– É um pouco velho para isso, não? – Sor Jorah avançara através da multidão até tomar posição ao lado de Dany, segurando desajeitadamente a bandeja de latão debaixo do braço. A dura cabeça de Belwas deixara-a bastante amassada.
– Mas não velho demais para servir meu suserano, Lorde Mormont.
– Também me conhece?
– Vi-o lutar uma ou duas vezes. Em Lanisporto, onde quase derrubou o Regicida. E em Pyke, lá também. Não se lembra, Lorde Mormont?
Sor Jorah franziu a sobrancelha.
– Seu rosto parece-me familiar, mas havia centenas de homens em Lanisporto e milhares em Pyke. E eu não sou lorde. A Ilha dos Ursos foi tirada de mim. Não sou mais do que um cavaleiro.
– Um cavaleiro da minha Guarda Real – Dany tomou seu braço. – E meu amigo fiel e bom conselheiro – estudou o rosto de Arstan. Possuía uma grande dignidade, uma força calma que lhe agradava. – Levante-se, Arstan Barba Branca. Seja bem-vindo, Belwas, o Forte. Já conhecem Sor Jorah. Ko Aggo e Ko Jhogo são sangue do meu sangue. Cruzaram comigo o deserto vermelho e viram nascer os meus dragões.
– Rapazes dos cavalos – Belwas deu um sorriso cheio de dentes e de intervalos entre eles. – Belwas matou muitos rapazes dos cavalos nas arenas de luta. Tilintam quando morrem.
O arakh de Aggo saltou para sua mão.
– Nunca matei um homem gordo e marrom. Belwas será o primeiro.
– Embainhe o seu aço, sangue do meu sangue – Dany pediu –, este homem vem para me servir. Belwas, irá conceder o máximo respeito ao meu povo, caso contrário, deixará meu serviço mais cedo do que gostaria, e com mais cicatrizes do que quando chegou.
O sorriso cheio de intervalos desvaneceu-se da larga cara escura do gigante, substituído por uma carranca confusa. Ao que parecia, não era frequente que os homens ameaçassem Belwas, e ainda menos meninas com um terço do seu tamanho.
Dany deu um sorriso, para remover um pouco da dureza da reprimenda.
– E agora digam-me, o que Magíster Illyrio quer de mim para enviá-los de Pentos até aqui?
– Quer dragões – disse Belwas rudemente –, e a menina que os faz. Ele a quer.
– Belwas diz a verdade, Vossa Graça – Arstan confirmou. – Foi-nos dito que a encontrássemos e a levássemos de volta a Pentos. Os Sete Reinos precisam da senhora. Robert, o Usurpador, está morto, e o reino sangra. Quando zarpamos de Pentos havia quatro reis no país, e nenhuma justiça em parte alguma.
A alegria floresceu em seu coração, mas Dany manteve-a afastada do rosto.
– Tenho três dragões, e mais de cem pessoas no meu khalasar, com todos os seus bens e cavalos.
– Não importa – Belwas trovejou. – Levamos todos. O homem gordo contrata três navios para a sua pequena rainha de cabelo prateado.
– Assim é, Vossa Graça – Arstan Barba Branca confirmou. – A grande coca Saduleon está atracada na extremidade do cais, e as galés Sol de Verão e Logro de Joso estão ancoradas do outro lado do quebra-mar.
Três cabeças tem o dragão, pensou Dany, curiosa.
– Direi ao meu povo que se prepare para partir de imediato. Mas os navios que me levarem para casa têm de ostentar nomes diferentes.
– Como quiser – Arstan concordou. – Que nomes prefere?
– Vhagar – disse-lhe Daenerys. – Meraxes. E Balerion. Pinte os nomes nos cascos em letras douradas com um metro de altura, Arstan. Quero que todos os homens que os virem saibam que os dragões regressaram.
Arya
As cabeças tinham sido mergulhadas em alcatrão a fim de abrandar o apodrecimento. Todas as manhãs, quando Arya se dirigia ao poço para tirar água fresca para a bacia de Roose Bolton, tinha de passar por baixo delas. Estavam viradas para fora, por isso nunca via os rostos, mas gostava de fingir que uma delas pertencia a Joffrey. Tentava imaginar como sua cara bonita ficaria mergulhada em alcatrão. Se eu fosse um corvo, podia pousar nela e arrancar à bicada seus estúpidos lábios gordos e mal-humorados.
