono quisesse, espancada sempre que ele desejasse, e, com o tempo, posta de lado em favor de uma potra mais nova. O destino de Jaime seria a glória e o poder, enquanto o meu era o parto e o sangue da lua.
– Mas foi rainha de todos os Sete Reinos – Sansa lhe disse.
– Quando se trata de espadas, uma rainha é só uma mulher, no fim das contas – a taça de vinho de Cersei estava vazia. Um pajem fez tenção de voltar a enchê-la, mas ela se virou e sacudiu a cabeça. – Mais não. Tenho de manter a cabeça limpa.
O último prato foi queijo de cabra servido com maçãs cozidas. O odor da canela encheu o salão no momento em que Osney Kettleblack entrou para ir se ajoelhar mais uma vez entre as duas.
– Vossa Graça – murmurou. – Stannis desembarcou homens no terreiro dos torneios, e há mais atravessando o rio. O Portão da Lama está sob ataque, e trouxeram um aríete até o Portão do Rei. O Duende saiu para repeli-los.
– Isso vai enchê-los de medo – a rainha disse secamente. – Não levou Joff, espero.
– Não, Vossa Graça, o rei está com o meu irmão nas Rameiras, atirando Homens Chifrudos ao rio.
– Com o Portão da Lama sendo assaltado? Loucura. Diga a Sor Osmund que eu o quero aqui imediatamente, é perigoso demais. Traga-o de volta ao castelo.
– O Duende disse…
– É o que eu digo que devia lhe interessar – os olhos de Cersei estreitaram-se. – Seu irmão fará o que lhe é dito, caso contrário tratarei de que seja ele a liderar a próxima surtida, e você irá com ele.
Depois de os pratos terem sido levados, muitos dos convidados pediram licença para ir ao septo. Cersei concedeu-lhes o pedido com benevolência. A Senhora Tanda e as filhas estavam entre os que partiram. Para os que ficaram, foi trazido um cantor, a fim de encher o salão com a doce música da harpa vertical. Cantou sobre Jonquil e Florian, sobre o Príncipe Aemon, o Cavaleiro do Dragão e seu amor pela rainha do irmão, sobre os dez mil navios de Nymeria. Eram belas canções, mas terrivelmente tristes. Várias das mulheres começaram a chorar, e Sansa sentiu que seus olhos também se umedeciam.
– Muito bem, querida – a rainha inclinou-se para mais perto. – Vai querer treinar essas lágrimas. Vai precisar delas para o Rei Stannis.
Sansa mexeu-se nervosamente na cadeira.
– Vossa Graça?
– Oh, poupe-me de suas cortesias ocas. As coisas devem ter chegado a uma dificuldade desesperadora lá fora se precisam que um anão os lidere, portanto, pode perfeitamente tirar a máscara. Sei tudo sobre as suas traiçõezinhas no bosque sagrado.
– O bosque sagrado? – não olhe para Sor Dontos, não olhe, não olhe, disse Sansa a si mesma. Ela não sabe, ninguém sabe, Dontos prometeu, meu Florian nunca me decepcionaria. – Não cometi nenhuma traição. Só visito o bosque sagrado para rezar.
– Por Stannis. Ou pelo seu irmão, dá na mesma. Por que outro motivo procuraria os deuses de seu pai? Reza pela nossa derrota. Do que chamaria isso se não for traição?
– Rezo por Joffrey – ela insistiu nervosamente.
– Por quê? Por causa da gentileza com que a trata? – a rainha tirou um jarro de vinho doce de ameixa de uma criada que passava e encheu a taça de Sansa. – Beba – ordenou friamente. – Talvez lhe dê coragem para lidar com a verdade, para variar.
Sansa levou a taça aos lábios e bebeu um pequeno gole. O vinho era enjoativamente doce, mas muito forte.
– Pode fazer melhor do que isso – Cersei a desafiou. – Esvazie a taça, Sansa. É a sua rainha que ordena.
Sansa quase quis vomitar, mas esvaziou a taça, emborcando o espesso vinho doce até ficar com a cabeça flutuando.
– Mais? – Cersei perguntou.
– Não. Por favor.
A rainha pareceu aborrecida:
– Quando perguntou há pouco acerca de Sor Ilyn, menti para você. Quer ouvir a verdade, Sansa? Quer saber o motivo real de sua presença aqui?
Sansa não se atreveu a responder, mas não importava. A rainha ergueu uma mão e chamou, sem esperar resposta. Sansa nem sequer tinha visto Sor Ilyn regressar ao salão, mas de repente ali estava, saindo das sombras por trás do estrado, silencioso como um gato. Trazia Gelo desembainhada. Sansa recordou que o pai limpava sempre a lâmina no bosque sagrado depois de cortar a cabeça de um homem, mas Sor Ilyn não era tão exigente. Havia sangue secando no aço ondulado, já com o vermelho transformando-se em marrom.
– Diga à Senhora Sansa por que o mantenho junto a nós – a rainha ordenou.
Sor Ilyn abriu a boca e emitiu um chocalhar sufocado. Seu rosto marcado pelas bexigas não tinha expressão.
– Ele diz que está aqui por nós – disse a rainha. – Stannis pode tomar a cidade e pode capturar o trono, mas eu não tolerarei que me julgue. Não pretendo que nos capture vivas.
– Nos?
– Ouviu o que eu disse. Portanto, talvez seja melhor voltar a rezar, Sansa, e por outro resultado. Os Stark não obterão nenhuma alegria da queda da Casa Lannister, prometo – estendeu a mão e tocou o cabelo de Sansa, afastando-o delicadamente de seu pescoço.
Tyrion
A fenda do elmo limitava a visão de Tyrion àquilo que se encontrava na sua frente, mas quando virou a cabeça, viu três galés encalhadas no terreiro dos torneios, e uma quarta, maior do que as outras no meio do rio, ao largo, atirando barris de piche em chamas com uma catapulta.