Nunca faltava público para as cabeças. As gralhas pretas voavam em círculos por cima da guarita, em roufenha rudeza, e disputavam nas muralhas por cada olho, guinchando e crocitando umas às outras e levantando voo sempre que uma sentinela passava pelas ameias. Às vezes os corvos do meistre também juntavam-se ao festim, descendo da colônia em grandes asas negras. Quando os corvos chegavam, as gralhas afastavam-se, retornando no momento em que as aves maiores partiam.
Será que os corvos se lembram do Meistre Tothmure?, perguntou Arya a si mesma. Estarão tristes por ele? Quando lhe gritam quorc, será que se interrogam por que é que ele não responde? Talvez os mortos soubessem falar com eles em alguma língua secreta que os vivos não eram capazes de ouvir.
Tothmure tinha sido sentenciado ao machado por enviar aves para Rochedo Casterly e Porto Real na noite em que Harrenhal caíra; o armeiro Lucan por fazer armas para os Lannister; a Governanta Harra por dizer ao pessoal da Senhora Whent para servi-los; o intendente por dar a Lorde Tywin as chaves do cofre do tesouro. O cozinheiro fora poupado (alguns diziam que por ter feito a sopa de doninha), mas tinham sido construídas armações para prender a bonita Pia e as outras mulheres que tinham partilhado os seus préstimos com soldados Lannister. Nuas e raspadas, foram deixadas no pátio intermediário ao lado da arena dos ursos, para o uso de qualquer homem que as quisesse.
Três homens de armas Frey estavam usando-as naquela manhã quando Arya se dirigiu ao poço. Tentou não olhar, mas conseguia ouvir os homens rindo. O balde era muito pesado depois de cheio. Estava se virando para levá-lo para a Pira do Rei quando a Governanta Amabel pegou em seu braço. A água derramou-se sobre as pernas de Amabel.
– Fez isso de propósito – a mulher guinchou.
– O que é que você quer? – Arya torceu-se, tentando se soltar. Amabel andava meio louca desde que tinham cortado a cabeça de Harra.
– Está vendo aquilo? – apontou para o outro lado do pátio, para Pia. – Quando este nortenho cair, você vai estar onde ela está.
– Largue-me – Arya tentou se libertar puxando, mas Amabel limitou-se a fechar melhor os dedos.
– Ele também vai cair, Harrenhal acaba por puxar todos para baixo. Lorde Tywin agora ganhou, vai marchar de volta com todo seu poder, e depois será a vez dele de punir os desleais. E não pense que ele não saberá o que você fez! – a velha soltou uma gargalhada. – Posso até também eu dar uma também, a Harra tinha uma velha vassoura, vou guardá-la para você. O cabo está quebrado e cheio de lascas…
Arya girou o balde. O peso da água fez com que se virasse em suas mãos, e não atingiu Amabel na cabeça como quis, mas a mulher a soltou mesmo assim quando a água a ensopou.
– Nunca me toque – Arya gritou –, senão mato-a. Vá embora.
Encharcada, a Governanta Amabel balançou um dedo fino na direção do homem esfolado no peito da túnica de Arya.
– Acha que está segura com esse homenzinho sangrento em suas tetas, mas não está! Os Lannister vêm aí. Vai ver o que acontece quando chegarem aqui.
Três quartos da água tinham se derramado no chão, e Arya teve de voltar ao poço. Se contasse a Lorde Bolton o que ela disse, a cabeça dela estaria ao lado da de Harra antes de cair a noite, pensou enquanto puxava o balde. Mas não o faria.
Uma vez, quando só estavam lá metade das cabeças, Gendry surpreendera Arya olhando para elas.
– Admirando o seu trabalho? – ele perguntara.
Ela sabia que ele estava zangado porque gostava de Lucan, mas mesmo assim não era justo.
– É trabalho de Walton Pernas-d’Aço – ela disse em tom defensivo. – E dos Saltimbancos, e de Lorde Bolton.